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Os programas de reabilitação do patrimônio cultural.

Presidência Depto de patrimônio

5 A QUESTÃO AMBIENTAL NOS PROGRAMAS DE PRESERVAÇÃO PATRIMONIAL

5.2 Os programas de reabilitação do patrimônio cultural.

O planejamento urbano é visto como um importante instrumento na reordenação do espaço urbano, não por acaso, a Constituição vigente (1988), dedicou dois artigos (Artigos 182 e 183) para tratar do tema da política urbana146. Conforme mencionado acima, o Estatuto da Cidade de 2001 teve a relevância de regulamentar à política urbana explicitada na carta constitucional. No artigo 182, a política urbana é lembrada como único instrumento capaz de fazer valer as “funções sociais da cidade” garantindo “o bem-estar dos seus habitantes” (BRASIL, 1988).

Somente com o Estatuto da Cidade (2001) é que os termos desenvolvimento urbano sustentável, cidades sustentáveis e sustentabilidade passaram a fazer parte da política urbana e, por conseguinte, dos programas de reabilitação do patrimônio cultural adotado no Brasil. Principalmente, o Programa Monumenta e O PAC Cidades Históricas, programas surgidos no período da regulamentação da política urbana e na esteira da discussão sobre a defesa do meio

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Para um melhor entendimento sobre a relação entre planejamento participativo e razão comunicativa versus planejamento burocrático e razão instrumental, ver: SOUZA, Marcelo L. Mudar a Cidade: uma introdução crítica ao planejamento e à gestão urbanos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011, p. 38

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Cf. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/civil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm Acessado em 04 de janeiro de 2019.

ambiente. Por outro lado, no PCH (Programa das Cidades Históricas), em razão de sua elaboração ter sido realizada nos de 1970, a noção de cidades sustentáveis não estava prevista em virtude do tempo histórico em que fora concebido.

5.2.1 PCH – Programa de Cidades Históricas

Programa Integrado de Reconstrução das Cidades Históricas do Nordeste147. Foi com esta nomenclatura que surgiu o primeiro programa voltado para a requalificação do patrimônio cultural brasileiro. Gestado no ano de 1970, o programa se estendeu até o ano de 1979 quando já estava exclusivamente incorporada a gestão patrimonial do Iphan. Isto porque seu nascedouro não se deu originalmente na instituição do patrimonial, muito pelo contrário, o PCH (como ficou conhecido), foi formulado incialmente pelo Ministério do Planejamento tendo em vista um programa específico que pudesse recuperar as cidades históricas do Nordeste.

No entanto, o embrião do programa que perdurou por longos nove anos, ocorreu com um encontro entre governadores do Nordeste com o então Ministro da Educação e Cultural Jarbas Passarinho. Naquela ocasião, a reunião em Brasília pretendia realizar medidas que fossem necessárias à defesa do patrimônio histórico e artístico nacional148. Na fala do ministro que abriu a reunião, a revelação dos propósitos iniciais do programa “[...] apoio à política de proteção aos monumentos, à cultura tradicional e à natureza” (IPHAN, 1970, p. 01). No encontro, outro importante parâmetro lançado seria a descentralização das ações em defesa do patrimônio, ou seja, os Estados e os municípios teriam competências para assegurar a preservação. Tanto que o documento assinado previa que “[...] uma ação supletiva dos Estados e dos Municípios à atuação federal no que se refere à proteção dos bens culturais de valor nacional” (IPHAN, 1970, p. 02. Grifo nosso).

Nota-se, todavia, que nos anos de 1970, o ideal de um patrimônio cultural ainda estava atrelado aos valores culturais da época dos anos de 1930: fase heroica; década da fundação do Iphan. Neste período, como já foi salientado no texto, um bem cultural seria reconhecido caso

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Implantado em 1973, inicialmente estava voltado para as cidades históricos da Região Nordeste e, tempo depois, foi estendido a outras regiões do país. Seu propósito era bem específico: tornar os monumentos tombados economicamente viáveis através da reutilização dos monumentos históricos para a atividade turística.

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Cf. IPHAN. Compromisso de Brasília, de abril de 1970. Disponível em:

http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Compromisso%20de%20Brasilia%201970.pdf Acessado em 26 de dezembro de 2018.

o bem fosse um símbolo nacional e fosse capaz de expressar uma excepcionalidade. Este caráter pode ser atestado com a descrição do documento formulado em 1970 em Brasília. Afirma:

Sendo o culto do passado elemento básico da formação da consciência nacional, deverão ser incluídas nos currículos escolares, de nível primário, médio e superior, matérias que versem o conhecimento e a preservação do acervo histórico e artístico, das jazidas arqueológicas e pré-históricas, das riquezas naturais, e da cultura popular, adotado o seguinte critério: no nível elementar, noções que estimulem a atenção para os monumentos representativos da tradição nacional; no nível médio, através da disciplina Moral e Cívica; no nível superior com a disciplina de Arquitetura do Brasil (IPHAN, 1970, p. 04).

O Compromisso de Brasília, como ficou conhecido o documento assinado pelos governados e o corpo ministerial do governo federal, estava convencido de que o patrimônio cultural brasileiro se resumia ao bem cultural que simbolizasse a identidade nacional do povo brasileiro. Ainda que outras culturas tenham sido mencionadas no documento, porém, o início do programa se concentrou de fato no patrimônio cultural material nas cidades nordestinas fortemente vinculadas com fatos “relevantes” da história do Brasil.

Na mesma carta de compromisso assinada, o meio ambiente é citado no sentido de que os Estados e os municípios se esforcem no intuito de implantar os parques nacionais (IPHAN, 1970). Os parques nacionais e o patrimônio cultural, nos anos de 1970, conforme aponta a carta de Brasília, dissociava valores culturais e valores naturais. Ou seja, se reificava a política de separação entre os dois campos – cultura e natureza – no tocante a preservação do patrimônio. Neste período embrionário, a ideia de transformar o monumento histórico num ponto de atração turística ainda não estava em pauta. O que só veio ocorrer em 1973 quando a carta de compromisso se torna efetivamente em programa de Estado a partir da publicação da Portaria 050/73:

[...] restauração de [...] monumentos históricos, artísticos e expressões culturais do Nordeste; participação [...] de organismos governamentais, a níveis federal, estadual e municipal, direta ou indiretamente relacionados ao Programa; utilização prioritária desses monumentos por parte de organizações privadas [...] [do] setor turístico ou [...] repartições públicas, empresas paraestatais, autarquias ou bancos oficiais; formação de recursos humanos para a restauração e preservação [...] a nível universitário, a nível intermediário e operário; formação de pessoal especializado na criação artística e artesanal; complementação da infraestrutura física de acesso, serviços públicos e hospedagem na região; estímulo e recomendação aos Estados e Municípios para que concedam favores fiscais capazes de otimizar a restauração e manutenção de monumentos históricos e artísticos de suas

comunidades; promoção e divulgação de nossos monumentos de valor histórico e artístico, junto à comunidade municipal [...]; promoção e divulgação dos mesmos monumentos a nível nacional e internacional [...] (BRASIL, 1973, p. 2-4, grifo nosso)

Na trajetória de existência do PCH mudanças foram ocorrendo ao longo de suas atividades. Como, por exemplo, a inclusão do turismo como finalidade principal do projeto tendo em vista a qualificação da infraestrutura física para impulsionar a atividade. Acreditava- se na capacidade do setor para a geração de renda e, por conseguinte, na autossustentação dos municípios com a infraestrutura requalificada. Essa noção de autossustentabilidade não pode ser entendida como desenvolvimento sustentável que passaria a ser adotado nos anos de 1990 para designar cidades com qualidade de vida, pois o termo surgiu com o Relatório Nosso Futuro Comum em 1987149

, enquanto que a ideia de autossustentação que o PCH previa era em decorrência dos municípios terem capacidade de gerenciar a renda advinda do setor turístico que estava em evidência no Brasil.

Para entender a importância do PCH é necessário analisar o contexto de sua implantação nos anos de 1970. Desde os anos de 1960 que a Unesco recomendava para o uso do patrimônio cultural para fins turísticos, certamente em razão da forte expansão do turismo como um fenômeno mundial e que cuja experiência europeia estava sendo considerada, naquele momento, como bem sucedida (AGUIAR, 2016). Assim sendo, nos anos de 1966-67, vem ao Brasil em missão especial para avaliar o potencial do patrimônio brasileiro o especialista da Unesco Michel Parent. Sua visita rendeu um relatório de 125 páginas apontando a rentabilidade do patrimônio cultural e natural do Brasil. Num trabalho que lhe rendeu dois anos, Michel Parent esboçou um plano que pudesse envolver o planejamento urbano brasileiro e a atividade turística. Como é possível de ver no quadro 5, abaixo o sumário de seu relatório encomendado pela a Unesco e apropriado pelo governo brasileiro:

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Cf. CAMARGO, Ana Luiza de Brasil. Desenvolvimento Sustentável: dimensões e desafios. Campinas, SP: Papirus, 2003. – (Coleção Papirus Educação).

Quadro 5: Sumário da 1º parte do Relatório de Michel Parent encomendado pela Unesco – 1968 PROTEÇÃO E VALORIZAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL BRASILEIRO NO ÂMBITO

DO DESENVOLVIMENTO TURÍSTICO E ECONÔMICO.