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De certa forma, pelos textos precedentes, ficou afirmado que onde existiu o escravismo moderno, houve ajuntamentos e rebeliões de escravos negros insurgindo-se contra a desumanidade do sistema escravista colonial e duramente repressor. A bem dizer, esse movimento típico dos escravos nas Américas, pode ter se iniciado através do banzo e do suicídio que se sucediam nos porões de navios tumbeiros onde os africanos já se rebelavam mas eram reduzidos à escravidão até sob o pretexto de que ganhariam a salvação eterna ao serem batizados pela religião oficial(1).

Foi porém ao pisaram neste lado do Atlântico como escravos que conseguiram conspirar e ampliar sua luta contra os senhores e o sistema que os escravizava, deixando “marcas” profundas de sua presença e de sua cultura nesse “novo mundo” de que falam Arthur Ramos e Roger Bastide(2), ao articularem-se sobretudo em quilombos. Segundo o historiador João José Reis, a primeira grande rebelião escrava no Novo Mundo parece ter sido feita pelos cativos de Diego Colombo, filho do “descobridor” Cristóvão, no Natal de 1522”, ainda acrescentando:

“No Brasil não se tem notícias de rebelião negra importante durante as primeiras décadas da civilização do açúcar”(3).

Nesse âmbito americano, aliás, o sociólogo e historiador Clóvis Moura não deixa dúvidas, acentuando que:

“Na Colômbia, Cuba, Haiti, Jamaica, Peru, Guianas, finalmente onde quer que a escravidão existisse, o negro marrom, o quilombola, portanto, aparecia como sinal de rebeldia permanente contra o sistema que o escravizava. Em Cuba, eram os palenques, muitos deles famosos. Às vezes - escreve Fernando Ortiz -, os escravos fugitivos reuniam-se em locais ocultos, montanhosos e de difícil acesso, com o objetivo de se fazerem fortes e viverem livres e independentes, conseguindo, em alguns casos, o estabelecimento de culturas à maneira africana e constituir até colônias quando conseguiam unir-se a alguns negros forros cimarrones, o que era freqüente. Os escravos, em tal estado de rebeldia, diziam-se apalencados e os seus retiros, palenques”(4).

No Haiti, não foi diferente, onde, aliás, ocorreu a primeira rebelião escrava mais notável das Américas, em 1791, postulando uma República, realmente bem - sucedida, só tendo como similares a série de rebeliões islâmicas na Bahia, no Brasil, ocorridas de 1808 a l835, sem se omitir, evidentemente, a memorável República de Palmares.

A revolta escrava de São Domingos esteve intimamente ligada às figuras africanas do culto (religioso) vodu, assim como à cena política nacional e até internacional, como a Revolução Francesa. Os escravos negros daquela área da ilha do São Domingos, comandados pelo corajoso

quilombola Toussaint L Ouverture, transformaram os núcleos de negros refugiados nas florestas “no fermento mais importante das forças que iriam conquistar a sua independência”, nenhum historiador podendo negar que desde a primeira revolta de Makantal, em 1758, “até a libertação do país, em 1808, os negros rebeldes são o contingente e militar mais importante dessa luta”(5), o mesmo tendo ocorrido na Venezuela, mesmo que em proporções bem menores.

Na Colômbia, como de certo modo ocorreu noutros países sul-americanos e da meso-américa, há uma sucessão de palenques, destacando-se como o mais famoso o San Basílio, no século XVII, liderado pôr Domingo Bioho, que se proclamou Rey Benkos.

No chamado México colonial e nas Guianas, o mesmo fato pode ser registrado, sendo que na Guiana Francesa, um conjunto de quilombos, os “Busch Negros”, ainda sobrevive. No Panamá, temos o exemplo de Bayano, que liderou um quilombo com quilombolas dos mais “agressivos”, colocando em pânico as autoridades coloniais espanholas até que foi capturado, morrendo em uma masmorra na Espanha(6).

Com relação aos Estados Unidos, os quilombolas também ofereceram uma contribuição vital à luta negra contra a escravidão, cujo destaque histórico só mais recentemente vem sendo reconhecido como realmente merece, consoante esclarece Haptaker, citado por Clóvis Moura(7), através de um inventário minucioso das revoltas escravas naquele país, sendo também elucidativas as coerentes

informações do historiador Eugene Genovese, esclarecendo a respeito o seguinte:

“Os quilombolas dos Estados Unidos escreveram páginas heróicas e ofereceram uma contribuição vital à luta negra contra a escravidão, mas, devido às circunstâncias, seu impacto teve de permanecer modesto. Até mesmo os núcleos indígenas que davam refúgio aos negros absorveram-nos de tal maneira que os separaram dos escravos, tanto no plano cultural quanto físico. No fim do século XVIII o perigo de que uma atividade quilombola em larga escala pudesse fomentar revoltas significativas de escravos havia passado, embora a atividade quilombola continuasse a alimentar os temores dos brancos”(8).

Mencionem-se como revoltas mais importantes nos estados norte-americanos de fala inglesa as que ocorreram na cidade de Nova Iorque, em 1712; em Stono, Carolina do Sul, em 1739; no sul de Lusiana, em 1811, e no condado de Southampton, Virgínia, sob o comando de Nat Turner, em 1831(9).

Na América Latina e no Caribe, a bibliografia básica de estudo da escravidão e de revoltas e rebeliões de escravos, até o ano de 1989, já arrola mais de 1.6OO títulos de livros e artigos publicados, sem inclusão de teses universitárias e textos ou comunicações ainda inéditas, incluindo-se também nesse rico acervo áreas não-ibéricas do Caribe(10).

Além das várias formas de protesto e rebeldias dos escravos, a bibliografia básica, teve como temário, o tráfico de escravos, sobretudo no que diz respeito a seu impacto econômico e demográfico; os aspectos econômicos da escravidão, na sua diversidade regional, setorial, ocupacional e conjuntural; as estruturas demográficas da escravidão, com particular atenção à questão da família; os processos abolicionistas e de transição para outras formas de trabalho e, inclusive, embora não apareça de forma destacada na organização temática, a formação de culturas afro- americanas autônomas ou pelo menos claramente diferenciadas(11).

De fato, um dos elementos na reformulação analítica da escravidão, nas últimas décadas, tem sido a recuperação do escravo enquanto agente ativo no processo histórico, rejeitando-se ou redimensionando-se posturas anteriores que reduziam o escravo a “figurante mudo”, vítima passiva ou, num outro extremo, revolucionário(12).

É assim que, sempre destacando a resistência dos escravos negros nas Américas, de forma geral ou específica em cada país, dentre outros títulos, podem ser enumerados(13): nos Estados Unidos, Ämerican Negro slave revolst, de Herbert Aptheker(1952); O Poder Negro em Revolta, de Claude M.Lightfoot(1969); O Negro na Vida Américana, de Mabel Morsbach(1969); O Moroons Societies, de Richard Prisce(1979); “Da Rebelião à Revolução, de Eugene Genovese(1983); Stanley Elkins - Slavery, a problem in

American institutional and intellectual life, 2. ed., Chicago Press, (1974).

Na América do Sul: América Latina: Males de Origem, de Manoel Bomfim(1.905); América do Sul, Escravidão Negra e História da Igreja na América Latina e no Caribe-CEHILA, Trad. Luiz C. Nishiura(1987); Pan-Africanismo na América do Sul: emergência de uma rebelião negra, de Elisa Larkin Nascimento(1981); Manuel Moreno Fraginals - Aportes culturales y desculturación, in África en América Latina, dir. por M. Moreno Fraginals, México, (1977); Negres marrons et negres libres, de Roger Bastide(1965); Presencs y fuerza del esclavo africano em America: trata, mano de obra y cimarronaje, de Enriqueta Vilar Vila, 1986; referindo-se ao México, Rebeliones Cimarronas y esclavs en los territorios españoles, de José Luciano Franco(1981); Cuba, já com ricas fontes, Las Rebeliones de los afro-cubanos, de Fernando Ortiz(1921); Uruguai, Negros rebeldes y negros cimarrones: perfil afro en la historia del Nuevo Mundo durante el siglo XVI, de Carlos Federico Guillot(1.961).

Venezuela(14), já com rica listagem de informações, “Insurrección de los negros de la Serranía de Coro”, de Manuel Pedro Arcaya(1949); “Las Insurrecciones de los esclavos negros em la sociedad colonial venezolano”, de Federico Brito Figueroa(1961); Colômbia, que também já oferece rica listagem, “Palenque, primer pueblo libre de América”, de Roberto Arrazola(1970); Paraguai, “La escavitud en el Paraguay: el resgate del esclavo”, de Josefina Pla(1974);

Bolívia, “Esclavos negros en Bolívia”, de Alberto Crespo Rodas(1977); Chile, “La presencia africana em Chile”, de Virginia Vidal(1982); Argentina, onde os estudos de revoltas e rebeliões negros ainda exigem maior pesquisa, “Negros libres rioplatenses”, de Ricardo E. Molas Rodriguez(1961); Peru, “Poder blanco y resistencia negra en el Perú”, de Denys Cuche(1975); Equador, “El problema de las poblaciones negroides de Esmeraldas, Ecuador”, de José Alcina Franch(1974).

No Caribe Francês(15), com razoável informação bibliográfica, “Los cimarrones de la frontera de Saint-Domingue: Maniel”, de Yvan Debbasch(1981). Caribe Inglês,já com rica informação bibliográfica sobre resistência, rebeliões, fugas e quilombos, “Rebels without Heroes: Slave Politics in Seventeenth Centure”, de McD Hilary Beckles(1983); “Black Rebellion in Barbados: The Struggle Against Slavery, 1627-1838”, do mesmo autor. Caribe Holandês, com razovel informação bibliográfica sobre o tema enfocado, “Wolfert Simon van Hoogenheim in the Berbice Slave Revolt of 1763-64”, de Bárbara Blair(1984).

Ilha do Caribe, Porto Rico(16), citem- se: “El Rey Miguel : Héroe puertorriqueño em la lucha por la libertad de los esclavos”, de Ricardo Alegria(1978); “La primera Rebelión de esclavos negros libres en Puerto Rico y América”, de Jalil Sued-Baillo.

República Dominicana(17), “Insurrección de los esclavos negros”, de José Nuñez de

Caceres(1964); “La Rebelión de los esclavos de Boca Nigua”, de Juan José Andreu Ocariz(197O); “La primera abolición de la esclavitud en Santo Dimingo”, de Frank Moya Pons(1974).

No Brasil, onde não existe estado federado sem a presença de quilombos, de fugas, rebeliões e outras formas do protesto negro, foram essencialmente estudadas nos seguintes livros: Brasil: as Raízes do Protesto Negro”, Rebeliões da Senzala e Dialética Radical do Brasil Negro, de Clóvis Moura; Palmares: A Guerra dos Escravos”, de Décio Freitas; Rebelião Escrava no Brasil: a história do levante dos malês(1835), de João José Reis; Rebeldia Negra e abolicionismo, de Lana Lage da Gama Lima(1981); O Quilombo de Palmares, de Édson Carneiro(1947); O negro no Pará, de Vicente Salles(1971); Negros e Quilombos em Minas Gerais, de Waldemar Barbosa(1972); Uma Negação da Ordem Escravista: quilombos em Minas Gerais no século XVIII, de Carlos Magno Guimarães(1983); Sombra dos Quilombos: introdução ao estudo do negro em Goiás, de Martiniano J. Silva(1974).

Como se vê, a bibliografia mostra que em todo o território formado por países americanos, foi acentuada a presença de escravos negros, articulando e efetivando suas revoltas e rebeliões contra o escravismo colonial que, segundo já destacamos através de Eugene Genovese(18), tinham dois objetivos básicos: antes da Revolução Francesa, a restauração das comunidades africanas e da autonomia local; segundo, fundir-se com os movimentos

nacionais e internacionais mais amplos, exercendo um efeito profundo na formação do mundo moderno.

Conforme o autor acima citado, nos finais do século XVIII, o conteúdo histórico das revoltas de escravos mudou radicalmente de configuração, deixando de lado as tentativas de assegurar a liberdade, para chegar a tentativas de eliminar a escravidão como sistema social(19). A revolução de São domingos, feita num momento crítico da época, possivelmente se destaque como um exemplo dessa tentativa; não se podendo omitir, evidentemente, a guerra de Palmares no Brasil que durou quase cem anos.

É necessário ressaltar-se que essas comunidades organizavam-se de diversas formas e como informa o historiador Clóvis Moura(20), “tinham proporções e duração muito diferentes. Havia os pequenos quilombos, compostos de oito homens ou pouco mais; eram praticamente grupos armados “, acrescentando:

“No recesso das matas, fugindo do cativeiro, muitas vezes eram recapturados pelos profissionais de caça aos fugitivos”.

Criou-se para isso uma profissão específica: a de polícia visando combater a articulação e criação de quilombos. Em Cuba, eram os rancheadores; capitães- do-mato, no Brasil; coromangee, nas Guianas , todos usando as táticas mais desumanas de captura e repressão. Em Cuba, por exemplo, os rancheadores tinham por costume o uso de cães amestrados na caça aos escravos negros fugidos.

Como se vê, a marronagem nos outros países ou a quilombagem no Brasil eram frutos das contradições estruturais do sistema escravista e refletiam, na sua dinâmica, em nível de conflito social, a negação desse sistema por parte dos oprimidos, não se podendo negar, portanto, a ampla e contínua luta quilombola nas Américas.

NOTAS

1 - Maestri, Mário. O Escravismo no Brasil, 2ª edição, São Paulo, Editora Atual, 1995, p. 31.

2 - Ramos, Arthur. As Culturas Negras no Novo Mundo. Comp. Editora Nacional, 4ª, edição, Col. Brasiliana, vol. 249, 1979; Bastide, Roger. As Américas Negras. Difel-EDUSP, sp, 1974, Trad. Eduardo de Oliveira e Oliveira.

3 - Reis, João José. Quilombos e Revoltas Escravas no Brasil, São Paulo, in Revista USP, n. 28, coordenação Celso de Barros Gomes, Dez./Jan./Fev. 95-96, p. 22.

4 - Moura, Clóvis. Quilombos: resistência ao escravismo, citada, p. 11.

5 - Moura, Clóvis. Obra citada, p. 12. 6 - Moura, Clóvis. Obra citada, p. 12. 7 - Moura, Clóvis Moura. Obra cit. p. 12.

8 - Genovese, Eugene. Da Genovese, Eugene. Da Revolução à Revolução. Trad. Carlos E.M. Moura. Global Editora,SP, 1.983, p. 85.

9 - Genovese, obra cit., p. 27.

10 - Gutiérrez, Horacio. M. Monteiro, John. Compiladores. A Escravidão na América Latina e no Caribe. Bibliografia Básica. edição UNESP, SP, 1990. p. 10-11.

11 - Gutiérre e John, op., cit., p. 10-11.

12 - Gutiérre e John, op.,cit., p. 25 13 - Gutiérre e John, op., cit., p. 33 e segs.

14 - Gutiérrez e John, op. cit., p. 80.

15 - Gutiérrez e John, op. cit., p. 49.

16 - Gutiérrez e John. Op. cit., p. 45.

17 - Gutiérrez e John, op. cit. p. 48. 18 - Genovese. Eugene. Op. cit. p. 153.

19 - Genovese, op. cit. p. 153.

20 - Moura, Clóvis. Quilombos, cit. p. 13.