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1.6 A DELIMITAÇÃO DO UNIVERSO DE PESQUISA

1.6.2 Os municípios selecionados

Uma vez assentado para a pesquisa o exame dos pareceres prévios das contas estaduais – era preciso alcançar a seleção dos municípios que melhor representasse a realidade que se pretendia estudar, para que desta fosse possível a aproximação do “movimento real”.

Como preveniu Evangelista (2003) esta etapa é caótica. Entre a ampliação da empiria e o seu estreitamento, era preciso que se interpusessem critérios de seleção que expressassem clareza e, sobretudo, bem representassem o universo de estudo. Neste processo foi preciso considerar, sobretudo, a natureza do objeto que procurava conhecer: os repertórios de jurisprudência do Tribunal de Contas do Estado. A expressão Jurisprudência21, em primeira acepção, sugere a

artigo 1º, inciso XV da Lei Complementar nº 202 (SANTA CATARINA, 2000a) c/c artigos 103, 104, 105 e 106 do Regimento Interno (SANTA CATARINA, 2001a).

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O tema será mais bem focado adiante. Preliminarmente cabe assinalar que no dizer de Teixeira (1981) o termo Jurisprudência, para os romanos, designava não só conhecimento do direito, mas, também, do que era “justo ou injusto”. No Direito brasileiro e francês é a expressão da “prática dos Tribunais”. Para Reale (1981, p. 167) a jurisprudência é a "forma de

idéia de uniformidade, coesão de entendimento. Contudo, inexiste nos Tribunais de Contas pátrios a figura da súmula vinculante22. Afigurou- se, portanto, difícil – se não impossível – extrair-se um padrão decisório, um critério a priori aplicável a todos os 293 municípios catarinenses cujas contas são avaliadas pelo Tribunal de Contas do Estado.

Uma determinada interpretação conferida às normas do FUNDEF em um exercício23 não seria a mesma, necessariamente, considerada no próximo exercício. Da mesma forma, o entendimento aplicado às contas municipais pode não ser o mesmo conferido às contas do governo estadual. Entre as possibilidades de dissonância de tratamento entre as unidades submetidas à jurisdição do Tribunal de Contas podem ser elencadas a filiação partidária dos agentes políticos ou, ainda, os partidos aos quais os Conselheiros do Tribunal de Contas foram vinculados antes de sua nomeação.

Além disso – e também por isso – outros fatores podem integrar os “bastidores” de uma decisão processual, quais sejam, a capacidade de defesa da parte24, a capacidade de compreensão do processo e até mesmo a complexidade de um sistema jurídico ao qual o agente político deve atender no desempenho de suas funções. Será possível supor que a capacidade de interação no processo do Governo Estadual, por meio de suas Procuradorias e assessorias, seja a mesma de municípios recém-

revelação do direito que se processa através do exercício da jurisdição, em virtude de uma sucessão harmônica de decisões dos tribunais".

22 Súmula é um verbete que designa a interpretação jurídica pacífica e majoritária adotada por

um Tribunal, com o fito de promover a uniformidade entre as decisões. A súmula vinculante, de outro lado, é a jurisprudência que adquire força de lei. No Brasil, a súmula vinculante foi instituída pela Emenda Constitucional nº 45 (BRASIL, 2004a), que assim modificou o artigo 103-A da Constituição Federal: “O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.” Sublinhe-se que, por força da norma constitucional acima reproduzida, os Tribunais de Contas devem atender às súmulas vinculantes, assim como às demais normas jurídicas. É neste sentido que se afirma que inexiste nos Tribunais de Contas a figura de súmula com a força vinculante introduzida pela Emenda Constitucional nº 45 (BRASIL, 2004a).

23 Na definição de Plácido e Silva (1941) exercício é o período de tempo para o qual o

orçamento foi instituído, o qual, de acordo com o artigo 34 da Lei nº 4.320 (BRASIL, 1964), coincide com o ano civil.

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Embora a garantia à ampla defesa e ao contraditório sejam garantias constitucionais expressas no artigo 5, inciso LV, da Constituição Federal (BRASIL, 1988a), faticamente em se tratando de ramo de Direito que pressuponha alguma especialização há que se considerar os recursos da parte integrante do processo para contratar estes profissionais, por exemplo.

criados, distantes dos grandes centros e cuja economia ainda hoje é essencialmente rural? Queremos dizer aqui que a capacidade de produzir defesa, de se manifestar nos autos, em se tratando dos municípios mais pobres não pode ser comparada com a do governo do Estado que dispões de toda a estrutura e aparato jurídico-administrativo da Procuradoria Geral do Estado.

Com base nas indicações acima, optou-se por uma análise do Estado de Santa Catarina, do ponto de vista socioeconômico, segundo os parâmetros de população, indicadores de infraestrutura e de Fundo de Participação dos Municípios (FPM) per capita.

Na etapa preliminar da seleção aqui descrita, considerou-se a divisão geográfica do Estado de Santa Catarina em microrregiões, assim entendidas pelo conjunto de cidades contíguas a uma cidade pólo, quais sejam: Araranguá, Blumenau, Campos de Lages, Canoinhas, Chapecó, Concórdia, Criciúma, Curitibanos, Florianópolis, Itajaí, Ituporanga, Joaçaba, Joinville, Rio do Sul, São Bento do Sul, São Miguel do Oeste, Tabuleiro, Brusque, Tubarão, Xanxerê.

Nestas cidades pólo foi instalada uma Secretaria de Estado de Desenvolvimento Regional25 por meio das quais o governo estadual se faz politicamente presente. Estas regionais são, ainda, o "carro-chefe" da política de "descentralização" proposta pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) do governador Luiz Henrique da Silveira.

Em cada microrregião foram escolhidos mais três municípios, além das cidades pólo, à exceção da microrregião de São Bento do Sul, composta por três municípios e da microrregião de Chapecó, da qual, pelo grande número de municípios, foram escolhidos mais quatro municípios. Esta amostragem representa, aproximadamente, 13,66% do total de 293 municípios catarinenses.

A seleção dos três municípios por microrregião teve como referência os critérios mencionados de população (IBGE, 2000) – além da cidade pólo um município de maior contingente populacional –, de indicadores de infraestrutura (IBGE, 2000) – abastecimento de água e fornecimento de esgoto –, de renda per capita (IBGE, 2000) e, na

25 Criadas pelas Leis Complementares e Estaduais nº 243 (SANTA CATARINA, 2003a) e 284

sequência, extraiu-se deste último grupo os municípios que obtiveram maior receita do FPM per capita (IBGE, 2004).

Com estes dados pretendeu-se, também, obter um perfil sócio- econômico dos municípios cujos pareceres prévios são analisados, buscando-se a compreensão dos condicionantes que confluíram no processo de emissão do parecer prévio, para que fosse possível uma aproximação ao “movimento real”.

O FPM26 é uma das modalidades de transferências de recursos financeiros da União para os Municípios, estando previsto no art. 159, inciso I, alínea “b”, da Constituição Federal, que dispõe:

A União entregará:

I - do produto da arrecadação dos impostos sobre renda e proventos de qualquer natureza e sobre produtos industrializados, quarenta e sete por cento na seguinte forma:

a) [...];

b) vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento ao Fundo de Participação dos Municípios. O FPM tem por escopo a destinação de recursos aos municípios de menor contingente populacional, os quais, em sua maioria, são constituídos de comunidades essencialmente rurais. Destarte, se a economia local não é capaz de gerar outras fontes de receita de competência arrecadatória do município, logo, a maior fonte de receita destas pequenas municipalidades é, justamente, esta transferência de recursos da União. Tal transferência integrava a cesta de recursos que constituiria o FUNDEF na ordem de 15%, nos termos do artigo 1º, parágrafo 1º, inciso I, da Lei nº 9.424 (BRASIL, 1996b). Segundo Negri (1997) o FUNDEF, para alguns municípios, poderia significar grave perda de receitas. Este viés de análise, a ser retomado adiante, é bem

26 De acordo com o previsto no Código Tributário Nacional (CTN), Lei nºº 5.172 (BRASIL,

1966), do montante do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), 10% pertencem às Capitais; 86,4% são devidos aos Municípios do interior e o restante, 3,6%, constituem o Fundo de Reserva para distribuição entre os Municípios do interior com mais de 142.633 habitantes, na forma prevista pelo Decreto-Lei nº 1.881 (BRASIL, 1981) e pela Lei Complementar nº 91 (BRASIL, 1997b), art. 3º É competência do Tribunal de Contas da União o cálculo das quotas e a fixação dos coeficientes de participação de cada Município na distribuição de recursos do FPM, com base nas estimativas populacionais de cada Município brasileiro enviadas ao Tribunal pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) até o dia 31 de outubro de cada exercício e na renda per capita de cada Estado, que também é informada pelo IBGE.

desenvolvido por Esteves (2006), que tipifica esta distorção como um “comprometimento ao inverso de um mecanismo de transferência de verba”.

A esse respeito, outra importante correlação que pôde ser estabelecida, para a formulação de um perfil sócio-econômico dos municípios selecionados para a pesquisa, refere-se ao FPM per capita e aos indicadores de infraestrutura – abastecimento de água e esgoto. Observe-se mais atentamente, por exemplo, na microrregião de Xanxerê, os municípios de Lajeado Grande e de Xanxerê. Lajeado Grande perfez o primeiro lugar na classificação FPM per capita no Estado em 2000 (IBGE, 2000) – ou seja, naquele exercício era o município mais dependente do FPM do Estado –; no que tange aos índices de infraestrutura, no mesmo período (SANTA CATARINA, 2006a), perfez os escores na classificação Estadual: tem a 236º posição quanto ao abastecimento de água e 199º lugar no atendimento à necessidade de tratamento de esgoto. Xanxerê ocupa o 261º lugar na classificação FPM per capita no Estado em 2000 (IBGE, 2000), mas ostenta índices um pouco melhores de infraestrutura na classificação estadual do que Lajeado Grande, a saber: 58º em abastecimento de água e 151º lugar no tratamento de esgoto.

Confrontando-se um município de outra microrregião tome-se, por exemplo, Joinville, uma das economias mais prósperas do Estado, 293º município na auferição dos recursos do FPM, e que figura, no entanto, na 2º posição no abastecimento de água e tratamento de esgoto no Estado de Santa Catarina. Como se vê, Santa Catarina, o “sul- maravilha”, ostenta desigualdades interregionais e intrarregionais que implícita ou explicitamente se apresentaram nos pareceres prévios aqui analisados.

Considera-se que, se desigualdades sociais não podem ser suprimidas com a lei, sem a mudança efetiva de condições estruturais, estas não podem ser ocultadas pelos procedimentos, superadas pelas partes ou suprimidas no contexto burocrático do processo, ainda que pela vontade do julgador.