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CAPÍTULO 2 EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E O ENSINO DA

2.1 OS PRIMEIROS CURSOS DE FILOSOFIA NO BRASIL

A implantação da Filosofia no Brasil, segundo Marcos Nobre e Ricardo Terra (2007), teve seu início na década de 1930, considerando que a partir desse período houve a sistematização desse conhecimento na universidade. Portanto, a Filosofia acompanha a implantação da Universidade no Brasil.

Anterior a essa sistematização, a Filosofia era desenvolvida nas Faculdades católicas, nos centros religiosos e nas faculdades de direito. Daniel Pansarelli (2018), ao tratar sobre os dois paradigmas filosóficos no Brasil, identifica no modelo jesuíta o primeiro paradigma filosófico, cujo desenvolvimento não está desvinculado do sistema colonial presente no Brasil por mais de 4 séculos. Dessa forma, os primeiros cursos de Filosofia (ou ensino das Artes) são datados em 1572 na Bahia, em 1580 em Olinda

e em 1584 em São Paulo, guiados pelo Ratio Studiorum.

A unidade da educação jesuíta, inclusive da educação filosófica se dava em torno a um documento único, o RatioStudiorum. Tratava-se de uma espécie de coletânea de práticas educacionais consideradas bem-sucedidas pelos jesuítas, inicialmente reunindo experiências observadas em colégios europeus (versão compilada em 1551 por Geronimo Nadal), às quais foram acrescidas práticas experienciadas nos próprios colégios jesuítas (incluso o Colégio Romano, do qual o próprio Nadal foi reitor). Já em 1584, o documento começa ganhar força de modelo único, visando à uniformização da educação jesuíta no mundo. Assim, embora a versão definitiva do Ratio tenha se tornado lei jesuíta apenas em 1599, o documento já era o único referencial educacional da Companhia de Jesus desde o início da educação no Brasil (PANSARELLI, 2018, p. 167).

Segundo Pansarelli (2018), este modelo jesuíta permaneceu no Brasil entre 1572 e 1760 sendo o único modelo filosófico. Este modelo teve fim por meio da reforma educacional promovida por Marquês de Pombal, que retirou a exclusividade do ensino das Artes (Filosofia e Ciência) dos jesuítas, proibindo-os de ensinar e de permanecer no Brasil.

ruptura paradigmática, criou-se um “hiato filosófico”, onde não havia nenhum

referencial para a produção filosófica além do Ratio. Assim, “na ausência de outras

referências, ainda ecoava o Ratio, mas agora sem conexão com nenhum setor da sociedade brasileira” (PANSARELLI, 2018, p. 170).

Ainda em meados do século XIX, o movimento mais marcante foi a Escola de Recife, presente na Faculdade de Direito, onde buscou-se formar os estudantes a partir de referenciais filosóficos modernos. Essa escola teve grande influência no pensamento científico e cultural brasileiro.

[...] a Escola de Recife representou um passo importante no processo de modernização filosófica no Brasil, na medida em que vai acompanhando as nuances da própria produção filosófica europeia de sua época: dedica-se ao estudo e à difusão, no Brasil, do espiritualismo francês, da crítica alemã (sobretudo Kant), do positivismo comteano e do evolucionismo de Darwin e Spencer. De certo modo, trata-se do primeiro esforço significativo de sincronização entre os estudos da intelectualidade brasileira e da produção filosófica mais avançada daquela época (PANSARELLI, 2018, p.171).

Como evidenciado na citação acima, o processo de modernização filosófica no Brasil tem como base a filosofia europeia da época, dando voz aos pensamentos racistas que permeavam a Filosofia, curiosamente dentro do contexto de um Brasil multicultural.

O segundo paradigma filosófico no Brasil surge em 1930 com a instituição das universidades contemporâneas. Nobre e Terra (2007), afirmam que essa implantação da Filosofia nas universidades, durante as primeiras décadas, ocorreu regionalmente e com dinâmicas diferentes em cada região. Temos como exemplo, São Paulo que teve influência francesa, Rio Grande do Sul teve influência alemã, Rio de Janeiro e Minas Gerais tiveram influência francesa e alemã, sendo destacado que, inicialmente, não existia um padrão único.

O Brasil, durante o período de 1930 e 1980, apresentava o padrão de desenvolvimento conhecido por nacional-desenvolvimentismo, a Filosofia implantada nesse período, ainda segundo Nobre e Terra (2007, p. 17), era

[...] algo que parecia esdrúxulo - implantar a filosofia em um país agrário como era o Brasil, transpondo o padrão europeu para uma situação que não era real, ao mesmo tempo em que havia essa aura de algo inútil ou profundo e inalcançável - levou-nos, no final do processo, à criação de cursos de bom nível e a uma massificação significativa. Uma massificação muito maior do que seria de esperar nos cursos de filosofia, produzindo uma grande quantidade de graduados e pós-graduados, além do importante papel da filosofia na esfera pública (NOBRE; TERRA, 2007, p.18).

Somente a partir de 1970 fala-se num padrão nacional filosófico no Brasil. Ainda assim, as variadas manifestações regionais da filosofia tinham um objetivo em

comum, combater a filosofia ligada às faculdades de teologia e de direito, uma luta contra a “ladainha religiosa” e o bacharelismo.

Para se contrapor a esses adversários, a filosofia universitária no Brasil se apresentou com um discurso rigoroso, ou seja, um discurso conceitual, no qual as imagens e a fricção de imagens não podem ser utilizadas como recurso, não são consideradas recursos argumentativos válidos (NOBRE; TERRA, 2007, p. 22).

O combate à “ladainha religiosa” e ao bacharelismo aconteceria na medida em que se adotasse um discurso conceitual e descartasse outros recursos que não fossem o texto filosófico. Segundo Nobre e Terra (2007), não existia a ideia de que a filosofia estaria reduzida apenas em História da Filosofia, mesmo em São Paulo com o desenvolvimento da “análise estrutural do texto”, a pesquisa incluía um fazer filosófico. Dessa forma, havia o desejo de construir um discurso rigoroso que combatesse o que se produzia no Brasil até aquele momento como filosofia.

Apesar da implantação da filosofia iniciar com manifestações regionais, Pansarelli (2018) afirma que, com o primeiro governo Vargas, onde São Paulo foi colocado como modelo de desenvolvimento para o Brasil, impôs-se também o modelo filosófico paulista em todo país.

Outro fator importante para a consolidação desse segundo paradigma filosófico foi a estruturação sistemática da pós-graduação no país, em 1951 com a criação da CAPES (reguladora da formação de professores de nível superior e de pesquisadores) e em 1960 com a FAPESP (fomentando a pesquisa paulista com valores superiores ao que era fomentado ao restante do país).

Este segundo paradigma chamado “leitura estrutural da filosofia”, apresenta uma metodologia assentada na concepção de que filosofia é compreender um sistema filosófico, baseado na leitura e interpretação dos textos, entendendo leitura filosófica como leitura de textos filosóficos.

As pesquisas, para serem (supostamente) filosóficas, passaram a ser necessariamente pesquisas de textos concebidos por grandes filósofos da tradição, tornando raros, para não dizer inexistentes, os exercícios de leitura, pretensamente filosófica, de textos de outras naturezas (PANSARELLI, 2018, p. 174-175).

Aqui podemos utilizar como exemplo o professor citado na introdução desta dissertação, que afirmou não ser Filosofia o livro da filósofa africana Sobonfu Somé. Destaco ser por duas razões: a) o livro não foi escrito por um “filósofo da tradição”, ou seja, um europeu; e b) o sangue africano, supostamente determinado pela natureza como incapaz de desenvolver a racionalidade, tão essencial para a Filosofia, não seria

capaz de produzir um texto filosófico, mas sim, como ele mesmo disse, “mera” literatura (não filosófica). Consequentemente, na nossa prática docente, e nas discussões filosóficas que permeiam essa formação, comumente encontramos esforços para evidenciar a necessidade de trabalhar o texto dos filósofos em sala de aula, o único considerado como “texto filosófico”, deixando as outras ferramentas no campo da “sensibilização”.

Segundo Pansarelli (2018), com esse novo paradigma, a filosofia ficou em estado de sítio, isolada, não tendo relação com a realidade social brasileira, pois, os considerados grandes filósofos, autores dos textos filosóficos estudados, elaboraram suas obras considerando o contexto histórico-social europeu.

De tal sorte que, ainda que o filósofo brasileiro se dedique a um tema cuja reflexão é altamente demandada pela nossa realidade social, ele não constrói as necessárias relações entre a teoria estudada e a realidade vivenciada (PANSARELLI, 2018, p. 175).

Um exemplo dessa divergência entre teoria e realidade pode ser observado no currículo de licenciatura em Filosofia, fonte dessa pesquisa, como veremos no capítulo 3, onde a educação das relações étnico-raciais tem como base filósofos europeus, inclusive filósofos que desenvolveram pensamento racista - evidenciando mais uma vez o racismo epistêmico.

Destaco que o racismo, problema presente na sociedade brasileira, para ser trabalhado, necessita partir de bases epistemológicas que propiciem relações étnico-raciais positivas, assim como veremos a seguir.

2.2 EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: BASES