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Os princípios da mediação na União Europeia

2. CAPÍTULO II CONCEITO DE MEDIAÇÃO E O PAPEL DO MEDIADOR NA

3.2. Os princípios da mediação na União Europeia

Conforme visto no capítulo 1, a questão do aumento da litigação, e a consequente elevação do número de demandas dirigidas aos tribunais, foi fenômeno que atingiu diversos países, em todas as partes do mundo.

Dentre os novos mecanismos de solução consensual que surgiram, a mediação foi método que se destacou no contexto das reformas do acesso à justiça165 implementadas por

165 Sobre a proeminência da mediação dentre as ADR´s no contexto europeu, e, ainda, sobre o seu marco legal de

referência, confira-se: DE PALO, Giuseppe. A Ten-Year-Long “EU Mediation Paradox”: When an EU

Directive Needs To Be More… Directive. BRIEFING Requested by the JURI committee of the European

Parliament. European Union, 2018. Disponível em:

http://www.europarl.europa.eu/RegData/etudes/BRIE/2018/608847/IPOL_BRI(2018)608847_EN.pdf. Acesso em 15.05.2019., pp.01-02. "This year marks the tenth anniversary of the European Union's adoption of Directive 2008/52, a milestone in developing legislation to guide mediation in civil and commercial matters.2 The Mediation Directive marked the conclusion of the European Parliament's long path towards formal recognition of Alternative Dispute Resolution ("ADR") in all the Member States of the EU. But it also signaled the opening of a new path — one towards mediation as a viable form of dispute resolution in the Member States. [...] The Mediation Directive established minimum regulatory standards for mediation legislation to be transposed by the Member States into their national legal systems. Thus, Member States enjoyed the freedom to adopt this regulatory framework as they chose — including adopting a stricter set of standards. The Mediation Directive included rules dealing with mediation quality standards, allowing judicial referrals, providing for enforcement of mediated settlements, and protecting confidentiality.". Sobre a relevância que a mediação veio assumindo também no Brasil, ver o artigo publicado após a Resolução n.º 125/2010/CNJ e às vésperas da aprovação do novo CPC e da Lei de Mediação, por

países de várias partes do globo, como os da Europa continental, os de origem anglo-saxã, os latino-americanos, etc.

Neste sentido, e, considerando que os modelos se influenciam mutuamente166, especialmente quando se verifica uma identidade nos problemas e desafios a serem superados, tal como se observou com a questão da crise do acesso à justiça167, entende-se relevante expor como ocorreu a implementação na mediação no contexto europeu.

Isto porque, assim como ocorreu na União Europeia, no Brasil também foi aprovada legislação para implementar a mediação, regulamentando e uniformizando os principais aspectos da sua prática, entre os estados.

Guardadas as devidas singularidades, pode-se afirmar que a Resolução n.º 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça, assumiu, no Brasil, a mesma função que a Diretiva nº 2008/52/CE do Parlamento Europeu e do Conselho no âmbito da União Europeia.

Muito embora a maioria dos autores brasileiros que abordam a questão da implementação da mediação no país não afirmem expressamente se a Diretiva europeia (de 2008) influenciou a Resolução brasileira (de 2010), ao expor a matéria, buscando comparar as experiências estrangeiras com a nacional, colocam tais normas como marcos legais correlatos, haja vista que ambas determinaram a implementação de programas de mediação nos respectivos contextos internos, estabelecendo os princípios basilares do instituto, para que houvesse uma uniformidade mínima em sua aplicação.

PINHO, Humberto D. B. de; PAUMGARTTEN, Michele. Mediação obrigatória: um oximoro jurídico e mero placebo para a crise do acesso à justiça. In: Soares, Fabiane Verçosa; Muniz, Joaquim Paiva; Pantoja, Fernanda; Almeida, Diogo Assumpção. Arbitragem e Mediação: temas controvertidos. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p.01: “Este é um momento especial para os mecanismos alternativos de solução de conflitos, particularmente para a mediação. Vivenciamos uma produção em larga escala de normas que incentivam a sua prática. Uma medida bastante salutar diante dos benefícios e a transformação que exerce no tratamento de um conflito e nas partes envolvidas. [...]”.

166 Sobre as influências recíprocas verificadas entre as tradições jurídicas da civil law e da common law, ver:

MERRYMAN, John Henry e PÉREZ-PERDOMO, Rogelio. A tradição da civil law: uma introdução aos

sistemas jurídicos da Europa e da América Latina. Sergio Antonio Fabris, 2009.

3.2.1. União Europeia: a definição dos princípios da mediação pela Diretiva nº 2008/52/CE do Parlamento Europeu e do Conselho

A União Europeia, perseguindo o objetivo de melhorar o acesso à justiça, resolve incluir os meios adequados de resolução de litígios (tanto judiciais quanto extrajudiciais) como parte de sua política para estabelecer um espaço de liberdade, de segurança e de justiça no espaço de circulação de pessoas e serviços da Comunidade.

Assim, uma vez disseminado o uso dos meios adequados, verificou-se a necessidade de se estabelecerem princípios e regras de conduta mínimas a serem observadas em sua aplicação.

Diante desta percepção, a comunidade europeia fez aprovar a Diretiva nº 2008/52/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2008, relativa a certos aspectos da mediação em matéria civil e comercial.

O documento apontou, no Considerando n.º 3, que o estabelecimento de princípios fundamentais no campo das ADR´s constituiria etapa essencial para o desenvolvimento e funcionamento adequado dos procedimentos extrajudiciais para a resolução dos litígios naquelas matérias, e que tal iniciativa contribuiria para simplificar e melhorar o acesso à justiça.

No Considerando n.º 7, especificamente com relação à mediação, o documento demonstrou a preocupação em prever um enquadramento normativo que abordasse, em especial, aspectos fundamentais do processo civil, a fim de promover a utilização deste meio adequado e garantir que as partes que a ele recorressem pudessem confiar num quadro jurídico previsível.

Assim, após debates, o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia, aprovou esta Diretiva a fim de estabelecer princípios básicos que garantissem a qualidade no funcionamento destes métodos – também de modo a assegurar a sua credibilidade perante os usuários, assim como a perenidade do seu uso, de modo inclusive a oxigenar os Tribunais da sobrecarga de processos judiciais verificada em diversos países europeus.

Ressalta-se que esta Diretiva funcionou como uma legislação de orientação para os demais países, na medida em que traçou normativas acerca da mediação em matéria civil e comercial, cabendo aos Estados-Membros aprovarem leis e/ou se adaptarem às novas orientações aprovadas pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho.

No tocante ao procedimento de mediação, em especial a extrajudicial168, os dispositivos da Diretiva aludem aos princípios da voluntariedade, confidencialidade, flexibilidade do processo, autonomia das partes, imparcialidade e competência do mediador.169

3.2.2. União Europeia: o estabelecimento de um Código Europeu de Conduta para os Mediadores

Deve-se destacar, ainda no âmbito da União Europeia, a existência de um Código Europeu de Conduta para os Mediadores170.

Trata-se de um código deontológico, aplicável a todos os tipos de mediação em matéria civil e comercial, que estabelece um conjunto de princípios, que os profissionais individuais podem decidir respeitar, de forma voluntária e sob a sua própria responsabilidade.

Aplica-se também às organizações que prestam serviços de mediação, que podem tomar decisão semelhante, solicitando aos mediadores que respeitem o referido código deontológico. As organizações podem, inclusive, solicitar que os profissionais sigam as orientações contidas no documento de forma combinada com códigos pormenorizados, adaptados ao seu contexto particular, ou aos tipos de serviços de mediação que oferecem, e também relativos a matérias específicas, como a mediação na área de família ou de consumo.

O Código estabelece uma série de princípios a serem observados, como a independência, a imparcialidade, a competência, a idoneidade e a confidencialidade ou dever de sigilo, e esclarece o significado e a forma de aplicação de cada um deles.

Nota-se que o Código deixa a cargo dos profissionais individuais e das organizações que prestam serviço de mediação a decisão sobre respeitar ou não, de forma voluntária, o conteúdo deste documento de orientação da atuação dos mediadores. Porém, ao mesmo tempo

168 Podendo também abranger a mediação realizada nos Tribunais, desde que conduzida por um juiz que não seja

responsável por qualquer processo judicial relativo ao litígio em questão, conforme ressalva o artigo 3º, alínea "a", 2ª parte, da Diretiva nº 2008/52/CE.

169 A Diretiva nº 2008/52/CE menciona expressamente a importância em se observar tais princípios em uma

mediação.

170 Confira-se, no site da Comissão Europeia, o Código Europeu de Conduta para os Mediadores:

<http://ec.europa.eu/civiljustice/adr/adr_ec_code_conduct_en.pdf>. (versão em português: <http://ec.europa.eu/civiljustice/adr/adr_ec_code_conduct_pt.pdf>). Acesso em 02.06.2019.

que lhes confere tal faculdade, deixa claro que tal decisão é da inteira responsabilidade destes agentes.

Neste sentido, pode-se dizer que este Código Deontológico apresenta-se como importante documento de orientação da conduta dos mediadores, que possui caráter de recomendação, na medida em que confere uma faculdade na adoção de suas normas com a contrapartida da responsabilidade pela sua inobservância, e que constitui relevante parâmetro para a atuação dos mediadores europeus.

3.2.3. Visão esquemática da legislação de orientação da mediação e dos princípios norteadores da conduta dos mediadores na União Europeia

Assim, de uma forma esquemática, pode-se dizer que, na União Europeia, o instituto da mediação (extrajudicial) e a conduta dos mediadores são regulamentados pelos seguintes documentos de referência, e devem obedecer, cada qual, aos seguintes princípios:

Tabela 1: Legislação de Orientação da Mediação e

dos Princípios Norteadores da Conduta dos Mediadores na União Europeia

UNIÃO EUROPEIA

Mediação (extrajudicial) Mediadores Documento de referência Diretiva nº 2008/52/CE

do Parlamento Europeu e do Conselho de 21 de maio de 2008 Código Europeu de Conduta para os Mediadores Princípios voluntariedade confidencialidade flexibilidade do processo

autonomia das partes imparcialidade competência do mediador independência imparcialidade competência idoneidade dever de sigilo