• Nenhum resultado encontrado

Os independentes nas bancas: o Disco de Bolso, versão atual?

No documento Na Trilha do Disco (páginas 143-149)

Pierre Aderne, a Gol Records e a Panela Records

Em sua tese de doutorado, Eduardo Vicente189 relata o trabalho do mú-

sico e produtor Pierre Aderne. Um CD com hinos de clubes de futebol encartado na revista Placar foi o primeiro lançamento de Aderne para ser vendido nas bancas. O êxito foi tamanho –– 500 mil cópias vendidas –– que o levou a criar um selo, a Gol Records, especializada em produzir e distribuir CDs para serem encartados em jornais e revistas. Alguns números são astronômicos: foram vendidos 14 milhões de CDs com Cid Moreira lendo trechos da Bíblia que, somados às gravações de Miguel Falabela lendo poemas e às de um curso de inglês resultaram em 18 milhões de CDs! Mas Aderne queria viabilizar a produção de trabalhos independentes, e cria um novo selo –– o Panela Records.

Vicente lembra também que o primeiro álbum da Panela Records foi do grupo Blitz, distribuído juntamente com o jornal O Dia, do Rio de Janeiro. Segundo o site cliquemusic.uol.com.br esse CD, lançado em 1999, vendeu 50 mil cópias.190 Em seguida, segundo o mesmo site,

Aderne inova mais uma vez pois, em vez de se limitar aos jornais e re- vistas do Rio ou de São Paulo, tem feito lançamentos acoplados a perió- dicos de cidades menores, como é o caso do CD de Oswaldo Montenegro, distribuído juntamente com o jornal Tribuna do Norte, de Natal. Numa semana, vendeu 10 mil cópias, número bastante expressivo para uma cidade relativamente pequena como aquela. Aderne assinou contratos com 440 jornais do interior do Brasil e outros 27 de capitais de estados para comercializar seus CDs.

Lobão e outracoisa

Com a sua costumeira rebeldia, discordando dos critérios artísticos das grandes gravadoras e desconfiando da lisura das suas contabilidades, em 1999 o cantor e compositor Lobão resolveu lançar o seu CD A vida é

doce em bancas de jornais (além de algumas megastores e sites de ven-

das). O resultado não decepcionou: foram vendidos cem mil exemplares

189. Eduardo Vicente. Música e disco no Brasil: a trajetória da indústria nas décadas de 80 e 90.

dessa produção independente. Em 2002, ele foi um dos líderes do mo- vimento que batalhou pela aprovação da lei que tornou obrigatória a numeração de CDs lançados no Brasil, bem como a adoção, para cada música, do ISRC (International Standard Recording Code), um código alfanumérico que funciona como identificador básico de gravações fo- nográficas digitais, contribuindo para a moralização da arrecadação de direitos autorais.

Em 2003, Lobão punha nas bancas, em parceria com a editora L&C, do Rio de Janeiro, o primeiro número da revista outracoisa (assim mes- mo, em caixa baixa e com as duas palavras unidas), acompanhada de um CD inédito, com periodicidade bimestral e uma tiragem inicial de 20.000 exemplares. Ele dizia no editorial:

Uma revista? Um CD? Um projeto híbrido de cultura independente e guerrilha poética? Uma aposta em no- vas possibilidades de veiculação da expressão e de arte em geral? Sim. Tudo isso e muito mais paira por nossas cabeças, nossos corações e nossos sonhos. Nasce essa tal de outracoisa sob a égide do caos e processo, com o objetivo insuspeito de a gente se repensar, se reinven- tar, se reorganizar para se ter a liberdade de seduzir, apavorar, provocar, perceber, criar muitos problemas e, quem sabe, agenciar algumas soluções.191

A revista já lançou solistas e grupos de várias partes do país, como BNegão (Rio de Janeiro), Wander Wildner (Goiânia), Cachorro Grande (Porto Alegre), Mombojó (Recife) e Fauichecleres (Curitiba), além de um CD com Arnaldo Batista (ex-Mutantes) e outro com o próprio Lobão. Na sua busca por uma independência das gravadoras e das emissoras de rádio e TV, e pela distribuição em bancas de jornais, as produções in- dependentes de Aderne e da revista outracoisa não deixam de ter certa semelhança, no que se refere à produção e distribuição, com o Disco de Bolso dos anos 70. Mas situam-se em registro diferente em matéria de estilos musicais: o seu universo é o do pop e do rock.

Considerações finais

Este pequeno estudo das coleções de fonogramas vendidos em ban- cas de jornais está longe de pretender esgotar o assunto. Uma ou ou- tra coleção pode ter sido deixada de lado e certamente haverá outras maneiras de abordar o tema. Mas a sua importância parece ter sido demonstrada: trata-se de milhões de exemplares discográficos, de va- riados gêneros que, há 40 anos, têm sido distribuídos até em regiões do país onde a banca de jornais é o único ponto onde se pode (ou se podia) encontrar música gravada. Deve-se registrar o pioneirismo da Editora Abril, primeiro lançando versões brasileiras de originais italianos e de- pois produzindo o que, para o autor deste texto, é a mais importante coleção já vendida em bancas: História da Música Popular Brasileira, não somente por se tratar de música brasileira, mas pelo extenso trabalho de pesquisa, elaboração de textos e recuperação de fonogramas, quan- do não, de gravações feitas especialmente para a série (por essa razão ela mereceu um espaço maior neste trabalho). Registre-se também a possibilidade que a banca de jornais tem oferecido para a distribuição de gravações independentes, de Sérgio Ricardo a Lobão.

Não foram incluídas neste artigo as gravações em VHS e DVD que têm sido distribuídas em bancas, pois isso o tornaria demasiado longo e abrangente: certamente esses produtos, com gravações musicais, mas também documentários, filmes de longa-metragem, etc., poderão ser objeto de outro trabalho.

CDs não musicais também mereceriam outra pesquisa: é o caso, por exemplo, das gravações do padre Marcelo Rossi que jornais como o Correio da Bahia ofereceram, em 2007, aos seus leitores –– mas estes não puderam adquiri-los nas bancas: apenas em dois postos do jornal em Salvador.192

Nestes tempos de distribuição de música pela web, quando se afir- ma que as próprias lojas de discos não sobreviverão, pode-se imaginar que discos em bancas de jornais (e as próprias bancas) daqui a algum tempo sejam coisa do passado. Mas nestas últimas décadas, a sua im- portância tem sido enorme.

192. Conforme recortes de 16 de setembro de 2007, p. 2, enviados pela pesquisadora Ayêska Paulafreitas.

Referências bibliográficas

Fascículos e revistas

CLÁSSICA: A história dos gênios da música. São Paulo: Nova Cultural, 1988. DEUTSCHE GRAMMOPHON COLLECTION. Barcelona: Ediciones Altaya, 1999. DISCO DE BOLSO: O tom de Antônio Carlos Jobim e o tal de João Bosco. Rio de Janeiro: L&C Editora, n. 1, 1972.

GIGANTES DO JAZZ. São Paulo: Abril Cultural, 1980/1981. OS GRANDES CLÁSSICOS. Madri: Ediciones del Prado, 1994. GRANDES COMPOSITORES. Barcelona: Editorial Sol90, 2005.

GRANDES COMPOSITORES DA MÚSICA UNIVERSAL. São Paulo: Abril Cultural, 1968.

AS GRANDES ÓPERAS. São Paulo: Abril Cultural, 1971.

HISTÓRIA DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA. São Paulo: Abril Cultural, 1970/1971.

HISTÓRIA DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA: GRANDES COMPOSITORES (nova versão). São Paulo: Abril Cultural, 1982/1984.

JAZZ. Madri: Ediciones del Prado, 1996. JÓIAS DA MÚSICA. São Paulo: Caras, s/d

THE JAZZ MASTERS: Os reis do Swing. Barcelona: Ediciones Folio S.A., 1996. MESTRES DA MÚSICA. São Paulo: Abril Cultural, 1979.

MESTRES DO BLUES. Barcelona: Ediciones Altaya, 1996. MÚSICA PELOS MESTRES. São Paulo: Abril Cultural, 1984. MÚSICA SACRA. Barcelona: Ediciones Altaya, 1996/1997. A MÚSICA DO MUNDO. São Paulo: Caras, 2004.

OPERA COLLECTION. Orbis Fabbri. OUTRACOISA. Rio de Janeiro: L&C, 2007. POVOS E PAÍSES. São Paulo: Abril Cultural, 1972.

ROYAL PHILHARMONIC ORCHESTRA. Madrid: Mediasat Group, 2005.

Tese

VICENTE, Eduardo. Música e disco no Brasil: a trajetória da indústria nas décadas de 1980 e 1990. São Paulo: Universidade de São Paulo, Escola de Comunicações e Artes, 2002. (Tese de doutorado.)

Livro

RICARDO, Sérgio. Quem quebrou meu violão. Rio de Janeiro: Record, 1991.

Periódicos

CORREIO DA BAHIA, 16 set. 2007.

Sites www.altaya.es www.azulmusic.com.br www.abril.com.br/institucional/50anos/fasciculos.html www.delprado.com. www.folio-sa.es www.hho.co.uk www.mediasatgroup.com www.musicaclassica.folha.com.br www.revistaoutracoisa.com.br. www. cliquemusic.uol.com.br

No documento Na Trilha do Disco (páginas 143-149)