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Presidência Depto de patrimônio

DO DESENVOLVIMENTO TURÍSTICO E ECONÔMICO Michel parente (tradução de Rejane Mª Lobo Vieira)

E) A PROTEÇÃO DA NATUREZA NO BRASIL

5.2.2 Programa Monumenta

Tão controverso quanto o PCH, o Programa Monumenta surgiu nos anos de 1990 após um intervalo de pouco mais de uma década entre o fim do Programa das Cidades Históricas (PCH) e sua fase de gestação em 1995. E, assim como ocorreu com o PCH nos anos 70, o Monumenta procurou desenvolver seus projetos a partir de um pacto federativo de modo que os municípios teriam papel de protagonismo na aplicação do projeto, administrando, inclusive, um fundo municipal com o fito de assegurar a manutenção do bem patrimonial requalificado.

O Monumenta foi um programa que procurou inovar do ponto de vista conceitual no tocante à reabilitação dos centros históricos e inovando do ponto de vista político uma vez que transcorreu por dois governos federais – governo FHC e governo Lula – sofrendo transformações em suas diretrizes a partir da passagem de um governo para o outro. Deste modo, podemos concluir que o Monumenta durou 15 anos, pois teve início em 1995 e findou em 2010. No entanto, ao longo deste longo período, o Programa Monumenta passou por fases

que dão a tônica das mudanças vividas pelo programa. O Monumenta, portanto, pode ser dividido em três fases, de acordo com a Figura 9 abaixo:

Figura 09: As fases do Programa Monumenta. Fonte: Elaboração do autor, 2018.

A primeira fase, que corresponde aos anos de 1995-96, consistiu no momento de implantação das ideias do programa definindo suas diretrizes e as competências que cada ator institucional deveria assumir no projeto. Nesta fase, os conflitos entre o Iphan e o BID152 acontecem em razão da “ingerência” do banco internacional na política de preservação brasileira.

A segunda fase, que vai de 1997 a 2003, predominou o modelo “imposto” pelo BID, ou seja, o viés econômico do programa. A ideia do BID era de que as intervenções nos centros históricos ocorressem de forma particular nos monumentos (históricos) tendo em vista a viabilidade econômica dos edifícios tombados para atender a atividade turística sem que necessariamente houvesse uma vinculação com o entorno do centro histórico reabilitado.

A terceira fase, ocorrida entre os anos de 2004 a 2010, é marcada por mudanças no desenho do projeto. Primeiramente em relação ao novo papel do Iphan, que passou a exercer o

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Inter-American Development Bank (IDB), é uma instituição financeira responsável por financiar projetos econômicos, sociais e institucionais na América Latina. O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) esteve por trás do financiamento do Programa Monumenta, sobretudo na primeira e na segunda fase.

1995-96

• Primeira Fase:

• O "desenho" do Programa Monumenta.

1997-2003

• Segunda Fase:

• A influência do BID no Programa e o viés econômico.

2004-10

• Terceira fase:

• Inclusão de atores institucionais e um discurso social ao

controle do programa revisando as diretrizes da primeira fase. Sob a gestão do Iphan, o Programa Monumenta inclui novos atores institucionais ao projeto, intensifica a descentralização política ao empoderar os municípios e introduz um discurso social em detrimento do discurso econômico que predominou no projeto nas primeiras fases. Nesta terceira fase, o programa procura vincular a recuperação dos centros históricos às demandas sociais da cidade como um todo. O discurso do desenvolvimento econômico é substituído nas diretrizes do programa pela ideia de desenvolvimento social.

O Programa Monumenta surgiu da parceria em o Governo Federal, a UNESCO e o BID. Sendo seu financiamento vindo do BID. Este programa objetivava a construção de políticas públicas no Brasil. Os municípios participantes deveriam conter sítio tombado em nível federal ou conjunto incluído na lista de prioridades estabelecida pelo programa [...] ao longo deste programa, o país passou por importantes mudanças políticas e com isto, houve a necessidade de serem feitas mudanças no desenho institucional do programa e isto gerou um maior contato com os programas nacionais de desenvolvimento e do Iphan. Além da restauração empreendida, foram executados projetos de desenvolvimento de atividades econômicas, de qualificação profissional e de educação profissional nas cidades históricas (COLVERO et al, 2018, p. 663-664)

O Monumenta pode ser abordado como um projeto desafiador, em comparação com o PCH devido ao fato de que diferentemente deste programa dos anos de 1970, não contava com um ator institucional como o BID que não apenas financiava o projeto como também exercia influencia a respeito das diretrizes do projeto. O BID se inspirava na experiência vivida em Quito, no Equador, cuja cidade, e principalmente seu centro histórico, fora destruído pelo terremoto que assolou a cidade nos anos de 1980. Assim sendo, o BID financiou a recuperação do núcleo histórico da capital equatoriana de 1991 a 1994, tendo sido considerada bem sucedida153.

Outro ponto importante que evidencia a diferença entre o PCH e o Monumenta é a cobertura do programa em relação às cidades históricas. O PCH foi implantado para atender, inicialmente, as cidades nordestinas. Já o Monumenta foi projetado para assistir as cidades históricas de todo o território nacional. E, devido às intenções do Programa Monumenta, o

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Neste aspecto, “[...] O programa de reabilitação do centro histórico de Quito visou revitalizar as atividades comerciais e os serviços tradicionais, garantindo o acesso da população ao patrimônio edificado” (FUNARI; PELEGRINO, 2006, p. 41). In: Patrimônio Histórico e Cultural. Rio de Janeiro: Zahar, 2006.

aporte de recursos foi maior do que o PCH e até mesmo em relação ao seu sucessor, o PAC Cidades Históricas.

Segundo dados da Controladoria Geral da União (CGU), avaliados ao final do programa em 2010, foram destinados 149,3 milhões de reais no projeto ao longo dos 15 anos. Entretanto, se o programa tinha como finalidade o fortalecimento institucional, criando uma cultural política de diálogo entre vários setores da administração pública e, por conseguinte, uma interação com o setor privado. Aos poucos, foi sendo concedido ao poder municipal todo o protagonismo na política pública de desenvolvimento urbano através do fomento à cultural patrimonial. No final, os resultados do Programa Monumenta evidenciaram o quão frágil é a estrutura burocrática e administrativa do país na execução de um projeto grandioso. Conforme figura 10, abaixo:

Os dados da CGU154 apontam para as dificuldades do programa em tornar o grande aporte financeiro do projeto em um empreendimento eficaz do ponto de vista da gestão pública. Um projeto que envolvia atores institucionais do órgão público, Iphan, Minc e Ministério do Planejamento, atores institucionais externos, BID e Unesco e, por fim, a Caixa

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Cf. Disponível em: http://www.cgu.gov.br/noticias/2015/06/cgu-avalia-programa-de-preservacao-do- patrimonio-historico-e-artistico-nacional Acessado em 22 de dezembro de 2018.

44%

37%

19%

Figura 10 : Monumenta - Resultados Investidos Fonte: CGU, 2018.

Econômica, órgão responsável para garantir o fundo municipal de financiamento para os municípios e, a CGU como órgão de controle e fiscalização. Toda esta estrutura pretendia alimentar o protagonismo municipal, pois, estava nas diretrizes do projeto a participação social na consecução das obras dos bens culturais das cidades. Portanto, o Programa Monumenta se caracterizou por ser um projeto de desenvolvimento urbano cujo propósito seria tornar as intervenções urbanas mais sustentáveis.

Porém, o ponto de inflexão do programa se deu em 2004 com a mudança de governo. É importante compreender o contexto político e econômico a qual surgiu o programa e sua transformação conceitual com a mudança do contexto em 2004. Quando foi instituído no final da década de 1990, o Monumenta havia sido considerado uma sugestão do BID ao governo de Fernando Henrique Cardoso em decorrência do estágio de degradação dos centros históricos das cidades tombadas. Portanto, a gestão do programa ocorria fora da esfera de poder do Iphan, o que gerava muitos conflitos entre os dois atores institucionais (BID e Iphan).

O Monumenta foi implantado num governo cujo contexto econômico estava caracterizado pela discussão do neoliberalismo na economia. A pouca participação do Estado em sua execução era tratada como bem vinda, por isso foi destinado ao Iphan à função de dar apoio técnico ao projeto. O projeto previa incentivar os cidadãos detentores das propriedades de imóveis históricos a restaurarem seus bens (edifícios) tendo em vista o discurso do turismo cultural desde sempre presente no programa. A prova esta na linha de financiamento que o programa criou para que os proprietários dos imóveis pudesse tomar a iniciativa da recuperação de seus bens:

O financiamento para a recuperação dos imóveis privados pode ser o instrumento adequado para o Iphan resolver este tipo de problema (risco de desabamento, ruína), uma vez que oferece aos proprietários e usuários uma alternativa viável para conservar seus imóveis e coloca-los novamente em uso (DIOGO, 2009, p. 24).

Esta concepção atenderá ao pré-requisito de um projeto que levava em conta a viabilidade econômica do bem histórico recuperado para atração turística considerada como fonte de renda para o município. Neste tocante, O Monumenta e o PCH se assemelham no conceito de que as cidades históricas são viáveis economicamente desde que atendam ao setor do turismo cultural. No caso do Monumenta, de 1995 a 2003, portanto, nas suas duas primeiras fases, o viés econômico teve um peso muito forte na ação do projeto.

Ao adotar este discurso econômico, o Monumenta transforma o valor do bem cultural num valor utilitário como apontaram seus críticos. No início, o programa reforçou o discurso não só da mercantilização do bem cultural, mas da concepção de que o patrimônio cultural se limitava ao monumento histórico, tanto que a nomenclatura do projeto é chamada de Monumenta, uma alusão anacrônica de que o patrimônio cultural é um monumento, ou seja, isolado e alinhado a algum fato histórico nacional. Somente a partir de 2004 é que as diretrizes do programa são revisadas e o viés econômico é substituído para um viés mais social e ambiental. A crítica conceitual do programa gestado pelo BID no princípio de sua implantação no Brasil dizia que:

Apesar do valor positivo desses projetos, pautados pela transformação do patrimônio em áreas de interesse turístico, a implantação de programas dessa natureza deve escapar à tentação de reduzir o patrimônio a “cenários” da indústria cultural e à logica do entretenimento, dissociando toda a fruição dos bens culturais da memória social e histórica (FUNARI; PELEGRINI, 2006, p. 53-54).

A terceira fase do programa deve ser analisada sob o prisma de outra lógica. Se no governo FHC o contexto neoliberal impôs um modelo de preservação a partir da desregulamentação do Estado, onde o papel do Estado era de pouca interferência no programa, porém, com a ascensão do governo Lula, o Estado passa a ter uma função diferente na política de preservação no programa Monumenta. Ao Iphan é concedido maior poder na formulação e organização do programa conservando algumas linhas-mestras do início do programa, na medida em que outras diretrizes são substituídas pela nova fase que o Monumenta passa a assumir.

Neste caso, o Iphan inaugura uma nova relação com o Ministério da Cultura, o Ministério das Cidades e o Meio Ambiente a fim de realizar mudanças na concepção do programa. Ou seja, se antes o programa estava muito associado à ideia de um modelo de preservação mercantil, no sentido de entender o bem cultural como um bem utilitário para fins exclusivamente turístico, agora, o programa é considerado um projeto estratégico de desenvolvimento conduzido pela ação do Estado.

A partir desse momento tanto a dimensão tangível quanto a dimensão intangível do bem cultural são levados em conta como uma só unidade. Bem como o conceito de sustentabilidade passa a ser introduzido no programa tendo em vista a noção de integração

que no seu início não havia. Se a sustentabilidade abordada no início do projeto previa o crescimento econômico como consequência do turismo cultural promovido pelas intervenções apenas no patrimônio material de valor histórico, com o advento da terceira fase do programa, a ideia de sustentabilidade se aproxima dos preceitos objetivados pelo ecodesenvolvimento155. Isto é, a ideia de que a sustentabilidade compreende cinco dimensões que se inter-relacionam entre si de modo que se apoiam mutuamente. Ver figura 11, abaixo:

Figura 11: As cinco dimensões de sustentabilidade Sachs Fonte: Sachs, 1993. Adaptado.

O Monumenta, desde 2004 até seu término, tentou do ponto de vista econômico realizar uma alocação eficiente dos recursos e do ponto de vista social objetivou integrar a sociedade local no projeto capacitando a população local. No tocante a questão cultural visou integrar cultura material a cultura imaterial e no que se refere à dimensão espacial foi incorporado a um plano estratégico de desenvolvimento urbano. E, no que diz respeito à dimensão ecológica, procurou se adequar ao discurso ambiental. Deste modo, visando se tornar num programa com múltiplas dimensões, desde 2005 o Iphan tem publicado cadernos

155Ecodesenvolvimento, um conceito desenvolvido nos anos de 1970 por Ignacy Sachs. Cf. SACHS, Ignacy.

Caminhos para o Desenvolvimento Sustentável. Rio de Janeiro: Garamond, 2009, p.

Sustentabilidade Econômica Sustentabilidade Social Sustentabilidade Espacial Sustentabilidade Ecológica Sustentabilidade Cultural

técnicos que evidenciam a ação do programa em vários segmentos do patrimônio cultural. Como pode ser notado na figura 12 abaixo

Figura 12: Publicações dos cadernos técnicos do Monumenta Fonte: Iphan, 2018. Adaptado.

Os cadernos técnicos do Programa Monumenta evidenciam a preocupação com o conjunto urbano, o acervo e, como pode ser constatado no caderno nº 9, com a mobilidade urbana e seus espaços públicos nas cidades históricas. Num comparativo entre duas cidades históricas do Nordeste, consideradas Patrimônio Mundial156, pode-se perceber como um programa destinado ao patrimônio cultural exerceu o papel de instrumento de política pública

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No caso de São Cristóvão o título de Patrimônio Mundial se refere ao Conjunto Arquitetônico da Praça São Francisco.

de reordenação urbana, sobretudo em São Cristóvão em Sergipe e em Olinda no Estado de Pernambuco.