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Nosso estudo insere-se no campo das políticas públicas. Explica Azevedo (1997) que a investigação de políticas públicas ultrapassa os limites da sociologia e da ciência política, dado o seu caráter

interdisciplinar. Na seara educacional, sobretudo a partir dos anos noventa, embora seus estudos tenham como referência primeira a educação, são utilizados referenciais de outros campos do conhecimento, inclusive o direito. De mesma forma, para a construção de nosso conhecimento, procuramos distintas abordagens de nosso objeto de estudo. Para análise da legislação de regência do FUNDEF nos valemos de ferramentas da hermenêutica jurídica, contexto em que os subsídios de Bobbio (1988; 1999) e de Ferraz Júnior (1988; 1999) tiveram especial relevância. Para a compreensão do FUNDEF, a definição de seus conceitos, o alcance de sua execução, para o conhecimento dos seus impactos para a escola pública e para o pacto federativo e, ainda, para a apreensão da conjuntura em que o FUNDEF esteve inserto o campo educacional é, notadamente, a fonte privilegiada. Para Shiroma, Moraes e Evangelista (2002, p. 7) o termo política aparece articulado às funções de Estado e, por isso, designa um “conjunto de atividades que, de uma forma ou de outra, são imputadas ao Estado moderno capitalista ou dele emanam”. Por isso, abordar a educação como uma política social requer considerá-la no espaço mais amplo da ação estatal (AZEVEDO, 1997).

Assim, para compreendermos como se materializou a legislação de regência do FUNDEF como um instrumento de concreção – ainda que de forma fragmentada – do direito à educação, procuramos pensar o tema sob uma perspectiva materialista da história, significando-a no contexto das determinantes do capitalismo e da luta de classes. Isto significa, diz Frigotto (2006, p. 241), que se queremos ter uma compreensão dialética da realidade histórica,

[...] as dimensões econômicas, científicas, técnicas e políticas da educação se constroem de forma articulada por diferentes mediações e, por se darem numa sociedade de classes, se produzem dentro de contradições, conflitos, antagonismos e disputas.

Para inserir a pesquisa no campo da crítica, trabalhei com três dimensões teóricas propostas por Netto (1996): uma visão atenta do Estado e da sociedade civil, as indicações adequadas das determinações econômicas impostas às políticas sociais e a compreensão de seus limites. De fato, foi importante considerar o Estado em sua natureza de classe, de elemento garantidor da acumulação capitalista. Ainda que

estejamos descrevendo uma doutrina hegemônica propugnadora do Estado mínimo, estamos considerando o Estado máximo para o capital (PERONI, 2003).

Com Netto (1996) entendo as políticas sociais como um campo de tensões, seja na sua formulação, seja no campo da sua implementação. Shiroma, Moraes e Evangelista (2002, p. 8) não se arredam desta visão, enunciando os dois momentos em que dividimos este trabalho – o campo formal e o real de uma política pública – “o Estado, impossibilitado de superar contradições que são constitutivas da sociedade – e dele próprio, portanto – administra – as no plano formal, mantendo-as sob controle no plano real”.

Este pensamento nos deu valiosas indicações das possibilidades de realização dos direitos sociais constitucionalizados. Coutinho (2006) considera que este embate se dá em dois momentos principais: o pouco que conquistamos de direitos que asseguramos legalmente, impendem a luta das “classes trabalhadoras” e, quando estes direitos são legislados, a par dos direitos sociais, estes não se efetivam, não porque não existem recursos, mas pela ausência de um interesse público de nossos governantes.

As prioridades de Estado se voltam, hoje, ao chamado ajuste fiscal (COUTINHO, 2006, p. 165). O FUNDEF é um exemplo emblemático disso, tendo restado a alocação de recursos ao Ensino Fundamental, não se garante sequer o atendimento a este mínimo.

Ainda com Netto (1996) e Azevedo (1997) entendo que a avaliação de uma política social deve considerar o contexto de sua orientação macroeconômica. Por isso, procuramos compreender o momento da reestruturação capitalista em que se deram as reformas de Estado no Brasil dos anos noventa e, neste contexto, as reformas educacionais, em cujo bojo está o FUNDEF.

Adotamos como referencial a advertência de Azevedo (1997) de que outros elementos, outras particularidade locais se articulam ao referencial prescritivo de uma política. Destarte, para compreendermos as premissas que poderiam afluir no processo de interpretação e execução do FUNDEF estudamos a sua formulação, o seu processo legislativo, bem como o contexto jurídico-institucional do TCE/SC. Consideramos, também, que estas interrelações só podem ser apreendidas no âmbito da contradição, categoria relevante para o nosso trabalho.

Para Thompson (1981, p. 61) todo conhecimento histórico é provisório, “com muitos silêncios e impurezas”. Na ordem destes silêncios e impurezas, vimos, por exemplo, que o fato de determinado conselheiro julgador ter pertencido aos mesmos quadros partidários de determinado jurisdicionado não é suficiente para explicar o voto de aprovação das contas de uma gestão estadual, uma vez que em outros exercícios veremos as contas aprovadas, nas mesmas condições, também beneficiando partidos de oposição à antiga filiação do mesmo conselheiro. Os processos examinados não são suficientes para dar conta da totalidade, de todos os interesses que podem envolver uma aprovação de contas, além dos vínculos partidários: parentescos, compadrios, cargos, transferência de recursos, alianças e disputas entre órgãos integrantes do aparelho de Estado – Tribunal de Justiça, Ministério Público e o próprio Tribunal de Contas – por aumento de suas participações na receita do Estado, quando da aprovação da lei orçamentária anual. Mas entendemos possível identificar as forças que poderiam dar concreção à legislação do fundo ou obstaculizá-la e identificar a importância da educação em relação a outras proposições políticas abordadas nos pareceres prévios.