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Capítulo I. A invenção da categoria desemprego, as relações sociais de sexo/gênero e o

1.5. Os problemas da mensuração do desemprego no Brasil

Conforme discutimos acima, o conceito de desemprego varia segundo o contexto em que é formulado. Uma mesma situação social – a perda do emprego/ocupação remunerada – visualizável em diferentes países, será definida diferentemente por cada um, de acordo com as regras específicas de regulação das relações de trabalho. Uma primeira observação a ser feita é sobre a noção de emprego. No mercado de trabalho brasileiro as duas figuras polares do mundo do trabalho - o desempregado e o assalariado regular - correspondem a apenas parte do conjunto da população trabalhadora (GUIMARÃES,

26Fonte: http://oglobo.globo.com/economia/governo-dificulta-regras-para-concessao-do-seguro-desemprego-

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2009a). Grande parte da população economicamente ativa trabalha no setor informal. A maioria deste contingente trabalha para um empregador e, mesmo sem registro em carteira, tem uma jornada de trabalho regular, devendo ser incluída na categoria dos empregados (IBGE, 2007, SEADE/DIEESE, 2012). Outra parte dos/as informais trabalha por conta própria (sem registrar-se) e sem uma jornada de trabalho contínua. E, entre estes/as, há ainda aqueles e aquelas que desenvolvem atividades esporádicas (bicos) e não é considerada empregada.

Outra questão importante no Brasil é a dificuldade, por parte dos organismos que desenvolvem pesquisas sobre o mercado de trabalho, em definir quem são os desempregados num mercado de trabalho em que a relação salarial formalizada não constitui a regra. No Brasil existem duas grandes pesquisas domiciliares - realizadas por amostragem – que fornecem os dados sobre o mercado trabalho. A primeira delas é a PME (Pesquisa Mensal de Emprego) aplicada pelo IBGE em seis Regiões metropolitanas (Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre). A segunda grande pesquisa brasileira sobre o mercado de trabalho é a Pesquisa Emprego/Desemprego - PED (realizada nas regiões metropolitanas de São Paulo, Belo Horizonte, Fortaleza, Porto Alegre, Recife, Salvador e Distrito Federal pelo DIEESE, em parceria com fundações públicas, sindicatos e órgãos governamentais locais). Especificamente em São Paulo, como já mencionamos em nota anterior, o DIEESE a realiza em convênio com a Fundação SEADE. Nas duas pesquisas, a diferença entre as metodologias utilizadas implica em formas distintas de interpretar as situações de ocupação e de desemprego. Para os dois institutos, a População Economicamente Ativa (PEA) compreende a parcela da População em Idade Ativa (entre 10 e 65 anos) classificada como ocupada (trabalhando) ou desocupada (à procura de emprego) no momento da entrevista. A PME considera desocupadas as pessoas em idade ativa que não tenham exercido nenhuma atividade e que tenham procurado trabalho27 por um período de referência de 30 dias (IBGE, 2007, p.19). Já as pessoas ocupadas são definidas como “pessoas que exerceram trabalho, remunerado

27 O IBGE define trabalho como “ocupação econômica remunerada em dinheiro, produtos ou outras formas

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ou sem remuneração, durante pelo menos uma hora completa na semana de referência, ou que tinham trabalho remunerado do qual estavam temporariamente afastadas nessa semana”. (IBGE, 2007, p. 20). Trata-se de uma definição ampla, que inclui vários tipos de situações de ocupação, desde aquelas com jornada de trabalho regular, até os/as trabalhadores/as que realizam suas atividades em condições extremamente irregulares e de maneira eventual. Já o subgrupo (dentro do contingente ocupado) nomeado pelo IBGE como “pessoas subocupadas por insuficiência de horas”, é definido da seguinte maneira:

“as pessoas que trabalharam efetivamente menos de 40 horas na semana de referência, no seu único trabalho ou no conjunto de todos os seus trabalhos, gostariam de trabalhar mais horas que as efetivamente trabalhadas na semana de referência e estavam disponíveis para trabalhar mais horas no período de 30 dias, contados a partir do primeiro dia da semana de referência”28.

Esta definição de subocupação, por ser também muito abrangente, também dificulta a caracterização das situações em que o trabalho é realizado de forma intermitente e casual (“bicos”). O IBGE inclui, assim, um contingente de indivíduos que trabalham de forma irregular dentro do total de ocupados, mascarando situações em que a perda do emprego e a fragilidade dos sistemas que amparam o/a trabalhador/a desempregado/a impelem–no/na a buscar um trabalho que, mesmo esporádico, lhe assegure a sobrevivência. É preciso ressaltar que grande parte dos/as trabalhadores/as (mesmo alguns/umas dos/as que desenvolvem ocupações não remuneradas), realiza suas atividades de modo relativamente estável, não podendo ser tratada da mesma maneira que o indivíduo que trabalha ocasionalmente.

O SEADE e o DIEESE não trabalham com a categoria desocupação e sim com a categoria desemprego, desmembrada em desemprego aberto (situação em que o/a trabalhador/a não trabalha e procura emprego, equivalente à categoria desocupação do IBGE), desemprego oculto por trabalho precário e desemprego oculto pelo desalento. Na segunda categoria incluem-se somente os /as trabalhadores/as eventuais em busca de emprego, pois a PED exclui do contingente ocupado aqueles/as que trabalham de forma

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excepcional. Deste modo, eles/as são contabilizados como desempregados/as, na modalidade desemprego oculto pelo trabalho precário (SEADE/DIEESE, 2012, p. 23).

Outra questão importante diz respeito ao desalento (situação em que o/a trabalhador/a desiste, após várias tentativas frustradas, de procurar trabalho). O IBGE, em 2001 introduziu duas categorias na PME: as “pessoas marginalmente ligadas à PEA” e as pessoas em situação de desalento. As “pessoas marginalmente ligadas à PEA” são pessoas

não economicamente ativas que, apesar de não estarem à procura de emprego na semana

de referência, desejam trabalhar e procuraram emprego nos últimos 365 dias. (IBGE, 2007, p. 21). As pessoas em situação de desalento estão incluídas nesse grupo. O problema que se apresenta aqui é que, apesar de reconhecer o direito dessas pessoas ao trabalho e sua disposição para trabalhar, o IBGE não as inclui no grupo dos/as desocupados/as, mas dos inativos/as.

A PED considera as pessoas desalentadas parte do contingente de desempregados/as (na categoria “desemprego oculto pelo desalento”) (SEADE/DIEESE, 2012, p. 23). Deste modo, procura separar do conjunto de ocupados/as aqueles e aquelas que, privados de ocupação, não conseguem se reinserir ou se inserem eventualmente no mercado de trabalho, em condições de extrema instabilidade.

Cabe esclarecer que, quando criticamos a metodologia do IBGE, isto não significa que os dados da PME devam ser descartados (e que não reconhecemos o esforço desenvolvido desde os anos 70 pelo Instituto no sentido de melhor apreender a realidade do mercado de trabalho brasileiro). Apenas queremos dizer que é preciso cautela no momento de analisar os dados relativos às taxas de ocupação e desocupação, levando em conta a inclusão, pelo instituto, dos/as desalentados/as entre os/as inativos/as e dos/as trabalhadores/as eventuais, entre os/as ocupados/as. Assim, quando olhamos para as taxas de ocupação divulgadas pelo IBGE, temos que estar atentos para o fato delas representarem, fundamentalmente, o desemprego aberto.

O mercado de trabalho brasileiro tem características particulares, ligadas à forma como se constituiu historicamente. É pouco estruturado, marcado pela informalidade e constituído por uma grande massa de trabalhadores/as sem acesso à seguridade social.

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Neste mercado, que tem dado mostras de estar em processo de estruturação, a experiência – masculina e feminina – do desemprego no Brasil apresenta-se como uma pluralidade de trajetórias, na qual as identidades das pessoas que perderam suas ocupações não podem ser determinadas a priori, como veremos a seguir.