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4. PROJETOS DE VIDA E CAMPO DE POSSIBILIDADES DOS JOVENS ESTUDANTES

4.3. OS PROJETOS PARA ALÉM DA VIDA PROFISSIONAL

Até aqui foram expostos os projetos de vida dos jovens, com ênfase na carreira profissional que esses escolheram. Nessa seção, serão apresentadas as narrativas dos projetos de vida dos indivíduos que destacaram outras situações em seus projetos, para além da questão da profissão. Muitos dos jovens, que já foram abordados, declararam que tem sonhos, de cunho afetivo-amoroso ou familiar, por exemplo, como casar e ter filhos. Mas nos planos para o futuro, manifestados pelos estudantes da presente seção, essas questões, que não dizem respeito à expectativa de carreiras, se sobressaíram. Não que os outros não tenham feito essas considerações, mas esses deram uma importância maior a tais aspectos.

Como foi o caso de Raul, do primeiro ano, que já foi mencionado nesse capítulo. Ele apresentou seu projeto profissional de ser agrônomo ou engenheiro ambiental, morar no meio rural, mas com “uma família do lado”. Ele, desde muito novo, sonha em encontrar uma companheira, casar e ter filhos:

[...] eu sou uma pessoa, assim, como posso dizer, entre aspas, como você falou, o jovem rural. Então, assim, eu tenho a cabeça nisso, eu gosto de criança, eu gosto de família, uma pessoa do meu lado que possa me entender, que eu possa estar desabafando, falar a minha vida toda pra ela. Então, assim,

eu sou desse tipo (ENTREVISTA COM UM DOS ESTUDANTES DA EFAP, 2013).

Suelen, do segundo ano, logo que foi questionada acerca de qual é o seu desejo para o futuro, ela respondeu, de antemão, que deseja se casar com seu atual namorado:

“Primeiramente eu pretendo casar no ano que vem” (ENTREVISTA COM UMA DAS

ESTUDANTES DA EFAP, 2013). Depois que ela se casar é que pretende fazer o curso de Biologia e se mudar para Ipatinga-MG, saindo da zona rural, onde mora atualmente. Ela acredita que na cidade tem mais oportunidades de emprego e é melhor para se viver. Seus planos se resumem, portanto, em ser bióloga e se casar. Para tanto, a jovem tem muito apoio dos pais. A EFAP tem importância razoável para a concretização do seu sonho, pois ela influenciou na sua intenção de ser bióloga e, além disso, ela conheceu o seu atual namorado no trajeto para escola, como pode-se perceber por meio de sua declaração:

É porque ele trabalha onde a gente parava para lanchar, no meio do caminho [risos]. [...] Aí eu acho que a escola tem um papel bem importante, que se eu não tivesse vindo pra escola, eu não teria conhecido ele. (ENTREVISTA COM UMA DAS ESTUDANTES DA EFAP, 2013).

Alice e Iara são duas irmãs, matriculadas no terceiro ano, que deram significativa relevância à realização pessoal na elaboração de seus projetos individuais. Nesse caso, pode-se inferir que a própria educação familiar, parte do campo social em que elas vivem, pode ter sido tomada como referência para seus planos, ou seja, a família pode ter sido muito relevante para a configuração dos seus projetos de vida. Em linhas gerais elas querem constituir família e ter uma casa. As duas manifestaram, contudo, que, antes disso, desejam ser mulheres independentes. Então, mesmo com a ênfase dada à escolhas de ordem afetivas e pessoais, elas também pretendem realizar um curso superior – Biologia Marinha e Zootecnia – e ter uma profissão. “Quando eu me tornar independente, uma mulher com o meu emprego, com meu estudo, eu quero casar

e montar minha família” (ENTREVISTA COM UMA DAS ESTUDANTES DA EFAP,

2013).

Já Túlio declarou várias vezes, na entrevista e em conversas informais, que estava com planos de mudar para outra cidade, pois havia conhecido uma moça e estava apaixonado. Ele declarou que estava disposto a mudar todo o trajeto da sua vida para ficar ao lado dessa pessoa. Inclusive, podia até postergar o seu sonho de ser agrônomo

pelo seu relacionamento. Dessa forma, seus planos consistiam em mudar para a cidade da moça no final do ano de 2013 e começar a trabalhar. Num segundo momento ele retomaria seu projeto de tornar-se um agrônomo. Para ele, não há nada mais significativo no mundo, para um homem, do que constituir família:

“o fato de eu tá na roça desde novo, [...] então, eu vou crescendo, pensando

naquilo, em construir uma família, de poder ter uma companheira, de poder ter meus filhos e de poder passar tudo aquilo que o meu pai passou pra mim,

pros meus filhos. Entendeu? Morar na roça,...” (ENTREVISTA COM UM

DOS ESTUDANTES DA EFAP, 2013).

A ideia de Túlio é poder conciliar sua união com os estudos, uma vez que ele só se sentirá realizado quando for um engenheiro agrônomo. Assim que ele se firmar em sua carreira profissional e conseguir proporcionar conforto para sua família, Túlio declarou que pretende voltar para o meio rural, em sua cidade natal, pois ele tem afinidade em trabalhar com a terra e se sente capaz de se tornar um agricultor.

Outro projeto de vida que tem relevância, por ser impulsionado pela afetividade, é o de Bianca, uma jovem do terceiro ano que contou que iria se casar. Já estava com o noivado e o casamento marcado. Esse relacionamento para ela, também era um meio de poder sair de casa, pois a estudante contou que morava a uma longa distância da cidade, o que a impedia de ter acesso a várias coisas, como o próprio estudo. Segundo Bianca, se ela tivesse que tirar carteira de habilitação, por exemplo, teria que andar até a cidade mais próxima, que fica a cerca de 30 km de onde morava com os pais. O casamento para essa jovem, portanto, além de ser movido por questões de ordem afetiva, também foi uma estratégia, uma conduta organizada, para ela conseguir alcançar outras finalidades, como estudar, trabalhar, etc.

Os estudantes apresentados nessa seção, coincidência ou não, são todos jovens que vivem no meio rural. Esses relatos, portanto, podem se relacionar com a representação do jovem rural, mapeada no segundo capítulo do presente estudo, como um sujeito cuja vida adulta – o casamento, os filhos, o trabalho, etc. – chega mais cedo, ou seja, a abordagem do jovem rural que quer se casar e constituir família e que é mais responsável do que o jovem urbano. Nesse caso, ainda foi possível perceber, mais claramente em um dos casos, que para além do interesse e da afetividade, o matrimônio ainda se configura como uma estratégia de reprodução da vida material de algumas mulheres no meio rural.