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Capítulo III – A evolução do tempo de trabalho

8. A terceira revisão do Código do Trabalho de 2009

8.4. Os feriados, férias e faltas

O regime dos feriados, férias e faltas, regulado nos artigos 234.º a 257.º do CT, foi objecto de alterações com a Lei n.º 23/2012, 25 de Junho, na sequência dos compromissos assumidos no Acordo tripartido, de 2012. Embora estas alterações não constassem do Memorando de Entendimento, a verdade é que elas estão em consonância com os seus objectivos.

A alteração ao regime de feriados, com o objectivo contribuir para o reforço da competitividade das empresas, traduziu-se na redução de quatro feriados obrigatórios e admitiu-se que nos casos em que os feriados coincidem com os dias de 3ª ou 5ª feira, o empregador possa decidir proceder ao encerramento, total ou parcial, do estabelecimento ou da empresa nos dias de ponte, descontando estes dias no período de férias ou através de compensação futura pelo trabalhador. Por outro lado, o Governo comprometeu-se a não utilizar a possibilidade prevista no nº 3 do artigo 234.º do CT/2009, a qual permitiria que determinados feriados obrigatórios pudessem ser observados na segunda-feira subsequente.

Deste modo, eliminou-se dois civis e dois religiosos: Corpo de Deus, 5 de Outubro, 1 de Novembro e 1 de Dezembro (n.º 1 do artigo 234.º)237.

Esta alteração foi das mais polémicas e ao longo do processo negocial, em sede de concertação social e discussão e votação na especialidade, foi objecto de várias alterações face à proposta inicial do Governo238. De acordo com a exposição de motivos da proposta de lei, a eliminação dos feriados teve como objectivo “[…] aumentar os níveis de produtividade, contribuindo para o incremento da competitividade e para a aproximação, nesta matéria, de Portugal aos restantes países europeus.”. Este último objectivo, o de aproximar o número de feriados nacionais ao dos países europeus, suscita dúvidas e até alguma perplexidade face a dados disponibilizados pela CE.

Consideramos que uma alteração desta natureza justificaria a elaboração de um estudo comparativo de forma a fundamentar tal opção, que presumimos que não foi realizado uma vez que foi divulgado. Só com um estudo comparativo, a nível dos países europeus se poderia aferir se o número de feriados nacionais em Portugal era de facto superior à média europeia. Ainda que tenha sido feito algum levantamento do número de feriados dos restantes países

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No caso da eliminação dos feriados religiosos (católicos) foi obrigatório o acordo com a Santa Sé, nos termos da Concordata celebrada entre a República Portuguesa e a Santa Sé, em 18 de Maio de 2004, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 80/2004, de 16 de Novembro.

238 Vide sobre este aspecto MENDES, Luís Marques; MENDES Clara Marques; PEREIRA, João Paulo - op. cit.,

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europeus, isso não seria suficiente para se concluir que Portugal tinha um número elevado de dias feriados em relação aos restantes países. Com efeito, há elementos importantes que devem ser tidos em conta no regime de feriados, em particular, a dimensão dos países em função do número de população, as regras em matéria de encerramento ou suspensão da actividade e se tal ocorre em todos eles ou apenas em alguns e a forma de retribuição ao trabalhador que preste trabalho nesses dias, bem como a existência do direito ao gozo de descanso compensatório.

De qualquer forma, salientamos que de acordo com a Comunicação da CE, relativa aos dias feriados nos Estados-membros da UE em 2013239, cujo quadro consta do anexo VI, é possível constatar que o número de feriados em Portugal, antes desta alteração, não estava assim tão afastado da média dos Estados-membros da UE.

Referimos, também, que o número de dias feriados para as instituições da UE, 17 em 2013 e 18 em 2014, corresponde ao dobro dos feriados em Portugal, conforme Comunicação da CE, cujos dados constam dos quadros dos anexos VII e VIII.

A eliminação destes feriados entrou em vigor a partir de 1 de Janeiro de 2013 (artigo 10.º da Lei n.º 23/2012, de 25 de Junho). Entretanto, a quinta alteração ao CT/2009, através da Lei n.º 69/2013, de 30 de Agosto, introduziu uma alteração ao referido artigo 10.º da Lei n.º 23/2012, acrescentando no n.º 1 que os feriados eliminados serão obrigatoriamente objecto de reavaliação num período não superior a cinco anos.

Ainda no âmbito dos feriados, destacamos a alteração introduzida no artigo 269.º do CT/2009, relativa à prestação de trabalho em dia feriado em empresa não obrigada a suspender o funcionamento, que se traduziu na redução para metade do descanso compensatório, bem como do valor do acréscimo da retribuição correspondente. Sobre estas reduções há que atentar na alínea b) do n.º 4 do artigo 7.º da Lei n.º 23/2012, nos termos da qual ficam suspensas durante dois anos, a contar da entrada em vigor da lei, as disposições de IRCT e as cláusulas de contratos de trabalho que disponham sobre retribuição do trabalho normal prestado em dia feriado, ou descanso compensatório por essa mesma prestação, em empresa não obrigada a suspender o funcionamento nesse dia. Embora, a redacção da norma não seja a mais feliz, pois pode suscitar dúvidas quanto ao que está suspenso por dois anos, afigura-se, face à alteração introduzida ao artigo 269.º, que foi intenção do legislador suspender o descanso compensatório com duração superior a metade do número de horas

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prestadas ou, em alternativa, o pagamento do trabalho prestado em feriados para além do acréscimo superior a 50 % da retribuição correspondente.

Em relação ao regime das férias, as alterações introduzidas reportam-se à duração do período das férias, prevista no artigo 238.º, e respeitam a dois aspectos importantes:

i. Contabilização dos sábados e domingos como dias de férias, quando os dias de descanso do trabalhador coincidam com dias úteis;

ii. Eliminação da majoração de até três dias de férias, em caso de inexistência de faltas ou de número reduzido de faltas justificadas, ou seja, em função da assiduidade. O n.º 3 do artigo 238.º passa a consagrar que, nos casos em que os dias de descanso do trabalhador coincidam com dias úteis, são considerados para efeitos do cálculo dos dias de férias, em substituição daqueles, os sábados e os domingos que não sejam feriados.

Os n.ºs 3 e 4 do artigo que previam a majoração são revogados.

De acordo com o n.º 3 do artigo 7.º da Lei n.º 23/2012, as majorações ao período anual de férias estabelecidas em disposições de IRCT ou cláusulas de contratos de trabalho posteriores a 1 de Dezembro de 2003 e anteriores à entrada em vigor da referida Lei são reduzidas em montante equivalente até três dias. Como realça LUÍS MIGUEL MONTEIRO,

“A norma tem o propósito de “neutralizar” acréscimos do período de férias introduzidos por regulamentação colectiva de trabalho, mas induzidos pela solução legal que, nos termos expostos, compensava níveis elevados de assiduidade por via da atribuição de mais tempo de repouso anual. Deste modo, a disposição legal citada não determina a diminuição de todos os períodos de férias de duração superior à legal, ainda que apenas introduzidos após 2003, mas apenas daqueles que tenham obedecido à lógica de contrapartida subjacente ao antigo nº 3 do artigo em anotação.

Assim, o período de férias fixado por instrumento de regulamentação colectiva com extensão superior à legal, sem relação com a assiduidade do trabalhador mas consumindo o acréscimo que por lei decorria desse cumprimento pontual, não é prejudicado pela regra decorrente do n.º 3 do artigo 7.º da Lei n.º 23/2012.”240

No entanto, a expressão “montante equivalente até três dias” no referido n.º 3 do artigo 7.º é ambígua e pode suscitar dúvidas em relação ao que é equivalente.

Com efeito, pode colocar-se a questão sobre se a intenção do legislador ao utilizar a expressão “montante equivalente” é para os casos em que o trabalhador, em função da

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assiduidade, tinha direito a mais do que três dias e neste caso são reduzidos apenas três dias ou então para as situações em que o número de dias em função da assiduidade era gozado, por exemplo, em meios-dias.

O n.º 3 do referido artigo 7.º apenas terá efeitos nas disposições de IRCT ou de cláusulas de contratos de trabalho posteriores a 1 de Dezembro de 2003, desde que o acréscimo aos 22 dias decorra da assiduidade, e anteriores à entrada da Lei nº 23/2012, não abrangendo assim as cláusulas anteriores a Dezembro de 2003 e as posteriores ao início da vigência da referida Lei n.º 23/2012241. Assim, nada obsta a que as partes, a seguir à entrada em vigor da referida Lei, acordem um período de férias superior a 22 dias úteis, bem como a possibilidade de majoração em função da assiduidade.

No entanto, há que salientar que esta opção de o legislador ter estabelecido que são nulas as disposições de IRCT celebrados antes da sua entrada em vigor, respeitantes às majorações ao período anual de férias, põe em causa o direito de contratação colectiva enquanto direito fundamental consagrado nos n.ºs 3 e 4 do artigo 56.º da CRP, como referimos a propósito da aplicação da mesma solução quanto ao descanso compensatório por trabalho suplementar prestado em dia útil, em dia de descanso semanal complementar ou em feriado.

Neste contexto, procedeu-se a um levantamento das convenções colectivas publicadas após a entrada em vigor da Lei n.º 23/2012, cujo conteúdo, na parte relativa à duração do período de férias, consta do quadro do anexo IX, que nos mostra períodos de férias com duração superior a 22 dias e que em alguns casos o aumento decorre da assiduidade do trabalhador.

Ainda no domínio do regime das férias, foram alteradas as regras sobre encerramento de empresa ou de estabelecimento, total ou parcialmente, para férias dos trabalhadores, previstas no artigo 242.º do CT/2009 e já referidas a propósito do trabalho suplementar.

De referir, também, que a Lei n.º 11/2013, de 28 de Janeiro, estabeleceu um regime temporário de pagamento dos subsídios de Natal e de férias para vigorar durante o ano de 2013, que no caso do pagamento do subsídio de férias suspendeu durante o ano de 2013 a vigência do n.º 3 do artigo 264.º do CT/2009, que estabelece que o subsídio de férias deve ser pago antes do início do período de férias e proporcionalmente em caso de gozo interpolado de férias, salvo acordo escrito em contrário.

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Deste modo, de acordo com o artigo 4.º da referida Lei, o subsídio de férias deve ser pago da seguinte forma: i) 50 % antes do início do período de férias e ii) Os restantes 50 % em duodécimos ao longo do ano de 2013; excepto no caso dos contratos de trabalho a termo e dos contratos de trabalho temporário, em que o pagamento nestes termos depende de acordo escrito entre as partes (artigo 2.º)242.

Foram introduzidas também alterações ao regime das faltas, passando a considerar-se que, em caso de falta injustificada a um ou a meio período normal de trabalho diário, imediatamente anterior ou posterior a dia ou meio dia de descanso ou a feriado, o período de ausência a considerar para efeitos de perda de retribuição corresponderá à totalidade deste período (n.º 3 do artigo 256.º). De acordo com a exposição de motivos da proposta de lei, esta alteração teve como objectivo contribuir para a redução do número de faltas injustificadas em dias próximos de períodos de descanso, “[…] as quais se mostram suscetíveis de prejudicar em grande medida o empregador, dada a imprevisibilidade da sua ocorrência e a dificuldade em suprir a ausência do trabalhador num reduzido espaço de tempo.”. Como sublinha LUÍS MIGUEL MONTEIRO,

“O aproveitamento das “pontes” para multiplicar os dias de ausência ao trabalho, ainda que à custa de faltas injustificadas, é objeto de punição severa, traduzida na qualificação como infracção disciplinar grave da falta dada e, com a Lei nº 23/2012, na perda acrescida de retribuição. Recupera-se deste modo solução constante do nº 2 do artigo 27º da LFFF, que o legislador do CT2033(sic) abandonara (cfr. artigo 231º deste).”243

É patente nestas alterações a opção pela via da prevenção e maior penalização do absentismo, ao contrário do regime anterior cuja solução passava por incentivos em função da assiduidade244.

242 O pagamento do subsídio de Natal segue o mesmo regime do subsídio de férias, nos termos do artigo 3.º da

Lei n.º 11/2013, de 28 de Janeiro.

243MONTEIRO, Luís Miguel - op. cit., 2012, p. 584.

244 Cfr. MOTTA, Teresa Teixeira - Férias, Feriados e Faltas. Revista de Direito e de Estudos Sociais. Coimbra:

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8.5. A redução ou suspensão em situação de crise empresarial

A terceira alteração ao CT/2009 introduziu também alterações significativas ao regime jurídico da redução temporária dos períodos normais de trabalho ou da suspensão dos contratos de trabalho em situação de crise empresarial, assentes em requisitos exigentes, mas em conjugação com a agilização dos procedimentos, designadamente:

i. Obrigatoriedade de a empresa ter a sua situação contributiva regularizada perante a administração fiscal e a segurança social, salvo quando se encontre em situação económica difícil ou em processo de recuperação de empresa (n.º 4 do artigo 298.º); ii. Imposição ao empregador da disponibilização de informação aos trabalhadores e seus representantes na fase das comunicações e na fase de informação trimestral (n.ºs 1 e 2 do artigo 299.º e n.º 1 do artigo 307.º);

iii. Redução dos prazos de decisão do empregador de aplicação da medida e de início de execução da mesma, ambos de dez para cinco dias, possibilitando-se ainda o início imediato da sua aplicação em caso de acordo com os representantes dos trabalhadores ou, na sua falta, da maioria dos trabalhadores abrangidos (n.º 3 do artigo 300.º e n.º 2 do artigo 301.º);

iv. Admissibilidade da prorrogação da medida, mediante comunicação do empregador aos representantes dos trabalhadores ou, na sua falta, aos próprios trabalhadores abrangidos (n.º 3 do artigo 301.º);

v. Proibição de cessação de contrato de trabalho durante a aplicação da medida e nos 30 ou 60 dias seguintes, consoante a sua duração não exceda ou seja superior a seis meses, sob pena de devolução dos apoios recebidos em relação ao trabalhador em causa (n.ºs 2 e 3 do artigo 303.º);

vi. Em caso de frequência pelos trabalhadores de formação profissional adequada ao desenvolvimento da sua qualificação profissional, que aumente a sua empregabilidade, ou à viabilização da empresa e à manutenção dos postos de trabalho, a atribuição de um apoio no valor de 30% do Indexante de Apoios Sociais, ao empregador e ao trabalhador, em partes iguais, que acresce à compensação retributiva a que o trabalhador tenha direito (n.º 5 do artigo 305.º);

vii. Manutenção do apoio pelo serviço público competente da área da segurança social, correspondente a 70% da compensação retributiva (n.º 4 do artigo 305.º).

Para ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES, a suspensão e redução do tempo de trabalho em situação de crise empresarial podem ser encaradas como um instrumento de

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segurança de emprego, cuja alteração ao já referido n.º 2 do artigo 303.º considera que reforça tal entendimento245.

Com esta alteração foi finalmente revogado o artigo 344.º do CT/2003, relativo à compensação retributiva, que estava em vigor por força alínea b) do n.º 3 do artigo 12.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, que aprovou o CT/2009 (n.º 1 do artigo 9.º da Lei n.º 23/2012, de 25 de Junho).