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EDUCAÇÃO E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: FORMAÇÃO DOCENTE EM CURSO DE FILOSOFIA DA UFMT

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

JENIFFER REGINA RODRIGUES DE LIMA

EDUCAÇÃO E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: FORMAÇÃO DOCENTE EM CURSO DE FILOSOFIA DA UFMT

CUIABÁ-MT 2020

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

JENIFFER REGINA RODRIGUES DE LIMA

EDUCAÇÃO E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: FORMAÇÃO DOCENTE EM CURSO DE FILOSOFIA DA UFMT

CUIABÁ-MT 2020

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JENIFFER REGINA RODRIGUES DE LIMA

EDUCAÇÃO E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: FORMAÇÃO DOCENTE EM CURSO DE FILOSOFIA DA UFMT

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso como requisito para a obtenção do título de Mestre em Educação na Área de Concentração Educação, Linha de Pesquisa Movimentos Sociais, Política e Educação Popular.

Orientadora: Profa. Dra. Candida Soares da Costa

Cuiabá-MT 2020

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congressos, companheiro da vida. Quando você ler esta dissertação futuramente saberá que foi a minha grande inspiração.

Ao meu companheiro Vicente Tchalian, pelo amor, apoio e compreensão.

À minha orientadora, Profa. Dra. Candida Soares da Costa, que confiou em mim e me orientou sabiamente, possibilitando o melhor desenvolvimento da pesquisa.

Aos professores Dr. Sérgio Pereira dos Santos, Dr. Alécio Donizete da Silva e Dra.

Maria Aparecida Rezende pelas valiosas contribuições nas bancas de qualificação e defesa.

Aos meus familiares que se fizeram presente em vários momentos, me dando apoio.

Minha mãe/avó Evanil Auta Rodrigues de Lima, meu avó Eutálio de Castro Lima, minha mãe Ana Claudia Rodrigues de Lima, meu pai Oliveira Bom Despacho da Silva, meus irmãos Gabriel Lucas Rodrigues da Silva, Daniel Rodrigues de Lima e Vitor Lucas Rodrigues da Silva, meus tios Edilmar Rodrigues de Lima, Gilmar Rodrigues de Lima, Elienai Regina Rodrigues de Lima, Guilherme Dias, Marcio Getúlio, Uirton Juvelino, Marina Jovelina, minhas cunhadas Hélia do Rosário Neves e Vanusa Alves Veiga, minhas sobrinhas Kamila Jovelina e Lais Regina, meus sobrinhos Juan Winícius, Renan Rosário, Igor Henrique, Caio Henrique e Heitor Henrique. Que esta pesquisa inspire vocês.

Aos meus amigos pela conversa, apoio e compreensão.

Ao programa de Pós Graduação em Educação (PPGE) da UFMT, campus Cuiabá, e ao Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Relações Raciais e Educação (NEPRE). Em especial às mulheres do NEPRE que tanto contribuíram para a minha aceitação como mulher negra.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela concessão da bolsa de Mestrado.

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A filosofia tradicionalmente praticada no Brasil é um capítulo acadêmico da forma mentis dessa ideologia mercantil- colonialista, sensível apenas aos valores da acumulação econômica como um fim em si mesmo ou ao progresso a qualquer preço. Por isso, no empenho político de uma descolonização ao mesmo tempo ética e epistêmica, é politicamente relevante dar à luz “filosofias” insuspeitadas e a salvo da violência dogmática, ou seja, desconstruir o vocabulário hegemônico em seu próprio arcabouço conceitual para revelar novas perspectivas éticas e ontológicas, inclusive para o próprio conceito de “humano” e, consequentemente, para as disciplinas acadêmicas que se classificam pela etiqueta pluralista de

“humanidades” (SODRÉ, 2017, p. 15).

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de Mato Grosso, Cuiabá, 2020.

RESUMO

Esta dissertação intitulada “Educação e relações étnico-raciais: formação docente em curso de filosofia da UFMT” está vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE), na Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT (Campus Cuiabá), na linha de pesquisa “Movimentos Sociais, Política e Educação Popular”.

Esta pesquisa, fomentada pela CAPES, foi desenvolvida no âmbito do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Relações Raciais e Educação – NEPRE, sob a orientação da Profa. Dra. Candida Soares da Costa. O objeto desta pesquisa é a Formação Docente em Filosofia no contexto das Relações Étnico-raciais, e, para tal, optou-se pela análise do Projeto Político-Pedagógico do Curso (PPC) como fonte de pesquisa.

Trata-se, portanto, de uma pesquisa bibliográfica (SEVERINO, 2007; GIL, 2010) e documental (TOLEDO; GONZAGA, 2011) com abordagem qualitativa (MINAYO, 2001; GIL, 2010), utilizando como técnica de coleta de dados o diário de campo (ARAÚJO, 2013) e a análise de conteúdo (GODOY, 1995; MINAYO, 2007). Os dados produzidos a partir do PPC buscam compreender, através do currículo, de que forma se contempla a educação das relações étnico-raciais, quais as bases epistemológicas e quais os quadros de referência sobre diversidade humana nele apresentado, ou seja, quem são os filósofos estudados nas disciplinas. Durante um percurso pela Filosofia Iluminista e o discurso filosófico construído a respeito do africano nesse período, que os destituía de humanidade e racionalidade, foi possível compreender que este mesmo discurso teve por consequência a negação epistêmica africana e a consolidação da Filosofia Europeia como universal. O racismo epistêmico presente na história da filosofia se reflete nos currículos de formação, seja em nível básico ou superior, mesmo após a lei 10.639/03 que torna obrigatório o ensino da História e Cultura Afro-brasileira e Africana nos currículos escolares, tornando necessária também a reflexão sobre a formação de professores. Em 2013, o PPC de Licenciatura em Filosofia sofreu alterações, sendo uma delas a adequação do currículo às Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações Étnico-Raciais, afirmando desenvolver disciplinas que abordam o tema, dentre elas, Ética, Filosofia da ciência, Filosofia e educação e Seminário de prática de ensino. Após a análise, o PPC revelou que, mesmo afirmando ter adequado o currículo para a educação das relações étnico- raciais, o mesmo segue eurocêntrico, ignorando o pensamento africano e a sua contribuição para a História da Filosofia.

Palavras-chave: Educação, Filosofia, Racismo epistêmico, Relações Étnico- Raciais.

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de Educación, Universidad Federal de Mato Grosso, Cuiabá, 2020.

RESUMEN

Esta disertación, titulada "Educación y relaciones étnico-raciales: formación de profesores en el curso de filosofía de la UFMT" está vinculada al Programa de Posgrado en Educación (PPGE), en la Universidad Federal de Mato Grosso - UFMT (Campus Cuiabá), en la línea de investigación "Movimientos sociales, política y educación popular". Esta investigación, patrocinada por el CAPES, se desarrolló dentro del Núcleo de Estudios e Investigaciones sobre Relaciones Raciales y Educación - NEPRE, bajo la orientación de la Profesora Cándida Soares da Costa. El objeto de esta investigación es la Formación del Profesorado en Filosofía en el contexto de las Relaciones Étnico-Raciales, para lo cual se eligió como fuente de investigación el análisis del Proyecto Político-Pedagógico del Curso (PPC). Se trata, por lo tanto, de una investigación bibliográfica (SEVERINO, 2007; GIL, 2010) y documental (TOLEDO; GONZAGA, 2011) con un enfoque cualitativo (MINAYO, 2001;

GIL, 2010), utilizando como técnica de recopilación de datos el diario de campo (ARAÚJO, 2013) y el análisis de contenido (GODOY, 1995; MINAYO, 2007). Los datos producidos a partir del PPC buscan comprender, a través del currículum, cómo se contempla la educación de las relaciones étnico-raciales, cuáles son las bases epistemológicas y cuáles son los marcos de referencia sobre la diversidad humana que se presentan en él, es decir, quiénes son los filósofos estudiados en las disciplinas. Durante un viaje a través de la filosofía de la Ilustración y el discurso filosófico construido sobre los africanos en ese período, que los privó de humanidad y racionalidad, fue posible comprender que ese mismo discurso dio lugar a la negación epistémica africana y a la consolidación de la filosofía europea como universal. El racismo epistémico presente en la historia de la filosofía se refleja en los programas de formación, ya sea en los niveles básicos o superiores, incluso después de la ley 10.639/03 que hace obligatoria la enseñanza de la Historia y la Cultura Afrobrasileña y Africana en los programas escolares, lo que obliga a reflexionar también sobre la formación de los profesores. En 2013, el PPC de la Licenciatura en Filosofía sufrió cambios, uno de ellos fue la adaptación del currículo a las Directrices Curriculares para la Educación de las Relaciones Étnico-Raciales, afirmando desarrollar disciplinas que aborden el tema, entre ellas, la Ética, la Filosofía de la Ciencia, la Filosofía y la Educación y el Seminario de práctica docente. Después del análisis, el PPC reveló que, aunque afirma tener un plan de estudios adecuado para la educación de las relaciones étnico-raciales, sigue el eurocentrismo, ignorando el pensamiento africano y su contribución a la Historia de la Filosofía.

Palabras clave: Educación, Filosofía, Racismo epistémico, Relaciones étnico- raciales.

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Grosso, Cuiabá, 2020.

ABSTRACT

This dissertation entitled “Education and ethnic-racial relations: teacher training in a philosophy course at UFMT” is linked to the Postgraduate Program in Education (PPGE), at the Federal University of Mato Grosso - UFMT (Campus Cuiabá), in line with research “Social Movements, Politics and Popular Education”. This research, promoted by CAPES, was developed within the scope of the Center for Studies and Research on Race Relations and Education - NEPRE, under the guidance of Professor Dr. Candida Soares da Costa. The object of this research is the Teacher Education in Philosophy in the context of Ethnic-Racial Relations, and, for this, it was decided to analyze the Political-Pedagogical Project of the Course (PPC) as a research source. It is, therefore, a bibliographic (SEVERINO, 2007; GIL, 2010) and documentary (TOLEDO; GONZAGA, 2011) research with a qualitative approach (MINAYO, 2001;

GIL, 2010), using the diary as a technique of data collection fieldwork (ARAÚJO, 2013) and content analysis (GODOY, 1995; MINAYO, 2007). The data produced from the PPC seek to understand, through the curriculum, how the education of ethnic-racial relations is contemplated, which are the epistemological bases and which are the frames of reference on human diversity presented in it, that is, who are the philosophers studied in the disciplines. During a journey through Enlightenment Philosophy and the philosophical discourse built about the African in that period, which deprived them of humanity and rationality, it was possible to understand that this same discourse had the consequence of African epistemic denial and the consolidation of European Philosophy as universal. The epistemic racism present in the history of philosophy is reflected in the training curricula, whether at a basic or higher level, even after Law 10.639 / 03 which makes the teaching of Afro-Brazilian and African History and Culture mandatory in school curricula, making it also necessary reflection on teacher education. In 2013, the PPC for a Degree in Philosophy underwent changes, one of which was the adaptation of the curriculum to the Curriculum Guidelines for the Education of Ethnic-Racial Relations, claiming to develop disciplines that address the theme, among them, Ethics, Philosophy of Science, Philosophy and education and teaching practice seminar. After the analysis, the PPC revealed that, even claiming to have an adequate curriculum for the education of ethnic-racial relations, it remains Eurocentric, ignoring African thought and its contribution to the History of Philosophy.

Keyword: Education, Philosophy, Epistemic racism, Ethnic-Racial Relations.

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CAPÍTULO 1 RACISMO EPISTÊMICO: RAÇA, RACISMO E REALIDADE SOCIAL

NO CAMPO FILOSÓFICO ... 20

1.1 FILOSOFIA ILUMINISTA E A VALORIZAÇÃO DA RAZÃO ... 20

1.2 A RAZÃO CIENTÍFICA-UNIVERSAL ... 24

1.3 RACIALIZAÇÃO DA HUMANIDADE... 26

1.4 DISCURSOS FILOSÓFICOS E A DESTITUIÇÃO DO NEGRO DO ESTATUTO DE HUMANIDADE ... 28

1.5 CONSTRUÇÃO SOCIAL DE REALIDADES: TEORIAS RACIAIS DO SÉCULO XIX E SUAS CONSEQUÊNCIAS NA ATUALIDADE ... 34

1.6 EPISTEMICÍDIO ... 42

CAPÍTULO 2 EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E O ENSINO DA FILOSOFIA: A FORMAÇÃO DOCENTE NA CONTEMPORANEIDADE ... 45

2.1 OS PRIMEIROS CURSOS DE FILOSOFIA NO BRASIL ... 45

2.2 EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: BASES EPISTEMOLÓGICAS, PRINCÍPIOS E FINALIDADES ... 48

2.3 QUADROS DE REFERÊNCIA SOBRE DIVERSIDADE HUMANA EM CURRÍCULO DE FORMAÇÃO DOCENTE EM FILOSOFIA ... 52

2.4 UBUNTU: FORMAÇÃO DOCENTE E ENSINO DE FILOSOFIA ANTIRRACISTA ... 53

CAPÍTULO 3 ANÁLISE DO PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO DO CURSO DE GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA, LICENCIATURA ... 59

3.1 PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO ... 60

3.2 DADOS DO CURSO ... 61

3.3 “A BOA FORMAÇÃO FILOSÓFICA”... 65

3.4 PERFIL DOS FORMANDOS ... 72

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 75

REFERÊNCIAS ... 78

ANEXO ... 83

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INTRODUÇÃO

Esta dissertação tem como objeto de pesquisa a formação docente em filosofia da Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT, com enfoque na educação das relações étnico-raciais.

Diante do cenário atual brasileiro onde a Filosofia e a Sociologia são colocadas em descrédito, seja por parte do governo ou da sociedade civil, no contexto escolar, foi jogada na caixinha da inutilidade por grande parte dos alunos e de gerenciadores escolares. Pensar a formação docente em filosofia é também um ato de resistência.

Lembrando Asante (2009), o processo de indagação dessa pesquisa passa pela ideia de conscientização da agência dos povos africanos e de uma reorientação para os fatos presentes na História da Filosofia e na formação docente em Filosofia.

Não apenas a indagação da pesquisa, mas também meu processo de desenvolvimento enquanto pesquisadora negra passa pela conscientização. Sou professora de Filosofia formada pela Universidade Federal de Mato Grosso, campus Cuiabá, e minha formação, inicialmente, não me trazia desconforto em relação aos filósofos que eram estudados nas disciplinas. A Filosofia pensada por eles, estruturada em conceitos universais, seria capaz de responder todos os questionamentos existentes.

Quero dar ênfase ao fato de que, para nós, estudantes, a Filosofia estava dada, pronta, não sendo necessário questionar sobre ela, pois, aqueles filósofos já haviam questionado e a resposta estaria ali. Mas quem eram esses filósofos? Apesar de nenhum professor esconder a nacionalidade deles, parece que “naturalmente” eram eles os únicos capazes de filosofar. Curiosamente, mesmo a filosofia possuindo os instrumentos para questionar, não questiona o próprio racismo epistêmico que, como veremos no primeiro capítulo, trata-se da negação da capacidade epistemológica africana e também a negação de sua humanidade.

Meu primeiro estranhamento na graduação veio através do meu ingresso ao Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) e, dentro do projeto, o contato com a Filosofia da Libertação1. O PIBID Filosofia veio por se tornar uma das experiências mais significativas que me despertaram o olhar para a existência de

1 A Filosofia da libertação é um movimento filosófico surgido na América Latina entre os anos 1960 e 1970, tendo como um dos principais autores o filósofo argentino-mexicano Enrique Dussel. Fruto da teologia da libertação e da pedagogia do oprimido, a Filosofia da Libertação defende a existência da filosofia latino-americana e os filósofos latino-americanos propõem soluções para problemas que fazem parte do continente.

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outras Filosofias.

No PIBID, fomos encorajados a participar de eventos que abriram o leque de indagações no pensamento filosófico. Também tínhamos grupos de estudos e desenvolvimento de projetos que tinham como objetivo estudar outras margens da Filosofia, que não era exclusivamente europeia ou estadunidense.

Partindo dessa perspectiva, comecei indagar o currículo de formação e pesquisar sobre outras Filosofias e o texto que me marcou no desenvolvimento dessas pesquisas foi “Sobre a Legitimidade e o Estudo da Filosofia Africana” de Mogobe Ramose (2011).

Mogobe Ramose (2011) questiona a desconfiança a respeito da existência da Filosofia Africana, pelo fato de que essa mesma dúvida não ocorre quando se fala sobre a filosofia ocidental. O autor argumenta que esta incerteza acerca da existência de uma filosofia africana é também uma dúvida a respeito de sua humanidade, do seu estatuto ontológico, fruto do silenciamento violento provocado pelo colonialismo.

Outro marco significativo na minha trajetória foi a participação no Encontro Nacional dos Estudantes de Filosofia (ENEFIL), que tinha, inclusive, em sua comissão organizadora, membros do PIBID Filosofia. O tema do evento foi “Reflexões acerca da importância da Filosofia nos rincões do Brasil”.

Foi no ENEFIL, na palestra do Prof. Dr. Renato Noguera (UFRRJ), que tive contato com a filósofa pesquisada no meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) em 2017, Sobonfu Somé. Nessa palestra, Noguera falou sobre o livro escrito por Somé,

“O espírito da intimidade”, dando foco ao tema do amor. Minha pesquisa na graduação, orientada pelo Prof. Dr. Alécio Donizete, foi pelo mesmo viés que a palestra proferida por Renato Noguera, pensei o amor a partir de uma perspectiva africana.

Ao apresentar meu projeto de pesquisa intitulado “O amor segundo Sobonfu Somé em O espírito da intimidade” fui questionada pelo professor da disciplina de Prática de Pesquisa em Filosofia I se seria realmente filosofia. Para ele, não passava de “mera” literatura. Respondi ao professor que sim, era uma filósofa, seu livro era de filosofia e o tema escolhido por mim (amor), por si só já era filosófico. A dúvida apresentada pelo professor corrobora a fala de Ramose (2011) ao tratar sobre a incerteza (ou resistência) a respeito da veracidade ou autenticidade da Filosofia Africana.

De fato, minha formação enquanto professora de Filosofia teve como base

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epistemológica filósofos majoritariamente europeus e (alguns) estadunidenses, dando ênfase à História da filosofia e aos discursos filosóficos acerca do conhecimento e do método correto para se chegar até ele. Tudo levando em consideração a

“neutralidade” desses pensamentos e a necessidade de expansão dos mesmos para qualquer realidade social e problemas enfrentados cotidianamente.

Após concluir o curso de Licenciatura em Filosofia em 2017, tive o desejo de ingressar na pós-graduação e continuar minha pesquisa. Meu objetivo era encontrar um espaço em que eu pudesse pesquisar a Filosofia em outra perspectiva. Assim, optei por participar do processo seletivo do Programa de Pós-Graduação em Educação, na linha de pesquisa Movimentos Sociais, Política e Educação Popular, com o objetivo de fazer parte do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Relações Raciais e Educação (NEPRE).

Fui aprovada em 2017 no processo seletivo do Mestrado em Educação e hoje faço parte do NEPRE, sob a orientação da Profa. Dra. Candida Soares da Costa. O título do projeto de pesquisa que foi apresentado e com o qual eu ingressei na pós- graduação foi “O problema do ensino de Filosofia Africana no Brasil”, projeto que passou por reelaboração por estar muito amplo e sem definição de seu objeto de pesquisa.

A própria confusão do projeto inicial refletia também a confusão em mim, em nível acadêmico e pessoal. Lembro da minha orientadora me dizendo que eu precisava buscar na filosofia algo que me movesse, considerando como estrutura o seguinte tripé: Educação, Filosofia e Relações Raciais. Após o desenvolvimento da pesquisa consideramos que este tripé é perpassado pelo racismo epistêmico.

Passei a refletir sobre as bases epistemológicas de minha formação, considerando os discursos dos filósofos modernos Immanuel Kant, David Hume e George Wilhelm Friedrich Hegel que retratavam o negro cheio de estereótipos, como inferiores, sub-humanos, sem racionalidade, “aistóricos” e sem capacidade epistemológica, em relação aos brancos. Diante disso, o conceito que se destacou foi o de humanidade, ou ainda, a negação dela para todos os outros povos que não fossem europeus. Pensar sobre o conceito de humanidade na pesquisa me fez perceber minha própria humanidade (negada) e minha auto aceitação, pois foi já na pós-graduação, no desenrolar da minha pesquisa e no contato com as mulheres do NEPRE que me reconheci e me afirmei como mulher negra. Apesar das pesquisas que desenvolvi durante a graduação e do esforço por sempre trabalhar com filósofos

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africanos, parecia estar falando de um outro, que não era eu. Jamais havia me declarado como mulher negra.

Após leituras e orientações, chegamos à presente pesquisa, pensando no tripé Educação, Filosofia e Relações Raciais, o problema que se apresenta é: como o curso de Filosofia da UFMT prepara o docente para atuar em sala de aula em consonância com a educação das relações étnico-raciais?

Esta pesquisa se configura no estudo das relações étnico-raciais no contexto da formação docente em filosofia, buscando problematizar o currículo que fundamenta o curso, questionando suas bases epistemológicas e os quadros de referência sobre diversidade humana nele apresentado.

O campo desta pesquisa, o curso de Filosofia da Universidade Federal de Mato Grosso, foi instituído através da Resolução CD nº 68/69 de 13 de agosto de 1999 e teve sua primeira estrutura curricular homologada por meio da Resolução CONSEPE nº 04, de 20 de janeiro de 2000. O primeiro Projeto Político-Pedagógico do curso de Licenciatura sofreu alterações em 2013 através da RESOLUÇÃO CONSEPE nº 05 de 04 de fevereiro, permanecendo em vigência até os dias atuais, se constituindo na fonte da pesquisa. Trata-se, portanto, de uma pesquisa bibliográfica e documental, com abordagem qualitativa.

Segundo Minayo (2001), a pesquisa qualitativa pode ser aplicada ao estudo da história, das relações, das crenças, das representações, das percepções e das opiniões, fruto de interpretações humanas do meio onde vivem, constroem artefatos e constroem a si mesmos.

Gil (2010) aponta que as pesquisas qualitativas apresentam um conjunto de categorias que podem, geralmente, ser reexaminadas e modificadas, objetivando ideais mais abrangentes e significativas.

Sobre a pesquisa bibliográfica e documental, realiza-se através de registros de pesquisas já disponíveis e documentos impressos, sejam livros, artigos, teses (SEVERINO, 2007). Segundo Gil (2010), em várias situações apenas é possível conhecer os fatos passados através da pesquisa bibliográfica.

A pesquisa bibliográfica estabelece pontos de semelhança com a pesquisa documental “posto que nas duas modalidades utilizam-se dados já existentes” (GIL, 2010, p. 30), mas a principal diferença entre as duas seria a natureza da fonte, sendo a pesquisa bibliográfica fundamentada em material elaborado para leitores específicos (por exemplo, no caso desta pesquisa, leitores de Filosofia), enquanto a pesquisa

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documental fundamenta-se de diversos tipos de documentos elaborados para diversas finalidades (GIL, 2010).

Se tratando a fonte da pesquisa documental o currículo de licenciatura em Filosofia, entende-se, segundo Silva (2005) que o mesmo faz parte de uma cuidadosa seleção de resultados educacionais, que revela em seu interior as relações de poder.

O currículo é sempre o resultado de uma seleção: de um universo mais amplo de conhecimentos e saberes seleciona-se aquela parte que vai constituir, precisamente, o currículo. As teorias do currículo, tendo decidido quais conhecimentos devem ser selecionados, busca justificar por que “esses conhecimentos” e não “aqueles” devem ser selecionados (SILVA, 2005, p.

15).

Este currículo tradicional ou explícito, considerado a partir das elaborações de objetivos definidamente explícitos e organizados pela escola, pretende desenvolver o estudante considerando determinadas questões políticas e sociais. Dentro da dinâmica educacional, encontramos também a presença do currículo oculto, que se apresenta dentro e fora da sala de aula. O currículo oculto não aparece de forma explícita no currículo tradicional, mas sua dinâmica envolve valores implicitamente ensinados que se desenvolvem através das relações e da configuração da escola.

Pensando a complexidade de um currículo, para a coleta de dados foram utilizados como instrumentos a análise de conteúdo e o diário de campo, sempre levando em consideração sua maior efetivação e aprofundamento da pesquisa.

Segundo Godoy (1995), a análise de conteúdo trabalha com a perspectiva de que atrás do discurso aparente existe outro discurso que é necessário desvendar. A partir dessa análise, o pesquisador procura compreender quais estruturas e significados escondem-se atrás dos fragmentos considerados.

Godoy (1995) aponta que a análise de conteúdo compreende três fases fundamentais: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados.

Compreendendo estas três fases, a primeira, pré-análise, consiste na organização, onde são feitos esquemas precisos de trabalho, definindo os procedimentos ainda flexíveis. Trata-se, portanto, do primeiro contato com os documentos que serão analisados.

[...] o exame inicial da documentação que nos permitirá definir, com mais acuidade, quais documentos são mais promissores para se analisar esse problema, quais os objetivos da pesquisa, algumas hipóteses provisórias, assim como a especificação do campo no qual deveremos fixar nossa atenção (GODOY, 1995, p. 24).

A segunda fase, exploração do material, precisa ser iniciada após a fase de

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pré-análise, pois, a partir da orientação através das hipóteses, dos referenciais teóricos e da definição dos procedimentos a serem seguidos, é possível fazer o que é próprio dessa fase: o cumprimento das decisões que foram tomadas anteriormente.

[...] caberá agora ao pesquisador ler os documentos selecionados, adotando, nesta fase, procedimentos de codificação, classificação e categorização.

Supondo que a unidade de codificação escolhida tenha sido a palavra, o próximo passo será classifica-las em blocos que expressem determinadas categorias, que confirmam ou modificam aquelas presentes nas hipóteses e referenciais teóricos inicialmente propostos (GODOY, 1995, p. 24).

Ao adentrar na terceira fase, tratamento dos resultados, que se refere ao processo propriamente dito de análise, também chamado de tratamento dos resultados e interpretação, apoia-se nos resultados brutos alcançados pela pesquisadora, cabendo a ela transformá-los em resultados significativos e válidos para a pesquisa.

Sobre a outra técnica de coleta de dados, o diário de campo, segundo Araújo (2013) é utilizado amplamente como estratégia metodológica em estudos qualitativos e abrange

registro das conversas informais, observações de campo e manifestações dos interlocutores quanto aos vários pontos investigados e, ainda, as impressões pessoais do pesquisador, que podem se modificar com o decorrer do tempo” (ARAUJO et al, 2013, p. 2501).

Foi nesse sentido último que o diário de campo foi utilizado, buscando sistematizar os conteúdos estudados, assim como anotação das impressões e das felizes descobertas durante a pesquisa. Partindo desses instrumentos e do referencial teórico-metodológico descrito, foi delineado um percurso que buscou construir esta pesquisa.

O primeiro deles foi compreender qual o papel da Filosofia para a fundamentação do racismo. A partir disso, chegamos ao pensamento racista presente na História da Filosofia hegemônica, destacando as falas dos filósofos Kant, Hume e Hegel, buscando compreender como o conceito de raça se apresentava em suas obras para perceber o que se falava sobre os negros. Após esta pesquisa, foi possível compreender uma das consequências da construção filosófica iluminista a respeito dos negros, a negação da humanidade e capacidade epistêmica, usados como base para o desenvolvimento das teorias raciais no século XIX e construção de identidade nacional em diversas sociedades, inclusive o Brasil. Ao evidenciar o racismo epistêmico, buscou-se problematizar as bases epistemológicas que fundamentam o curso de Filosofia, visto que esses filósofos estão presentes nos currículos de

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formação.

Em seguida, foi feita a análise do Projeto Político-Pedagógico do curso de Licenciatura em Filosofia da UFMT. As informações buscadas no currículo compreendem a fundamentação do curso, bases epistemológicas, habilidades e competências que devem adquirir ou desenvolver o formando, de que forma o currículo destaca o compromisso com a educação das relações étnico-raciais e quais as disciplinas e filósofos estudados durante o curso. Consideramos que a partir dessas informações foi possível compreender como está fundamentada a formação docente em Filosofia pela UFMT.

Por último, foram analisados os dados a partir do Projeto Político- Pedagógico do Curso de Licenciatura em Filosofia. O percurso da análise de conteúdo desenvolvido durante a pesquisa possibilitou a compreensão dos dados produzidos e sua problematização. Assim, após as leituras e produção dos dados, destacamos a presença do racismo epistêmico no currículo de formação docente.

A relevância da pesquisa se relaciona a alguns fatos que fazem parte do contexto histórico-social brasileiro. O primeiro deles é a relação do Brasil com todo contexto de desenvolvimento europeu, visto que o país é fruto do colonialismo. A elite brasileira importou grande parte do pensamento filosófico e científico desenvolvido na Europa, um exemplo disso são as teorias racialistas e sua recepção no Brasil que, com uma elite atormentada pela necessidade de uma identidade nacional e progresso do país, importou e adaptou as teorias ao nosso contexto social.

Visto dessa forma, o processo de desenvolvimento do país tem em sua estrutura o racismo. Após grande luta do movimento negro, com vistas de afirmação positiva, valorização e reconhecimento da cultura africana e afrobrasileira para a formação e desenvolvimento do país, foi sancionada em 2003 a lei 10.639 que tornou obrigatório o ensino da história e cultura afrobrasileira e africana em todo currículo escolar das escolas das redes públicas e particulares.

Sabendo que a Filosofia teve um papel muito importante na consolidação do racismo e sendo ela uma disciplina que faz parte do currículo escolar brasileiro, para cumprir a lei 10.639 de 2003, é necessário pensar também a formação docente e de que forma esses professores estão sendo preparados para atuar na escola em consonância com a educação das relações étnico- raciais.

A dissertação intitulada “Educação e Relações Étnico-Raciais: Formação Docente em Curso de Filosofia da UFMT” encontra-se dividida em três capítulos.

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Capítulo 1 “Racismo Epistêmico: raça, racismo e realidade social no campo filosófico”, Capítulo 2 “Educação das relações étnico-raciais e o ensino da filosofia: a formação docente na contemporaneidade”, Capítulo 3 “Análise do Projeto Político-Pedagógico do Curso de Filosofia, licenciatura.

No capítulo 1 apresenta-se o contexto da filosofia na modernidade, destacando as características do período iluminista e o pensamento filosófico em relação aos negros (que os destituía do estatuto de humanidade); a influência do desenvolvimento científico seja em questões metodológicas ou conceituais, ou seja, a expansão do método do conhecimento científico como o único válido e a transferência de conceitos das ciências naturais para as ciências sociais, “raça” é um exemplo; o surgimento das escolas de teorias racialistas, amparadas no pensamento racista da filosofia iluminista e suas consequências na sociedade; o epistemicídio dos povos africanos e configuração do racismo epistêmico.

No capítulo 2 foram analisadas as bases epistemológicas, os princípios e finalidades da Educação das Relações Étnico-Raciais para a formação docente em Filosofia na contemporaneidade, além de se pensar sobre os quadros de referência de diversidade humana presente no currículo de filosofia e apresentar uma definição de humanidade partindo de uma abordagem afrocentrada.

No Capítulo 3 apresento os dados produzidos a partir do Projeto Político- Pedagógico do curso, dentre eles, a estruturação do curso, suas bases epistemológicas, “a boa formação filosófica” e o perfil docente que se espera formar.

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CAPÍTULO 1 RACISMO EPISTÊMICO: RAÇA, RACISMO E REALIDADE SOCIAL NO CAMPO FILOSÓFICO

O racismo epistêmico descura a capacidade epistêmica de certos grupos de pessoas. Pode basear-se na metafísica ou na ontologia, mas o resultado acaba por ser o mesmo: evitar reconhecer os outros como seres inteiramente humanos (MALDONADO-TORRES, 2008, p. 79).

O objetivo deste capítulo é discutir relações étnico-raciais no contexto da filosofia, buscando compreender o processo de construção do discurso filosófico a respeito da humanidade africana e de que forma acabou por consolidar o racismo, inclusive o racismo epistêmico, influenciando de maneira universal a sociedade.

O conceito de humanidade pensado na modernidade foi pressuposto no momento decisivo da história moderna, onde se intensificaram as dominações europeias sobre outros povos e onde definiram os seres humanos como seres dotados de uma mesma razão. Segundo Sodré (2017), esse discurso foi utilizado como fachada ideológica para justificar o colonialismo e corroborar a imagem que os europeus tinham de si mesmos, plenamente humanos e os outros povos, não tão plenos.

Aos africanos estaria reservado o lugar de não racional, não tão plenamente humanos, sem voz, tendo suas formas de conhecimento violentamente silenciadas por imposição colonialista. Esse discurso filosófico influenciou diversos cientistas e deu suporte para as teorias racialistas surgidas no século XIX.

A negação da humanidade africana, seja nos discursos dos filósofos iluministas ou no desenvolvimento das teorias científicas, implicou também na negação da capacidade epistêmica dos africanos. O racismo epistêmico se configura na negação epistêmica dos não ocidentais, ao mesmo tempo que consolida a filosofia ocidental como modelo universal.

1.1 FILOSOFIA ILUMINISTA E A VALORIZAÇÃO DA RAZÃO

O Iluminismo, movimento intelectual e político surgido na Europa dos séculos XVII e XVIII (particularmente França, Alemanha e Inglaterra), pode ser também conhecido como Esclarecimento, Século das Luzes ou Século da Filosofia por excelência.

Sabendo das dimensões do período Iluminista, aqui será entendido enquanto

“concepção filosófica de acordo com a qual o conhecimento se dá em função das luzes da razão e que só o conhecimento racional crítico e a cientificidade emancipa o homem” (SEVERINO, 1994, p. 108) possibilitando o seu progresso em tudo.

(21)

O louvor à racionalidade foi tamanho que, segundo Batalha (1968), a humanidade, envolta até aquele momento pela fé na autoridade da igreja, passou a contemplar as luzes da razão natural.

Segundo aqueles mestres, o Iluminismo caracteriza-se por um esforço para libertar-se da tradição e da autoridade: a única norma universal é a razão humana, a razão individual de cada homem. Hipertrofia-se o intelectualismo:

a ciência é o único meio para alcançar os fins humanos. A confiança absoluta na razão engendra o otimismo, em oposição ao “obscurantismo” medieval (BATALHA, 1968, p. 55).

O obscurantismo medieval, resultado do poder nas mãos da Igreja, esteve marcado pela afirmação dos preceitos cristãos na Europa, num período compreendido entre o declínio do Império Romano e o fim da Idade Média. A igreja se perpetuava no poder através do discurso escatológico e o de providência divina, sustentado em dois pilares, o medo e a espera pelo fim do mundo (que seria em breve).

Em oposição ao pensamento medieval, o iluminista pregava a superioridade da razão, acreditando ser a crença religiosa e o misticismo, as grandes barreiras que impediam o progresso humano. Apesar do surgimento em meados do século XVII, segundo Mello e Donato (2011), o movimento iluminista atingiu seu apogeu no século XVIII, onde encontrou maior aceitação na França, influenciando fortemente a Revolução Francesa por meio dos ideais de “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”.

A Revolução Francesa foi um movimento impelido principalmente pela burguesia francesa juntamente com camponeses e massas urbanas. Reivindicavam o fim do absolutismo, o desenvolvimento industrial na França e a garantia dos direitos políticos. As mudanças que aconteceram através da revolução, capacitaram o

“progresso” social, grande responsável pela “promoção das potencialidades humanas e da condução do conhecimento tecnológico – vivenciados até hoje por nós” (MELLO;

DONATO, 2011, p. 249).

Diante dessa perspectiva, dois conceitos surgiram em oposição às antigas profecias e pensavam o homem como senhor de si e instruído acerca das leis naturais, sejam físicas ou humanas, o racionalismo e a filosofia dahistória.

Entende-se por Racionalismo a doutrina que “privilegia a razão dentre todas as faculdades humanas, considerando-a como fundamento de todo conhecimento possível” (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2006, p. 233). Dois filósofos que se destacam na história do racionalismo são Kant e Hegel. Kant foi o primeiro a utilizar o termo para caracterizar sua filosofia transcendental.

Já a Filosofia da História é o campo da filosofia que se propõe a refletir sobre a

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extensão temporal da existência humana sócio-política e cultural. Daí tem-se as teorias que vão pensar o progresso, a evolução, assim como a intermitência histórica e suas explicações para as diferenças culturais e históricas. A Filosofia da História para Hegel significa a “marcha do Espírito através das civilizações” que alcança sua maior plenitude no Estado Moderno. Outro filósofo que desenvolveu sua filosofia da história foi Augusto Comte, criador do Positivismo que acreditava ser a História uma marcha inexorável ao progresso.

O positivismo, corrente de pensamento derivada do iluminismo, foi utilizado primeiramente por Saint-Simon para caracterizar o método exato das ciências e sua ampliação para o campo filosófico, porém, quem foi considerado o pai do positivismo foi Augusto Comte, por sua grande influência e desenvolvimento do positivismo como uma grande corrente filosófica (ABBAGNANO, 2000). No pensamento de Comte pode-se encontrar três preocupações fundamentais, são elas:

Uma filosofia da história (na qual encontramos as bases de sua filosofia positiva e sua célebre “lei dos três estados” que marcariam as fases da evolução do pensar humano: teológico, metafísico e positivo); uma fundamentação e classificação das ciências (Matemática, Astronomia, Física, Química, Fisiologia e Sociologia); e a elaboração de uma disciplina para estudar os fatos sociais, a sociologia que, num primeiro momento, ele denominou física social. Também Comte elaborou um esquema de uma religião da humanidade. Pensava ele que a pregação moral abrandaria os capitalistas e assim seriam mais humanos com os proletários e as mulheres, eliminando os conflitos de classes,mantendo, porém, a propriedade privada (TRIVIÑOS, 1987, p. 33).

Comte afirmava que os estágios de desenvolvimento histórico equivalem aos três estados da humanidade, três estágios da inteligência. O primeiro estado (infantil) é o teológico, que apresenta três momentos: fetichismo, politeísmo e monoteísmo. O segundo estado (adolescência) é o metafísico, onde essências e conceitos abstratos substituem a explicação anterior justificada pelos deuses. O terceiro estado (adulto), o espírito positivo, ou seja, científico, é o estágio de maturidade que todo indivíduo tende a alcançar (GRISSAULT, 2012).

O terceiro estágio mencionado anteriormente, adulto, caracteriza a romantização positivista de que a ciência seria o guia único de vida do ser humano, seja no campo individual ou social, assim como também seria o único guia de moral, religião e conhecimento. Nesse sentido, o conhecimento científico e o estudo dele, a epistemologia, tornou-se uma teoria do conhecimento científico.

A partir dessa ideia, todo processo de construção do positivismo “acompanha

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e estimula o nascimento e a afirmação da organização técnico- industrial da sociedade moderna e expressa a exaltação otimista que acompanhou a origem do industrialismo”

(ABBAGNANO, 2000, p. 787), além do grande desenvolvimento das ciências exatas e naturais.

Abbagnano (2000) identifica duas vertentes do positivismo na história, o positivismo social, que tem como representantes Saint-Simon, Augusto Comte e John Stuart Mill, e o positivismo evolucionista de Spencer. Sobre o primeiro (positivismo social), nasce da necessidade de conceber a ciência como alicerce de uma nova ordem social e religiosa única, enquanto o segundo (positivismo evolucionista) amplia o conceito de progresso a todo universo e o impõe nos ramos científicos.

As teses que fundamentaram o positivismo, dentro das duas grandes vertentes apresentadas anteriormente, entendem que: a) a ciência é o único meio possível de se chegar ao conhecimento e o seu método é o único que tem validade; b) utilização do método científico de descrição para descrever os fatos, identificando as leis presentes em suas relações, e, assim, prever os própriosfatos (Comte), ou, no sentido de Spencer, revelar a origem evolutiva dos fatos mais complexos partindo dos mais simples; c) expansão do método científico como guia para todos os outros campos da vida humana.

Sobre o positivismo evolucionista, se utiliza dos resultados das teorias biológicas evolucionistas, porém, suas ideias vão além do que poderia ser legitimado por qualquer teoria científica. Ainda assim, foi adotado por metafísicas materialistas e espiritualistas, que identificavam na evolução a ideia de progresso.

Deste modo, o futuro desse progresso se caracteriza pela aceleração que se poria à nossa frente e ao seu caráter desconhecido. A aceleração tornar-se- ia uma tarefa de planejamento temporal, principalmente a partir do século XVIII e pós-Revolução, onde o vetor fundamental da moderna filosofia da história seria o cidadão emancipado do absolutismo e da Igreja (MELLO;

DONATO, 2011, p. 252).

Pensando o cidadão emancipado, o Iluminismo se fundamentou na crença de que a razão humana é capaz de compreender a verdadeira natureza do homem e ao mesmo tempo ser consciente de sua condição. O homem teria nas mãos o seu próprio destino e não seria mais conduzido pela “razão” divina. Sendo detentor de seu próprio destino, formula as bases para o racionalismo e contraria as imposições religiosas e os privilégios dados à nobreza e ao clero da época. A concepção dessa nova mentalidade humana compreende a razão como a mesma para todos os indivíduos.

É nesse ângulo que o período iluminista veio por emergir. Defendia a

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autoridade da razão em contraposição à visão teocêntrica que predominava na Europa até a Idade Média. “Esta forma de pensamento advinha fortemente dos ideais liberais e tinha como propósito, o de iluminar as ‘trevas’ em que se encontrava a sociedade europeia dos regimes absolutistas” (MELLO; DONATO, 2011, p. 256).

Dentro do pensamento iluminista, a razão conduziria o homem ao progresso, ao contrário da crença religiosa e do misticismo que, oposto a isso, o bloqueava. O homem se recoloca no centro e começa buscar respostas para os questionamentos que eram “justificados somente pela fé”.

Com a Revolução Francesa foi possível um desenrolar nunca visto no cenário político, onde buscou resgatar a antiguidade para o presente, caracterizando o exercício da liberdade, ou seja, a participação do indivíduo (assim como na pólis grega) no exercício da soberania. “O homem seria colocado como o centro do universo, livre e responsável pelos seus atos, além de base para implementação de um Estado democrático” (MELLO; DONATO, 2011, p. 262). Esta é uma das contradições apontadas no período iluminista, pois, ao mesmo tempo que defende ideais como tolerância e direitos cidadãos, desenvolve um conceito de ser humano que se restringe aos parâmetros europeus e que não tolera a diversidade humana.

Segundo Santos (2005), o fator de popularização da ciência foi o responsável pelo desenvolvimento como um dos ícones daquele século que marcou o sucesso definitivo de uma doutrina geral de progresso. A ciência foi afetada por um novo paradigma, não mais exclusivo no campo das ciências da natureza, agora com uma proporção social e pessoal, atingindo regiões profundas da existência humana.

1.2 A RAZÃO CIENTÍFICA-UNIVERSAL

A razão, ao ser colocada na posição central das expressões humanas, foi vinculada ao ideal de progresso do período iluminista. Para se pensar esse progresso, os filósofos acreditaram ser necessário abandonar o velho método dedutivo e sistemático do conhecimento, colocando em seu lugar o método analítico adotado por filósofos do século XVII como, por exemplo, Newton.

Com base nas experiências anteriores, os filósofos das Luzes buscaram uma regra universal que abarcasse os múltiplos fenômenos naturais. Newton, com sua lei de Atração Universal foi quem, primeiramente, serviu-lhes de modelo.

Para eles, não se devia procurar conhecer ossegredos da natureza, os quais permanecessem envoltos em mistérios, mas descobrir a ordem e a legalidade empírica da natureza. Isto expressaria a força da razão (SANTOS, 2005, p.

22).

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O método para descobrir “a ordem e a legalidade empírica da natureza”, dito anteriormente, é o método de análise e experimentação que será aplicado também nas pesquisas para entender a humanidade. “O centro do conhecimento é deslocado da física para a biologia, portanto, para a observação, experiência e descrição dos hábitos humanos” (SANTOS, 2005, p. 23). Essa preocupação com a ciência surgiu da necessidade de se chegar a um conhecimento seguro.

No campo do conhecimento da natureza, entra a biologia como um novo paradigma, pois agora a ciência estaria preocupada em descrever os mistérios do mundo, sendo um deles a própria natureza humana. Para compreender esse mistério, os filósofos iluministas acreditaram poder aplicar o mesmo método das ciências da natureza nas ciências humanas.

O Iluminismo compreende três aspectos diferentes e conexos: 1º extensão da crítica a toda e qualquer crença e conhecimento, sem exceção; 2º realização de um conhecimento que, por estar aberto à crítica, inclua e organize os instrumentos para sua própria correção; 3º uso efetivo, em todos os campos, do conhecimento assim atingido, com o fim de melhorar a vida privada e social dos homens (ABBAGNANO, 2000, p. 535).

Dentre os três aspectos do conhecimento compreendido no Iluminismo, o primeiro se configura na expansão da crítica racional a todos os campos, não podendo ela (a razão) ser excluída em nenhum deles. O segundo aspecto se refere ao conhecimento científico, que foi colocado em primeiro lugar na hierarquia das atividades humanas. Sobre o terceiro aspecto, não bastava apenas utilizar a crítica racional, essa crítica deveria assumir o compromisso de aplicar seus resultados nos diversos campos de pesquisa para melhoria individual e social humana (ABBAGNANO, 2000).

A expansão da razão em todos os campos enquanto discurso de validade, a hierarquia científica que se utiliza da razão como método de conhecimento, a utilização das descobertas em nome da razão e a universalização desse conhecimento em todos os campos, levou à noção de história como progresso, chegando à compreensão de que poderia melhorar modos de vida e saberes dos homens.

A crença na razão está fundamentada na ideia de sua unidade e imutabilidade.

“A razão é una e idêntica para todo o indivíduo-pensante, para toda a nação, toda a época, toda a cultura” (CASSIRER, 1992, p. 23). Essa concepção de razão já define as características que vão fundamentar o pensamento racista dos filósofos iluministas,

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pois, para eles, a razão una e idêntica seria a razão una e idêntica europeia.

1.3 RACIALIZAÇÃO DA HUMANIDADE

O discurso filosófico sobre a humanidade esteve presente em diversos espaços de produção de conhecimento. Até o século XVII o discurso sobre a humanidade estava nas mãos da igreja católica, já que a igreja era, até o momento, a detentora da razão e da explicação.

Sodré (2017) afirma que, já no século XVI, permeados pelos ideais renascentistas, o discurso sobre a humanidade foi correspondente ao momento histórico vivido, o “longo século XVI”, momento em que se intensifica a dominação colonialista. Foi durante esse período que se atribuiu ao homem uma “mesma e única razão”.

Mas essa ideia de “humanidade” – fachada ideológica para a legitimação da pilhagem dos mercados do Sudeste Asiático, dos metais preciosos nas Américas e de mão de obra na África – consolida-se conceitualmente, na medida em que contribui para sustentar o modo como os europeus conhecem a si mesmos: “homem plenamente humanos” e aos outros como “anthropos”, não tão plenos. O humano define-se, assim, de dentro para fora, renegando a alteridade a partir de padrões hierárquicos estabelecidos pela cosmologia cristã e implicitamente referendados pela filosofia secular. Desta provém o juízo epistêmico de que o Outro (anthropos) não tem plenitude racional, logo, seria ontologicamente inferior ao humano ocidental. É um juízo que, na prática, abre caminho para a justificação das mais inomináveis violências (SODRÉ, 2017, p. 13-14).

Durante o século XVIII, os filósofos das Luzes questionaram a concentração da razão e explicação nas mãos da Igreja e abriram novamente a discussão sobre esses povos “descobertos”. De acordo com o mesmo método utilizado nas ciências da natureza, o homem, que também é parte dela, deve ser estudado da mesma forma, ou seja, através da observação e descrição detalhada (consequência da universalização da razão científica).

Iniciou-se uma aplicação rigorosa desse método, onde não foram descritos apenas os detalhes anatômicos dos homens, mas também os valores morais e políticos2. “A persistência das descrições detalhadas da anatomia humana nas diferentes fases da vida revelam a importância que se dava à observação e o cuidado em atribuir o comportamento humano a causas naturais” (SANTOS, 2005, p. 26).

As pesquisas feitas, segundo Santos (2005), apontaram um dado importante, a grande diversidade presente nos homens, seja em sua fisiologia, hábitos ou

2 Um exemplo disso é a obra Enciclopédia de Diderot e Tratado de Metafísica de Voltaire.

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costumes, mas, as indagações ainda não haviam se acalmado. Persistia a dúvida sobre o que diferenciaria os homens dos outros animais e, dada a enorme diversidade, se existiria uma unidade humana.

Respondendo a primeira pergunta, sobre o que diferenciaria os homens dos outros animais, Santos (2005, p. 28) aponta que a resposta mais interessante a ser considerada foi dada por Buffon de que “os homens diferem dos animais pela capacidade de expressar seus pensamentos, com o uso da palavra, e por organizar- se em sociedade”. A valorização da sociedade foi tamanha que chegou a se pensar que a história do homem seria a história da sociedade, não possuindo existência anterior a ela.

A história da espécie e a história da sociedade são as mesmas. A espécie humana teria perecido se não houvesse sociedade. Supor um estado de natureza anterior à sociedade é supor um homem sem pensamento, sem palavras, pois a palavra e o pensamento nasceram com o homem que os desenvolveu em sociedade. A socialização é uma causa necessária, pois reflete a necessidade da espécie em manter-se a si mesma (SANTOS, 2005, p. 29).

A socialização é o que define a natureza humana e prova sua capacidade de interferência no meio em que vive. Nisso consistiria a resposta para a primeira pergunta: homem, razão e sociedade como uma tríade de justificação a respeito da diferença entre os homens e os outros animais.

Ainda segundo Santos (2005, p. 29), a resposta para a segunda pergunta (sobre a unidade humana) seria mais complexa. Pois “tanto Voltaire, Buffon, Diderot e outros iluministas acreditavam na existência de uma espécie humana, mas discordavam sobre a origem das diferenças entre os ‘tipos’ observados”. As respostas para essas diferenças foram das mais variadas.

Somando-se todos os elementos expostos até o momento, pode-se concluir que os filósofos iluministas eram unânimes ao definir os homens pela sua capacidade racional de modificar a natureza, fato que também os diferenciava dos animais. Estes homens, sendo frutos da própria natureza, não estavam alheios às modificações que ela imprime em todos os seres. Por isso também apresentavam variedade (SANTOS, 2005, p. 31).

Nesse contexto, o conceito de raça utilizado nas ciências naturais para classificar as espécies animais e vegetais, foi resgatado para nomear os outros povos, classificados como raças diferentes.

A variabilidade humana é um fato empírico incontestável que, como tal merece uma explicação científica. Os conceitos e as classificações servem de ferramentas para operacionalizar o pensamento. É neste sentido que o conceito de raça e a classificação da diversidade humana em raças teriam servido. Infelizmente, desembocaram numa operação de hierarquização que pavimentou o caminho do racialismo (MUNANGA, 2003, p. 2).

(28)

Segundo Munanga (2003), como em todos os sistemas de classificação, alguns critérios objetivos foram estabelecidos baseados na diferença e na semelhança, instituindo, no século XVIII, a cor da pele como critério fundamental, no século XIX, critérios morfológicos (nariz, lábios, queixos, crânio, ângulo facial, etc.) e, no século XX, marcadores genéticos (grupos de sangue, doenças hereditárias, etc.), com o objetivo de aperfeiçoamento da classificação. A junção de todos esses critérios deu origem às raças. Se o intuito fosse apenas uma classificação dos grupos humanos, esses critérios não teriam causado tantos problemas à humanidade. Porém, além das classificações, se deram ao direito de hierarquizar, estabelecendo escala de valores entre as raças.

Assim, os indivíduos da raça “branca”, foram decretados coletivamente superiores aos da raça “negra” e “amarela”, em função de suas características físicas hereditárias, tais como a cor clara da pele, o formato do crânio (dolicocefalia), a forma dos lábios, do nariz, do queixo, etc. que segundo pensavam, os tornam mais bonitos, mais inteligentes, mais honestos, mais inventivos, etc. e consequentemente mais aptos para dirigir e dominar as outras raças, principalmente a negra mais escura de todas e consequentemente considerada como a mais estúpida, mais emocional, menos honesta, menos inteligente e portanto a mais sujeita à escravidão e a todas as formas de dominação (MUNANGA, 2003, p. 5).

Esse discurso sobre a classificação e hierarquização das raças beneficiou e legitimou mais os sistemas de dominação racial do que a explicação sobre a variabilidade humana. A criação da autoimagem europeia como o modelo de civilização e racionalidade (a mais inteligente) deu a ela a licença de avaliar e legitimar a autoimagem dos outros povos de acordo com uma visão etnocêntrica do mundo.

Tendo o modelo europeu como perspectiva, criou-se um “horizonte impessoal e objetivo para o qual todos os povos deveriam caminhar no intuito de garantir a maioridade da razão” (ANDRADE, 2017, p.291), lançando, assim, bases para o etnocentrismo e o discurso racista.

Segundo Andrade (2017), a razão seria impessoal porque não estaria subordinada às condições históricas (no máximo ela seria a própria expressão da história) em que o indivíduo se encontra quando fala em nome da razão. Ela seria objetiva na medida em que outorga para si o poder de decidir sobre a legitimidade e validade da autoimagem produzida por todos os povos.

1.4 DISCURSOS FILOSÓFICOS E A DESTITUIÇÃO DO NEGRO DO ESTATUTO DE HUMANIDADE

Como visto até o momento, a razão, disponível para todos os seres humanos,

(29)

como aponta uma das características da filosofia iluminista, seria, segundo eles, a forma legítima de definir a natureza humana e serviu de argumento para classificar os negros numa escala inferior à dos brancos, ou seja, como sub-humanos. Da mesma forma, a divisão por raças como critério de racionalidade, reservou ao branco a categoria de homem racional e a negou para os seres considerados inferiores. A imagem do europeu como superior e civilizado e dos africanos como o seu oposto, foi utilizada como mecanismo de justificação para diversas violências.

Dentro do discurso dos pensadores iluministas, o africano foi classificado como

“raça” sub-humana, naturalmente inferior e dotado de selvageria. As produções filosóficas foram originadas dentro de um orgânico desenvolvimento no contexto sociohistórico, mais extenso, do colonialismo e do etnocentrismo, ou seja, a ideia de que a Europa representa o modelo da modernidade, “a cultura e a história em si mesma”.

A Europa, como supostamente mais avançada, poderia se autoprojetar na história, inclusive como modelo a ser seguido e isso dentro de um contexto onde houve o processo de dominação e estabelecimento de colônias europeias. A dominação imperial e colonial africana foi elemento chave na construção histórica das manifestações da “Era da Europa”, inclusive a Ilustração.

Segundo Dussel (1993), a Modernidade é síntese da relação dialética entre o europeu e o não-europeu. O período moderno, inaugurado pela afirmação da Europa como o “centro” do mundo, possui um caráter racional emancipador, mas ao mesmo tempo desenvolve um mito irracional de justificação da violência3.

3 Além dos filósofos Kant, Hume e Hegel, o discurso racista está presente nas obras de filósofos que influenciaram a formação de muitas sociedades e continuam influenciando sua reorganização. Por exemplo, o filósofo Charles-Louis de Secondat (1689-1755), barão de La Brède e de Montesquieu, escreveu o livro O espírito das leis (1748) obra que influenciou a divisão de poderes presente nas constituições modernas, inclusive o Brasil. No décimo quinto livro “Como as leis da escravidão civil têm relação com a natureza do clima”, Montesquieu diz que a escravidão, ato de firmar direito absoluto sobre homens e seus bens, não é boa e nem útil. Segundo ele, a escravidão é contrária aos espíritos das leis, mas se tivesse que defender o direito a escravidão, seria justificando a necessidade da mão de obra africana para abrir terras, visto que os europeus haviam exterminado a população da América.

Sobre os negros: “Aqueles de que se trata são pretos dos pés à cabeça: e têm o nariz tão achatado que é impossível ter pena deles. Não nos podemos convencer que Deus, que é um ser muito sábio, tenha posto uma alma, principalmente uma alma boa, num corpo todo preto. É tão natural pensar que a cor constitui a essência da humanidade que os povos da Ásia, que fazem eunucos, sempre privam os negros da relação que têm conosco de uma forma mais marcada. Pode-se julgar a cor da pele pela dos cabelos, que, entre os egípcios, os melhores filósofos do mundo, era de tão grande consequência, que matavam todos os homens ruivos que lhes caíssem nas mãos. Uma prova de que os negros não têm senso comum é que dão maior valor a um colar de vidro do que ao ouro, que, nas nações policiadas é de tão grande importância. É impossível que suponhamos que estas pessoas sejam homens; porque, se supuséssemos que eles fossem homens, começaríamos a crer que nós mesmos não somos cristãos

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David Hume (1711-1776), filósofo escocês, escreveu o livro Ensaios Morais, Políticos & Literários (1741). Este livro corresponde a uma versão mais popular da sua obra filosófica de maior importância, Tratado da natureza humana4 (que não foi muito bem recebida, segundo ele, pela maneira como o assunto foi abordado) onde pretende ir direto ao ponto central das ciências, a natureza humana, e “fundar a ciência do homem na solidez da observação e da experiência” (HUISMAN, 2001, p. 515), ou seja, apresentar nos discursos morais o “método experimental de raciocínio”. Ao falar sobre a natureza humana dos negros, Hume destaca que:

Eu me inclino a suspeitar que os negros são naturalmente inferiores aos brancos. Praticamente nunca existiu uma nação civilizada com aquela compleição, nem sequer um indivíduo eminente seja na ação, seja na especulação. Não existem manufaturas engenhosas entre eles, nem artes, nem ciências. Em contrapartida, mesmo os mais rudes e bárbaros dos brancos, como os antigos ALEMÃES ou os TÁRTAROS no presente, apresentam algo de eminente entre eles, em seus valores, em sua forma de governo ou qualquer outro aspecto particular. Semelhante diferença, uniforme e constante, não poderia acontecer em tantos países e épocas se a natureza não tivesse feito uma distinção original entre essas raças e homens.

Sem mencionar nossas colônias, existem escravos NEGROS dispersos por toda a EUROPA, e nunca se descobriu em qualquer um deles algum sinal de engenhosidade; enquanto membros brancos da classe baixa, sem educação, são capazes de progredir e se destacar em qualquer profissão. Na JAMAICA, de fato, falam do NEGRO como um homem de mérito e cultura; mas é provável que ele seja admirado por pequenas conquistas, como o papagaio, que é capaz de pronunciar algumas palavras com clareza (HUME, 2004, p.

344).

Hume estabelece a “diferença” entre brancos e negros como algo permanente e que ocorre de maneira natural, ou seja, uma diferenciação original estabelecida pela natureza. A ideia de uma diferenciação natural foi o motor que colocou a África fora do que foi entendido como verdadeira humanidade (europeia). Para os filósofos iluministas, a humanidade europeia era a própria encarnação da humanidade em si mesma, enquadrando os africanos como uma espécie diferenciada, sub-humana.

Este pensamento legitimou filosoficamente o processo (que já ocorria desde o século XV) de exploração africana, tal como também os métodos utilizados de dominação, métodos estes que não seriam admitidos para um ser humano europeu.

Estas formulações filosóficas racistas contra os povos africanos e não europeus

(MONTESQUIEU, 1996, p. 257).

4 “O Tratado da natureza humana é bem um ‘tratado’, na forma didática do gênero. Nitidamente estruturado em três livros, que por sua vez são subdivididos em partes e seções, corresponde ao desejo expresso por Hume de "introduzir o método experimental de raciocínio nos assuntos morais”

(HUISMAN, 2001, p. 515).

(31)

em geral, trouxeram um grande prejuízo filosófico para estes povos e para a própria filosofia, causando um empobrecimento filosófico. Além dessas formulações circularem livremente, foram utilizadas por outros filósofos europeus modernos, como veremos a seguir.

Imannuel Kant (1724-1804), filósofo alemão que apoiado na fala de Hume, diz que os negros não possuem sentimento acima do ridículo e atribui a diferença de capacidades mentais à diferença de cores, sendo o homem branco superior ao negro.

A influência de Kant no campo do conhecimento foi tão grande que me recordo da fala de um professor durante a graduação em filosofia que, ao ser perguntado sobre a diferença entre duas disciplinas do currículo, Teoria do conhecimento e Epistemologia, a resposta dada foi “antes de Kant é teoria do conhecimento, depois de Kant é epistemologia”.

No livro intitulado 50 autores-chave de filosofia... e seus textos incontornáveis de Grissault (2012), Kant é apresentado como uma referência obrigatória e como um filósofo revolucionário por ter colocado fim no embate entre racionalistas e empiristas, inaugurando o criticismo, colocado pela autora como uma nova revolução copernicana.

Alternativa para o racionalismo e para o empirismo, o criticismo kantiano opera uma revolução copernicana na teoria do conhecimento: Copérnico havia invertido as posições respectivamente do sol e da terra ao afirmar o heliocentrismo. Igualmente, para Kant, no conhecimento, não é o sujeito que gira em torno do objeto, mas o objeto que se define em vista do sujeito”

(GRISSAULT, 2012, p. 162).

Ao fazer Observações sobre o sentimento do belo e do sublime, publicado em 1764, na quarta seção “Dos caracteres nacionais, na medida em que residem no sentimento diferenciado do sublime e do belo”, Kant descreve de forma minuciosa características dos sentimentos do belo e do sublime das nações. Ao falar sobre os negros africanos afirma que:

Os negros da África não possuem, por natureza, nenhum sentimento que se eleve acima do ridículo. O senhor Hume desafia qualquer um a citar um único exemplo em que um negro tenha demonstrado talentos, e afirma: dentre os milhões de pretos que foram deportados de seus países, não obstante muitos deles terem sido postos em liberdade, não se encontrou um único sequer que apresentasse algo grandioso na arte ou na ciência, ou em qualquer outra aptidão; já entre brancos, constantemente arrojam-se aqueles que, saídos da plebe mais baixa, adquirem no mundo certo prestígio, por força de dons excelentes. Tão essencial é a diferença entre essas duas raças humanas, que parece ser tão grande em relação às capacidades mentais quanto à diferença de cores. A religião do fetiche, tão difundida entre eles, talvez seja uma espécie de idolatria, que se aprofunda tanto no ridículo quanto parece possível à natureza humana. A pluma de um pássaro, o chifre de uma vaca,

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