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2 O SISTEMA PROCESSUAL CIVIL BRASILEIRO E O SUBJETIVISMO NA

2.3 Os princípios da razoabilidade e proporcionalidade como critérios

A inexistência de critérios taxativos para a aplicação do instituto das astreintes exige criteriosa análise do caso concreto, notadamente para que a estipulação do

quantum não seja em montante excessivo, a ponto de tornar-se impossível o

pagamento pelas condições econômicas do recalcitrante, ou mesmo dar azo ao enriquecimento sem causa de uma das partes. Logo, dentre outros princípios aplicáveis à espécie, têm-se os princípios da razoabilidade e proporcionalidade como premissas fundamentais a serem ponderadas pelo juiz, no intuito de conferir efetividade à decisão e à realização do direito.

A adequação, determinada através da atividade judicial, dirá o que é suficiente e compatível para fixar o grau da força a ser utilizada na ordem judicial, caso necessária a imposição de multa. É nesse sentido que o juiz da causa deve pautar sua atividade jurisdicional em princípios que funcionam como verdadeiras diretrizes, utilizando-se adequadamente da técnica coercitiva.

Segundo José Miguel Garcia Medina (2004, p. 446), não pode o juiz fixar uma multa cujo pagamento seja inviável pelo executado, ou que seja capaz de reduzi-lo à insolvência. Ou seja, como refere Amaral (2010, p. 135), é a proibição de excesso.

O princípio da proporcionalidade na tutela específica também pode resultar na desnecessidade de cominação de multa coercitiva, importando que se coloque em movimento o mecanismo somente quando - e na medida que – esteja justificada a necessidade, legitimando o equilíbrio dos interesses em causa.

Evidentemente que a aplicação das astreintes não deve originar injustiças. Não é razoável ou mesmo proporcional que haja a cobrança da multa nos casos de sentença de improcedência, pois o que se exige é a moderação entre o fim pretendido e o ato da autoridade estatal, que certamente culminará com a coerção do réu no cumprimento da ordem, sem incorrer em excesso que cause sua recalcitrância.

Não obstante a fixação da multa seja ato discricionário do juiz ou tribunal, e não exista, a priori, limite para a quantificação, o julgador, ao analisar as particularidades do caso concreto, a capacidade econômica das partes e a natureza da obrigação a ser cumprida, deverá buscar um valor adequado a influir no ânimo do devedor, sem que cause sua ruína ou a ineficiência da medida20.

Construída essencialmente pela jurisprudência dos tribunais brasileiros, a sistemática das astreintes inclui de forma unânime, dentre os critérios empregados para a estipulação do quantum, a ponderação dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Através de decisões proferidas por tribunais como o de Santa Catarina, São Paulo, Minas Gerais, Acre e Rio Grande do Sul, se vislumbra enfaticamente a utilização de tais princípios como norteadores da aplicação do instituto dessa técnica de tutela coercitiva.

Todos os Tribunais estabelecem a aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade como critérios relevantes a assegurar o resultado prático e conferir efetividade à decisão judicial, e ainda, do mesmo modo, para majorar a sanção ou reduzi-la21.

A propósito transcreve-se trecho da decisão proferida em agravo de instrumento julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo22:

20

TJSC, Agravo de Instrumento n. 2012.053352-0, Terceira Câmara de Direito Civil, de Brusque, rel. Des. Marcus Tulio Sartorato , j. 23-10-2012.

21

TJSC, Agravo de Instrumento n. 2012.021730-3, Câmara Especial Regional de Chapecó, rel. Des. Paulo Ricardo Bruschi, j. 23-10-2012; TJSC, Agravo de Instrumento n. 2012.004689-0, Câmara Especial Regional de Chapecó, rel. Des. Paulo Ricardo Bruschi, j. 23-10-2012; TJSC, Agravo de Instrumento n. 2011.089357-1, Segunda Câmara de Direito Comercial, rel. Des. Robson Luz Varella, j. 02-10-2012; TJSP, Agravo de Instrumento n.º 0117592-51.2012.8.26.0000, 4ª Câmara de Direito Privado, Rel. Natan Zelinschi de Arruda, julgado em 27/09/2012; TJSP, Apelação n.º 0028183-92.2011.8.26.0196, Câmara Especial, Rel. Des. Camargo Aranha Filho, julgado em 05/11/2012; TJSP, Agravo de Instrumento n.º 0121528-84.2012.8.26.0000, 2ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. José Carlos Ferreira Alves, julgado em 23/10/2012; TJMG, Agravo de Instrumento n.º 1.0024.08.134585-2/002, Des.(a) Armando Freire, 1ª CÂMARA CÍVEL, julgado em 11/09/2012; TJMG, Apelação Cível 1.0295.10.025670-6/001, Des.(a) Mota e Silva, 18ª CÂMARA CÍVEL, julgado em 11/09/2012; TJAC, Apelação Cível n.º 0005002-12.1998.8.01.0003, Rel. Eva Evangelista de Araujo Souza, julgado em 27/09/2011; TJAC, Agravo de Instrumento n.º 0001204-32.2010.8.01.0000, Rel. Izaura Maria Maia de Lima, Rio Branco, julgado em 19/10/2010.

22

TJSP, Agravo de Instrumento 0121528-84.2012.8.26.0000, Rel. José Carlos Ferreira Alves, São Paulo, 2ª Câmara de Direito Privado, julgado em 23/10/2012.

Com efeito, entendo que o valor da astreinte deve ser fixado em montante suficiente para coagir o devedor ao cumprimento da obrigação, entretanto, compartilho com o entendimento de que o valor da multa cominatória deve ser arbitrado dentro dos parâmetros da razoabilidade e proporcionalidade, de forma a evitar-se o enriquecimento sem causa. Nesse sentido: “Embora a

astreinte deva ser expressiva, a ponto de coagir o devedor a cumprir

o preceito, não pode configurar-se como ônus excessivo, sob pena de se estar olvidando, com isso, as noções de equidade que devem pautar as decisões judiciais. (JTJ 260/321). No mesmo sentido RJTJERGS 259/128 (AI 70016391815)” (cf. Theotonio Negrão e José Roberto F. Gouvêa in “Código de Processo Civil e legislação processual em vigor”, Saraiva, 39ª ed., nota 7c ao art. 461 do Código de Processo Civil)

Não destoa o entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais23:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO. LIMINAR. EXCLUSÃO DE DADOS DO AUTOR DOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. RECURSO DO RÉU POR MEIO DO QUAL SEQUER ALEGA A EXISTÊNCIA DA RELAÇÃO JURÍDICA DA QUAL TERIA SE ORIGINADO O DÉBITO. Não há como acolher as alegações do recorrente quando, objetivando a reforma da decisão por meio da qual foi concedida liminar para exclusão do nome do autor dos cadastros de restrição ao crédito, interpõe agravo de instrumento no qual sequer alega a existência de relação jurídica de que teria se originado o débito. Como cediço, as astreintes têm por escopo coagir o devedor a praticar um ato ou abster-se dele, em virtude de uma obrigação de fazer ou não fazer. Esta não se presta a penalizar a parte que deve cumprir o decreto mandamental, mas, sim, conferir efetividade à ordem judicial como meio e forma de assegurar o resultado prático visado, constituindo-se medida de coerção indireta, ou seja, tutela acessória vinculada ao comando principal. Apenas se apurado que o valor da

astreinte não guarda proporção com o valor da lide ou enseja um

enriquecimento sem causa da parte contrária, mostra-se imperioso ao julgador o seu redimensionamento, nos termos dos arts. 644 e 461, § 6º, do Código de Processo Civil. É certo que o valor arbitrado a título de multa diária, sem o estabelecimento de um teto, pode extrapolar os limites da razoabilidade e da proporcionalidade, além de permitir o enriquecimento ilícito da parte que, porventura, se torne credora. (grifei)

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TJMG, Agravo de Instrumento Cv 1.0145.12.031237-9/001, Rel. Des.(a) Cláudia Maia, 13ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 04/10/2012, publicação da súmula em 10/10/2012

Podendo o juiz, como já dito, sempre que necessário impor multas para o fiel cumprimento das decisões, atividade esta autorizada por lei, tais imposições calham a reforçar a soberania das ordens emanadas da autoridade judiciária, sem importar em arbitrariedade, desde que respeitados os limites do razoável, analisado caso a caso.

A jurisprudência do Tribunal gaúcho, por sua vez, é uníssona em reconhecer os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade como critérios fundamentais a serem atendidos na imposição da multa coercitiva24. A propósito:

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE CANCELAMENTO DE DESCONTOS EM CONTA-CORRENTE C/C PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CANCELAMENTO DE DÉBITO NÃO AUTORIZADO EM CONTA- CORRENTE. DÍVIDA CONSTITUÍDA COM OUTRA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. ILICITUDE. INEXISTÊNCIA DE PROVA DA AUTORIZAÇÃO. Ausente prova de autorização para débito em conta-corrente das prestações relativas ao empréstimo contratado pelo autor, junto a outro estabelecimento bancário, revelam-se ilícitos os descontos. ASTREINTE. VALOR. A astreinte, meio de execução indireta de cunho processual, não possui limitação quantitativa, e pode ser reduzida ou aumentada pelo julgador, a fim de atingir sua finalidade específica (com base na regra do § 6º do art. 461 do Código de Processo Civil). Descumprida a obrigação de não fazer imposta em sede de antecipação de tutela, incide a multa prevista para a hipótese de desobediência. Reduzido, porém, o valor da cominação, com o fim de atender aos critérios da

razoabilidade e proporcionalidade. DANO MORAL.

CONFIGURAÇÃO. DESCONTO EM CONTA-CORRENTE QUE O CONSUMIDOR RECEBE SALÁRIO. Demonstrada a ilicitude dos descontos, incidentes na conta-corrente em que o requerente recebe seu salário, incide indenização por danos morais. Caso em que se deve ter em conta o valor significativo dos descontos, e que os lançamentos irregulares foram interrompidos apenas parcialmente, mediante ordem judicial. Responsabilidade objetiva da instituição financeira, na qualidade de prestadora do serviço. Mantido o montante fixado pela sentença. POR MAIORIA, DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO DO RÉU E À UNANIMIDADE NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO ADESIVO DO AUTOR. (Apelação Cível Nº 70050365840, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de

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No mesmo sentido: TJRS, Apelação Cível Nº 70037920964, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nelson José Gonzaga, Julgado em 19/07/2012; TJRS, Agravo de Instrumento Nº 70048726574, Vigésima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Barcelos de Souza Junior, Julgado em 29/05/2012, Apelação Cível Nº 70050365840, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Pedro Celso Dal Pra, Julgado em 27/09/2012.

Justiça do RS, Relator: Pedro Celso Dal Pra, Julgado em 27/09/2012) (grifei)

Consoante entendimento firmado pelo TJRS, a fixação da multa incide na hipótese de descumprimento da ordem judicial, e está contida no poder geral de cautela conferido ao magistrado, a fim de dar aplicação ao princípio da efetividade das decisões judiciais. Entretanto, preleciona que o valor cominado para esse tipo de multa deve ser condizente com a realidade, não podendo ensejar enriquecimento ilícito da parte contrária, o que se constata mediante a observância dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade25.

O Superior Tribunal de Justiça, em que pese, via de regra, não revisar a manutenção, o aumento ou a redução das astreintes, por força do óbice da Súmula 7/STJ, sedimentou o entendimento de que, em situações excepcionais de claro exagero ou modicidade nos valores fixados, é possível a Corte abordar a matéria em recurso especial, sempre com fundamento em critérios de proporcionalidade e razoabilidade26.

Neste linear, as astreintes traduzem um meio hábil de quebrar a resistência do obrigado em cumprir o avençado, compelindo-o a realizar a conduta que lhe impôs a autoridade judiciária, a fim de que os provimentos judiciais gozem de concreção indispensável e permitam que se alcance a efetividade que o processo deve proporcionar.

Caso contrário, uma vez cumprida a determinação no prazo estabelecido, não há o que se falar em multa, não havendo desse modo benefício para a parte autora, uma vez que a multa fixada é apenas inibitória, presumindo-se tenha sido adequada a fixação, de modo que atingiu sua finalidade.

25

TJRS, Agravo de Instrumento Nº 70050577105, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,

Relator: Ergio Roque Menine, Julgado em 27/09/2012.

26

STJ, REsp 1166208/PE, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/09/2012, DJe 18/09/2012. Acerca do tema: STJ, AgRg no AREsp 189.695/SE, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/08/2012, DJe 28/08/2012; STJ, AgRg no AREsp 105.129/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 14/08/2012, DJe 21/08/2012; STJ, REsp 1197415/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/08/2012, DJe 01/10/2012.

Não obstante, o valor arbitrado a título de multa, diário ou não, deverá guardar coerência com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, levando-se em consideração as especificidades do caso concreto, a fim de atingir, sobretudo, a efetividade da ordem judicial. Inclusive, é adequado fixar um limite temporal ou monetário para sua incidência, sob pena de mostrar-se excessiva e ainda proporcionar o enriquecimento sem causa da parte adversa, consoante termos do artigo 461,§6º do CPC27.

2.4 As astreintes e a previsão no Projeto de Lei do novo Código de Processo

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