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4. Discussão

4.2. Os isolados clonais de B cenocepacia inibem a expressão de alguns

Nesta parte do trabalho foi analisado o perfil de maturação das DCs, após a incubação com os 4 isolados de B. cenocepacia e E. coli (viáveis, inativados por calor e respetivos LPS). Este perfil de maturação das DCs foi determinado após 6 horas de incubação com as bactérias e após 24 horas de incubação na presença dos diferentes LPS.

A exposição das DCs imaturas a estímulos inflamatórios converte-as em DCs maturas (apresentadoras de antigénios ativas). Este processo de maturação das DCs é normalmente acompanhado pela sobreexpressão da molécula apresentadora de antigénios (HLA-DR) e moléculas co-estimulatórias (CD80, CD86 e CD83), designados por marcadores de maturação.

Assim, a análise das alterações na expressão destes marcadores nas DCs estimuladas, face às que não foram estimuladas (expressão basal) dão-nos ideia do estado de maturação destas células.

A estirpe de E. coli usada nestes ensaios serviu como controlo, pois já se havia verificado anteriormente que a incubação das DCs na presença desta bactéria conduzia ao aumento da expressão dos referidos marcadores de maturação 77.

Os resultados obtidos especificamente com os isolados de B. cenocepacia viáveis revelaram então que estes, ao contrário de E. coli, conduziram a uma diminuição da expressão das moléculas HLA-DR e CD80 (Fig. 3.3 e 3.4 (a)), nas DCs, relativamente à expressão basal. Curiosamente, o isolado IV foi o que originou menor expressão destes

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marcadores, corroborando a ideia de que os vários isolados, mas principalmente o IV, inibem pelo menos em parte, a maturação das DCs.

No caso do CD86 (Fig. 3.4 (b)), os isolados de B. cenocepacia viáveis não inibiram a expressão desta molécula nas DCs (comparando com a expressão basal), mas induziram uma expressão inferior à expressão induzida por E. coli. Por outro lado, a expressão de CD83 (Fig. 3.5) foi significativamente superior à expressão basal quando as DCs foram incubadas com os vários isolados.

Estes resultados vão parcialmente de encontro, aos resultados obtidos no único estudo realizado para determinar a maturação das DCs na presença de B. cenocepacia, que demonstrou que esta espécie, contrariamente a outra espécie do Bcc - B.

multivorans, não induz um aumento de expressão das moléculas co-estimulatórias

CD80, CD86 e CD8373. No entanto, o nosso estudo é um dos primeiros a mostrar os efeitos de B. cenocepacia especificamente na expressão da molécula apresentadora de antigénios HLA-DR e a sugerir que uma evolução da inibição da maturação em isolados do mesmo indivíduo, recolhidos em várias fases da infeção crónica.

Quando os 4 isolados de B. cenocepacia foram previamente inativados, a sua interação com as DCs originou um aumento estatisticamente significativo da expressão das moléculas em estudo, comparativamente à sua expressão basal. Também a exposição das DCs ao LPS de cada uma das bactérias originou uma sobreexpressão significativa de todos os marcadores de maturação em estudo, na superfície das DCs (Fig. 3.6 à 3.8). Contudo nenhum destes ensaios mostrou diferenças relevantes entre os vários isolados na capacidade de ativação das DCs, excetuando o facto do LPS do isolado I ter menor capacidade estimulatória.

Posto isto, concluiu-se que os isolados de B. cenocepacia só estimulam a expressão destes marcadores de superfície nas DCs se estiverem inativados ou se for o LPS dos mesmos, sugerindo que os isolados viáveis possuem algum tipo de mecanismo que lhes permite inibir, pelo menos em parte, a maturação completa das DCs, sendo que este fenómeno foi ligeiramente mais acentuado no caso do isolado IV.

A apresentação de antigénios bacterianos pelas DCs às células T é mediada pela molécula de MHC (HLA-DR) de classe I e II, estando também dependente de moléculas co-estimulatórias (CD80, CD86 e CD83) e da expressão de citocinas.

A regulação positiva de MHC de classe I e II, e de moléculas co-estimulatórias aumenta sinergicamente a capacidade de apresentação do antigénio pelas DCs e a potencial estimulação de células T. A maturação da DC pode, portanto, ser vista como

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um processo que coordenadamente regula a captura, processamento e apresentação dos antigénios pelas DCs, a expressão de moléculas co-estimulatórias, a interação com ligantes na superfície das células T e a produção de citocinas (tais como IL-1, IL-12 e IFN-α) que estimulam as células T 114, 115.

Assim, a disrupção da maturação aqui observada pela inibição da sobreexpressão das moléculas do MHC-II e pela deficiente co-estimulação, pode indicar uma menor capacidade de apresentação dos antigénios pelas DCs infetadas com B. cenocepacia viáveis, comprometendo seriamente a resposta das células T. A quebra da maturação das DCs, ainda que possa ser apenas parcial, poderá ser de facto um ponto fulcral do escape imunológico de B. cenocepacia, principalmente no caso dos isolados mais virulentos.

Alguns mecanismos de repressão da maturação das DCs já se encontram estudados para outras bactérias. Um exemplo disso é Yersinia enterocolitica que através da libertação de proteínas efetoras (yops) no citoplasma das células 116, pode levar à apoptose de macrófagos e DCs infetadas, tal como à não promoção da maturação das DCs e, consequentemente, à baixa proliferação de células T 117.

Também se têm feito alguns avanços no estudo da identidade dos fatores de transcrição, que desempenham papéis críticos no decurso deste processo. Por exemplo, em Helicobacter pylori, foi demonstrado que E2F1 pode ser um dos fatores de transcrição que controla a maturação das DCs, uma vez que este supressor de maturação se encontra inativado após a exposição das DCs ao LPS da bactéria. Contudo o uso de citotoxinas, nomeadamente a citotoxina VacA (citotoxina vacuolar), pode estimular e/ ou restaurar a atividade deste fator (E2F1), reprimindo assim a maturação 118.

Outro possível alvo de proteínas efetoras para diminuir a maturação das DCs é a via de produção de espécies reativas de oxigênio (ROS), que se sabe que B. cenocepacia consegue retardar em macrófagos e neutrófilos 74, 119. Este controlo sobre os danos oxidativos é conseguido através da produção de uma superóxido dismutase periplasmática e um pigmento de melanina em macrófagos 74 e através da produção de exopolissacáridos em neutrófilos 119.

Nas DCs e nos macrófagos, a associação da molécula MHC-II com os péptidos processados nos compartimentos lisossomais, bem como o transporte deste complexo MHCII-péptido na superfície da membrana plasmática da célula, são processos que requerem a modulação da F-actina e consequentemente dependentes de proteínas da família Rho-GTPases, como Rac1 e Cdc42, e de outras GTPases como a Rab7 120.

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Curiosamente, tem sido descrito que B. cenocepacia expressa fatores de virulência capazes de interferir com a ativação destas proteínas e o tráfico membranar, tendo como presumível consequência a inaptidão dos fagócitos infetados com esta bactéria apresentarem antigénios derivados do seu processamento na superfície celular 120.

Estes dados da literatura sugerem que de alguma forma os isolados estudados neste trabalho possam atuar de forma semelhante para modular a função da DC e escapar ao processamento lisossomal e/ou evitar que os péptidos derivados desse processamento sejam apresentados às células T.

Apesar de alguns dados publicados indicarem que as bactérias inativadas pelo calor não são capazes de induzir a maturação funcional das DCs 73, curiosamente os nossos resultados mostraram o contrário. Apesar de ter havido menos bactérias associadas às DCs quando os isolados foram inativados (ver secção anterior), verificou-se um aumento significativo da expressão de todos os marcadores de maturação analisados com estes isolados.

Esta discrepância na capacidade de induzir a maturação verificada entre bactérias viáveis e bactérias inviáveis reforça a ideia de que B. cenocepacia expressa fatores de virulência capazes de modular as funções da DC, que só se manifestam no caso das bactérias viáveis. De facto as bactérias inativadas deverão ser internalizadas e seguir a via endocítica normal.

Quando incubadas com o LPS dos vários isolados, as DCs apresentaram uma sobreexpressão dos marcadores de maturação ainda mais acentuada do que as DCs incubadas os isolados de B. cenocepacia inativados. Este resultado não é de estranhar, pois o LPS é um potente indutor da maturação das DCs 107, sendo facilmente reconhecido pelo sistema imune (tal como descrito nas secções 1.2.2 e 1.3.2), através do recetor TLR2 43.

Sumariamente, podemos dizer que B. cenocepacia é capaz de modular, pelo menos em parte, as funções das DCs, contudo, as hipóteses atrás mencionadas, acerca dos mecanismos utilizados por esta bactéria ao escape à maturação necessitam ainda de mais investigação.

Apesar das diferenças entre os vários isolados não serem muito relevantes, sugere-se que o isolado IV tenha revelado um efeito imunomodulador ligeiramente mais acentuado, mas também esta hipótese necessita de ser melhor esclarecida.

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4.3. O último isolado de B. cenocepacia a ser recolhido afeta mais a viabilidade

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