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Os pareceres prévios: a atuação do TCE/SC no dever ser

2.3 AS REGRAS EDITADAS

2.3.1 Os pareceres prévios: a atuação do TCE/SC no dever ser

É preciso distinguir que o Tribunal de Contas tem como atribuição julgar as contas – inciso II do artigo 71 da Constituição Federal (BRASIL, 1988a) – e, ainda, apreciar e emitir pareceres sobre as contas públicas – inciso I do artigo 71 da Constituição Federal (BRASIL, 1988a).

Na primeira atribuição, os administradores e os gestores públicos estão submetidos ao julgamento do Tribunal de Contas do Estado, que se ocupa dos atos de gestão, nos termos do artigo 59, inciso II, da Constituição Estadual (SANTA CATARINA, 1989). Em se tratando da segunda atribuição, as contas prestadas pelo Chefe do Poder Executivo são avaliadas para a emissão de parecer prévio do Tribunal de Contas do Estado e para o julgamento do Poder Legislativo – Câmara Municipal e Assembléia Legislativa do Estado – quando deve ser considerada a situação das finanças do Estado, atentando-se para a demonstração dos níveis de endividamento, o cumprimento do orçamento, dos planos de governo, dos programas governamentais, dos limites mínimos de gastos com a saúde, educação e gastos com pessoal.

Releva observar que o artigo 11 da Lei nº 9.424 (BRASIL, 1996b) apenas ratifica a competência do Tribunal de Contas para fiscalizar não só o cumprimento do artigo 212 da Constituição Federal, como o cumprimento das regras do FUNDEF. Estas despesas integram as contas prestadas anualmente pelo prefeito. É dever constitucional do Tribunal de Contas analisar a correta destinação dos recursos públicos, bem como a legalidade de toda e qualquer despesa realizada pelo Poder Público.

Todo administrador público tem o dever de prestar contas quanto à sua gestão, obrigação esta que decorre não só de determinações infraconstitucionais, mas de prescrições inscritas no texto constitucional – artigos 37, 70 a 75 da Constituição Federal em vigor (BRASIL, 1988a). A par das normas constitucionais, regem a matéria a lei nº 4.320 (BRASIL, 1964), a lei complementar nº 101 (BRASIL, 2000a). Além

disso, devem ser consideradas a Constituição Estadual (SANTA CATARINA, 1989), a lei complementar nº 202 (SANTA CATARINA, 2000a) e o Regimento Interno do TCE/SC (SANTA CATARINA, 2001a).

No caso do parecer prévio, são responsáveis os chefes do Poder Executivo: No caso do TCE/SC, o Governador do Estado e os Prefeitos. No que tange aos Estados e Distrito Federal a competência dos Tribunais de Contas para emitir o parecer prévio às contas dos Poderes Executivos encontra previsão no artigo 71, inciso I, da Constituição Federal (BRASIL, 1988a) que assim refere:

Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:

I - apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento [...].

Com fundamento neste dispositivo, por simetria52, é estabelecida a competência dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios por força do disposto no artigo 75 da Constituição Federal (BRASIL, 1988a).

Em razão disso, este comando constitucional é repetido pelo artigo 59, inciso I, da Constituição Estadual (SANTA CATARINA, 1989), circunscrevendo a competência do Tribunal de Contas do Estado para a emissão do parecer prévio acerca das contas anuais do Governador do Estado. O processamento da emissão do parecer prévio não exclui a concessão do contraditório53 ao Governador e Prefeitos nas formas previstas na Lei Orgânica do Tribunal – Lei Complementar nº 202 (SANTA CATARINA, 2000a) – e no Regimento Interno do

52 A Constituição Federal (BRASIL, 1988a) prevê, por meio do artigo 25, que “Os Estados

organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição”. É o princípio da simetria que harmoniza as constituições estaduais às regras da Constituição Federal.

53 Oportunidade de contradizer, de opor defesa, garantida a todo litigante nos processos

administrativos e judiciais, na forma preconizada pelo artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal (BRASIL, 1988a).

Tribunal de Contas – Resolução nº TC-06 (SANTA CATARINA, 2001a).

É importante falarmos um pouco sobre o controle externo, referido no artigo de lei acima transcrito. O controle externo da administração pública não compreende, apenas os tribunais de contas: há, também, o controle parlamentar direto, e o controle jurisdicional. Estamos nos reportando, portanto, aos órgãos externos que fiscalizam as ações da administração pública e o seu funcionamento. Como bem observa Justen Filho “O controle-fiscalização envolve, portanto, a verificação do exercício regular da competência atribuída pela lei” (JUSTEN FILHO, 2006, p. 86).

Quanto ao controle parlamentar direto este se constitui na competência constitucional do legislativo de fiscalizar e controlar os atos da administração pública; para isso o legislativo é auxiliado pelo Tribunal de Contas. No exercício desta competência cabe sustação de atos e contratos do executivo, a convocação de ministros e requerimentos de informações para possíveis investigações, o recebimento de petições, queixas e representações dos administrados e convocação de qualquer autoridade ou pessoa para depor, a possibilidade de criação das comissões parlamentares de inquérito, as autorizações ou aprovações do necessário para atos concretos do executivo, o julgamento das contas do executivo e a possibilidade de suspensão e destituição do Chefe do Poder Executivo. No que tange ao controle jurisdicional, este é exercido pelo Poder Judiciário e pode ser efetivado por uma série de medidas judiciais, a maioria prevista no texto constitucional, a exemplo do Habeas Corpus, o Mandado de Segurança, o Habeas Data, o Mandado de Injunção, a Ação Popular, a Ação Civil Pública e a Ação Direta de Inconstitucionalidade. Neste espaço o Ministério Público pode exercer uma ação relevante. Vigora entre nós o princípio da inércia do juiz, ou seja, o Poder judiciário só pode agir quando provocado. Por força do disposto nos artigos 129 e seguintes da Constituição Federal (BRASIL, 1988a) cabe ao Ministério Público a titularidade da ação penal, da ação civil pública para a tutela – ou seja, a defesa – dos interesses públicos, coletivos, sociais e difusos e da ação direta da inconstitucionalidade genérica e interventiva, nos termos da Constituição54.

54 O Ministério Público figura, ainda, no texto constitucional como: o garantidor do respeito

aos Poderes Públicos e aos serviços de relevância pública; defensor dos direitos e interesses das populações indígenas; pode intervir em procedimentos administrativos; controlador externo da

Neste ponto, é importante assinalar o que pode ser objeto de parecer prévio:

a) no que tange às contas estaduais, nos termos do artigo 47 da Lei Complementar nº 202 (SANTA CATARINA, 2000a), o Tribunal de Contas se ocupará da gestão orçamentária, patrimonial e financeira havida no exercício, devendo demonstrar se o Balanço Geral do Estado representa adequadamente a posição financeira, orçamentária e patrimonial do Estado em 31 de dezembro, bem como se as operações estão de acordo com os princípios fundamentais de contabilidade aplicados à administração pública, concluindo por recomendar a aprovação ou a rejeição das contas;

b) quanto aos municípios, assinala o artigo 53 Lei Complementar nº 202 (SANTA CATARINA, 2000a) que o parecer prévio deve apresentar a apreciação geral e fundamentada da gestão orçamentária, patrimonial e financeira havida no exercício, demonstrando se o Balanço Geral do Município representa adequadamente a posição financeira, orçamentária e patrimonial do Município em 31 de dezembro, bem como se as operações estão de acordo com os princípios fundamentais de contabilidade aplicados à administração pública municipal, concluindo por recomendar a aprovação ou a rejeição das contas. Neste caso o parecer prévio deve ser acompanhado de relatório que evidencie a observância às normas constitucionais, legais e regulamentares na execução dos orçamentos públicos municipais, o cumprimento dos programas previstos na Lei Orçamentária anual quanto à legalidade, legitimidade, economicidade e atingimento de metas, assim como a consonância dos mesmos com a Lei do Plano Plurianual e a Lei de Diretrizes Orçamentárias e, por fim, o reflexo da administração financeira e orçamentária municipal no desenvolvimento econômico e social do Município, de acordo com o disposto no parágrafo único do artigo 53 da Lei Complementar nº 202 (SANTA CATARINA, 2000a).

Cumpre reforçar que a emissão de parecer prévio pelo Tribunal de Contas envolve uma função opinativa e de assessoramento ao Poder Legislativo. Trata-se de uma apreciação técnico-jurídica. No caso dos municípios, o parágrafo 2º do artigo 31 dá uma valoração distinta para o parecer prévio emitido pelo Tribunal de Contas. Para os Municípios, ao contrário do previsto para o julgamento das contas dos demais entes da

atividade policial, na forma da lei complementar, podendo para tanto, inclusive, instaurar respectivo procedimento administrativo, quando necessário.

federação, a Constituição impõe uma condicionante, um quórum qualificado para a rejeição, pela Câmara Municipal, do parecer prévio emitido pelo tribunal de contas.

O artigo 31 da Constituição Federal em vigor (BRASIL, 1988a) assim determina:

A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei. § 1º O controle externo da Câmara Municipal será exercido com o auxílio dos Tribunais de Contas dos Estados ou do Município ou dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver. § 2º O parecer prévio, emitido pelo órgão competente sobre as contas que o Prefeito deve anualmente prestar, só deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal.

Note-se que o texto constitucional exige um quórum qualificado: 2/3 da composição do legislativo municipal e não 2/3 dos presentes à sessão do julgamento. Os juristas, ao analisarem esta distinção do constituinte, avaliam que esta medida teria considerado a realidade dos municípios brasileiros: pobres, frágeis institucional e culturalmente (MILESKI, 2003).

Estabelecidas estas diretrizes legais concernentes à nossa pesquisa, cabe ressaltar que a seleção do material objeto da presente pesquisa considerou, sobretudo, a potencialidade dos reflexos políticos do parecer prévio das contas anuais que subsidiará o julgamento pelos Poderes Legislativos, cuja decisão, ainda que vinculada a um parecer que deve ser técnico, tem, notadamente, cunho político. A competência dos tribunais contas para a emissão dos pareceres prévios é a primeira das competências a figurar no texto constitucional.

A Lei Complementar nº 101 (BRASIL, 2000a), artigo 48, arrola o parecer prévio na ordem de “instrumento de transparência fiscal", ao qual devera ser dada ampla publicidade. Vale citar o disposto no artigo 1º, inciso I, da Lei Complementar nº 64 (BRASIL, 1990) que arrola, entre as causas de inegibilidade, a rejeição das contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas "por irregularidade insanável e

por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se a questão houver sido ou estiver sendo submetida à apreciação do Poder Judiciário".

Isto posto, apresentamos no capítulo a seguir as contribuições extraídas do balanço da produção acadêmica.

3 O FUNDEF E OS TRIBUNAIS DE CONTAS NA PRODUÇÃO ACADÊMICA

Neste capítulo apresentamos um levantamento da produção acadêmica sobre os eixos temáticos de nossa pesquisa: o FUNDEF e os tribunais de contas. Objetivamos conhecer o que se registrou na produção acadêmica sobre a “vida e obra” do FUNDEF, ou seja, como a temática do FUNDEF, no período circunscrito para a sua vigência (1998 a 2006), foi discutida na produção acadêmica do período, evidenciando- se os temas que foram privilegiados para exame e, ainda, os que estiveram ausentes nos debates.

O mapeamento dos autores de referência da área possibilitou identificar em que campo do conhecimento nosso tema foi desenvolvido. Cabe aqui uma reflexão quanto à expressão “autores de referência”. A Doutrina, em direito, corresponde aos estudos jurídicos, aos trabalhos produzidos pelos autores de referência acerca de determinado tema jurídico. Para Martins (2002), o Direito Educacional, como ramo do direito, ainda não possui um corpo doutrinário, com análise e objeto bem definidos. Estudos específicos desta área podem ser identificados nos trabalhos de Ranieri (2009) e Joaquim (2006), e, mais recentemente, de Andrade (2010), entre poucos. Nestes trabalhos, o estudo do direito à educação surge como um dos itens do catálogo dos direitos fundamentais55.

De fato, não se constatou, por meio dos levantamentos bibliográficos realizados, obras que comportassem comentários jurídicos sistematizados56 da legislação educacional na área jurídica. Mas esta é uma realidade para o direito; na seara do pensamento educacional são profícuos – e relevantes – os estudos de política e de legislação educacional, sobretudo a partir das reformas deflagradas nos anos noventa.

55 Quando discutimos o direito à educação, discute-se a efetividade deste direito enquanto

expectativa ideal, a do acesso a algum bem ou valor educacional, como o disposto nos artigos 6º e 205 da Constituição Federal (BRASIL, 1988a). As condições postas para a efetividade deste direito, a forma pela qual este poderia se realizar têm regramento na legislação de regência do FUNDEF, por exemplo.

56 Martins (2001) e Boaventura (1996) explicam que a sistematização de um conhecimento

jurídico importa em identificar e classificar os princípios que regem suas normas jurídicas, bem como as relações sociais nas quais se desenvolvem, considerando-os como próprios de um determinado ramo de conhecimento jurídico. Assim estaríamos falando em direito do trabalho, direito da educação, direito processual, direito penal, entre outros.

Velloso, Wittmann e Gracindo (2001), ao realizarem um levantamento das pesquisas sobre o financiamento da educação no Brasil, no período de 1991 a 1997, observaram a exigüidade de estudos na área. Farenzena et al. (2006), alguns anos depois, encontram uma situação um pouco diferente, identificando um enfoque numericamente mais ampliado de pesquisas.

É fato que a discussão sobre o tema foi intensificada com a promulgação da Emenda Constitucional nº 14 (BRASIL, 1996a) que instituiu o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério. Souza e Faria (2005) também observam o incremento quantitativo de pesquisas sobre o financiamento da educação a partir dos anos 2000, quando os primeiros impactos do FUNDEF podiam ser avaliados.

Os resultados deste balanço bibliográfico se constituem em uma aproximação das duas dicotomias propostas neste trabalho: os pontos de ruptura e de intersecção da execução do FUNDEF com a legislação de regência relacionados à atuação dos Tribunais de Contas pátrios.

Para desempenhar a tarefa proposta estruturamos este capítulo em três seções: o mapeamento, o panorama e as considerações finais ao capítulo.