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CAPÍTULO 2 – EDUCAÇÃO COMO “RECONSTRUÇÃO DA EXPERIÊNCIA” PARA JOHN

2. O QUE É EXPERIÊNCIA PARA JOHN DEWEY?

2.1. Experiência: definindo características fundamentais

2.1.3. Os princípios de continuidade e de interação

Um continuum, para John Dewey, é inerente à experiência. Se concebida como construção, ela não é simples, passa por um processo que envolve partes diferentes em situação de troca, visando uma reação futura, entre sujeitos ou entre o sujeito e os objetos que o circundam. A experiência é uma ação que deve ser compreendida em seu potencial, logo, não se deve reduzi-la à simplória definição de fazer ou praticar alguma coisa.

Que vale uma experiência que não deixe, atrás de si, uma significação ampliada, uma melhor compreensão de alguma coisa, um plano e um propósito mais claro de ação futura, em suma, uma idéia? Com respeito ao ensino, não existe ponto mais importante do que a questão da maneira pela qual genuínos conceitos são formados (DEWEY, 1959a, p.156).

Portanto, quando o autor menciona a necessidade de reflexão diante dos impulsos e desejos, pressupõe que é preciso pensarmos a continuidade das experiências que construímos. Sem um encadeamento de idéias, sem uma seqüência minimamente organizada dos acontecimentos que compõem a ação, agir-se-ia como “se escrevêssemos na água” (DEWEY, 1959b, p.153).

Esta é uma afirmação possível de ser avaliada no contexto em que atualmente nos encontramos, em que o imediatismo impera e privar-se dos desejos momentâneos e buscar interações mais duradouras parece ser uma tarefa quase impossível. Na era das comunicações, da tecnologia, da publicidade e da propaganda, do marketing, fica difícil pensar em situações que possam suscitar conseqüências encadeadas, reflexões e perspectivas de continuidade. Entretanto, afirma John Dewey: “Sem algum elemento intelectual não é possível nenhuma experiência educativa” (DEWEY, 1959b, p.158).

É justamente esta carência de continuum que fere diretamente a compreensão de educação como aperfeiçoamento humano pois, não havendo “aumento do nosso domínio sobre o meio,” não há emancipação, crescimento e experiência educativa. São pertinentes as palavras do autor para se definir o que é “Aprender da Experiência”,

especialmente em um momento histórico em que os discursos sobre educação focalizam a centralidade da criança e suas experiências no processo de escolarização:

‘Aprender da experiência’ é fazer uma associação retrospectiva e prospectiva entre aquilo que fazemos às coisas e àquilo que em conseqüência essas coisas nos fazem gozar ou sofrer. Em tais condições a ação torna-se uma tentativa; experimenta-se o mundo para se saber como ele é; o que se sofrer em conseqüência torna-se instrução – isto é, a descoberta das relações entre as coisas (DEWEY, 1959b, p.153).

Há um equilíbrio, o qual caracterizaria a ação inteligente da escola e que, muitas vezes, não é considerado; ele é importante, pois ilustra noções de progresso, movimento, objetivos, continuidade, os quais são relativos à experiência:

Um exemplo final do necessário equilíbrio entre o próximo e o longínquo se encontra na relação que se estabelece entre o campo mais restrito da experiência realizada no contacto pessoal de um indivíduo com outras pessoas e com as coisas, e a experiência mais ampla da raça, experiência de que o indivíduo se pode assenhorear através da comunicação (DEWEY, 1959a, p. 286-287).

Nesse processo, no qual há uma comunidade de pensamento, o aluno, intencionalmente dirigido, não só recebe o que é novo, bem como também tem criadas condições de agregar o desconhecido ao já conhecido, aventurando-se na construção do novo conhecimento e nas potencialidades que dali advêm.

Além disso, cabe atentar para outro elemento que aflora na dinâmica de estabelecer diferenciações entre os acontecimentos que passam e os que não passam (LARROSA, 2002). Existem os acontecimentos caracterizados como contínuos, ou seja, os que envolvem conseqüências e possibilidades de outras ações, e os acontecimentos que pouco nos auxiliam na continuidade, não tendo perspectiva de engajamento com o passado ou com situações futuras. O “continuum experiencial” para John Dewey é assim definido: “o princípio de continuidade de experiência significa que toda e qualquer experiência toma algo das experiências passadas e modifica de algum modo as experiências subseqüentes” (DEWEY, 1971, p. 26). Assim sendo, o valor de uma experiência varia e é aumentado na medida em que essa seja propulsora de relações e continuidades para o sujeito.

Além do princípio da continuidade, Dewey nomeia como fundamental na caracterização da experiência o princípio da interação, o qual abarca condições objetivas e condições internas, responsáveis por gerar aquilo que o autor chama de situação:

Os conceitos de situação e interação são inseparáveis um do outro. Uma experiência é o que é, porque uma transação está ocorrendo entre um indivíduo e o que, ao tempo, é o seu meio, podendo este consistir de pessoas [...] brinquedos [...] livros [...] ou materiais de uma experiência que estiver fazendo (DEWEY, 1971, p. 36-37).

Nesse sentido, tão importante quanto a continuidade, o princípio de interação é responsável pelo êxito da experiência. As trocas que alimentam as situações de vida dos indivíduos são a soma das condições objetivas e das condições internas e, de maneira alguma, podem ser desconsideradas: “O erro da escola tradicional não estava no fato de que os educadores tomavam a si a responsabilidade de prover o meio. O erro estava no fato de não considerarem o outro fator na criação da experiência, ou seja, as capacidades e os propósitos daqueles que iam ensinar” (Ibidem, p.39).

Baseado na assertiva de que toda a experiência humana é social e envolve contato e comunicação, o que vem reforçar aquilo que foi analisado até então, pode-se dizer que a educação para Dewey se dá na interação, nas trocas possibilitadas dentro do espaço escolar e que

A experiência não se processa apenas dentro da pessoa. Passa-se aí, por certo, pois influi na formação de atitudes, de desejos e propósitos. Mas esta não é toda a história. Toda genuína experiência tem um lado ativo, que muda de algum modo as condições objetivas em que as experiências se passam (1971, p.31).

Para o autor, existem fontes fora do indivíduo que não podem ser ignoradas, pois ajudam no acontecimento da experiência, e “essas nascentes a alimentam constantemente”. As diferentes situações que se constituem em nosso entorno são responsáveis pelo caráter das experiências que vivenciamos, afirma Dewey. Muito embora, seja importante considerar: “experiência somente é verdadeiramente experiência, quando as condições objetivas se acham subordinadas ao que ocorre dentro dos indivíduos que passam pela experiência” (Ibidem, p.33).

Portanto, não basta ao professor conhecer os domínios de sua sala de aula, do quadro negro e da matéria a ser lecionada, ele faz parte daquele grupo. Ao professor que tem em vista trabalhar com a experiência, cabe um exercício mais profundo de conhecimento da realidade em que está atuando. Ele tem a “responsabilidade especial de conduzir as interações e intercomunicações que constituem a própria vida do grupo, como comunidade” (Ibidem, p.54). Tudo isso, a fim de que elementos importantes da vida do aluno e de sua comunidade sejam investidos no processo educativo.

Pensando especificamente no espaço de sala de aula e, considerando a premissa deweyana de que é na relação interativa entre o adulto e a criança que vão sendo criadas situações de aprendizagem, podemos indicar que “a experiência, em sua força e função educativa,” tem, no princípio de interação, um grande aliado. Por acreditar e defender este princípio, Dewey faz sérias críticas aos moldes tradicionais de educação sobre os quais tange um saber livresco e intelectualista pautado na transmissão de conhecimento. Como pudemos perceber, ele defende uma “nova” visão de educação. Ou seja, aspectos sociais (situações do cotidiano, envolvendo a família, os momentos de interação na comunidade, para além da escola), da vida do aluno, passam a ter extrema importância na dinâmica da sala de aula.