• Nenhum resultado encontrado

PARTE I – AS CONSTRUÇÕES TEÓRICO-CONCEITUAIS

3.5. Os recursos hídricos: normas, controle e a racionalização dos usos

Na construção deste estudo, utilizaram-se, como base para a caracterização da bacia hidrográfica do rio Miranda, diversas fontes, entre as quais material cartográfico, dados e informações oficiais disponibilizados por órgãos gestores de recursos hídricos, tais como: a ANA - Agência Nacional de Águas –, que disponibiliza relatórios sobre a conjuntura dos

recursos hídricos no Brasil, desde 2006 até o presente. E, na esfera estadual, os documentos disponibilizados pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente, do Planejamento, da Ciência e Tecnologia (SEMAC) e o Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul (IMASUL) – o órgão gestor de recursos hídricos de Mato Grosso do Sul. Além das leis que discorrem sobre os recursos hídricos – no âmbito federal e estadual, estão contidas as normas, decretos, resoluções, e os instrumentos de gestão das políticas públicas, entre quais se destacou o Plano Estadual de Recursos Hídricos, publicado em 2010, e o Plano de Recursos da Bacia do Rio Miranda, elaborado nos dois últimos anos, instrumento de gestão cuja competência de aprovação e execução cabe ao Comitê de Bacia do rio Miranda.

Em relação às regulações de usos dos recursos hídricos no estado de Mato Grosso do Sul desde o início da colonização, o domínio e os usos das águas foram objeto de normas especiais. No século XVI até XX, pelas Ordenações Manuelinas, e as Ordenações Filipinas, que remontam ao período da dominação espanhola, de 1603 a 1917 (MACHADO, 2004). No século XX, entre 1917 a 1934, as águas são regidas pelos direitos de propriedade e vizinhança consubstanciados no Código Civil. Posteriormente, o Código de Águas passa ser a legislação específica sobre águas brasileiras, permanecendo com poucas alterações até última década do século XX, quando em 1997, foi instituída Política Nacional de Recursos Hídricos - Lei No 9.433/1997.

Trata de um período – anos 1990, no qual há uma repentina descoberta da gravidade sobre o problema da água. Entretanto, as medidas tomadas de descolamento político, aos poucos tornaram mais claras ações e interesses envolvidos. Fato que conduziu muitos e ―[...] diferentes tipos de organizações cumprem uma função no que concerne às decisões sobre políticas relativas á água, desde os governos nacionais até os grupos comunitários locais‖ (PORTO-GONÇALVES, 2006, p. 431).

Nesse sentido, faz-se necessário refletir sobre a visão racionalizada, técnica e instrumentalista nas políticas de gestão dos recursos hídricos identificadas com posturas em defesa da preservação e conservação da natureza conciliada ao desenvolvimento econômico, via desenvolvimento sustentável. Esta é uma ideia muito presente nas políticas públicas instituídas do Estado150 que tem conformidade com as orientações, princípios e metas das

150

Em matéria de junho de 2015, a política de governo é reforçar e propagar a postura adotada pela gestão nas questões que envolvem a conservação das riquezas ambientais do Estado e o desenvolvimento econômico. Um exemplo disso foi na agilidade do órgão gestor de recursos hídricos que entre janeiro e maio de 2015 entregou mais licenças ambientais do que no mesmo período de 2014 – foram 810 nestes cinco primeiros meses, 100 a

mais em relação ao mesmo período do ano anterior. Disponível em:

<http://www.imasul.ms.gov.br/index.php?templat=vis&site=155&id_comp=1605&id_reg=293826&voltar=hom e&site_reg=155&id_comp_orig=1605> Acesso em: 10 jun. 2015.

políticas de recursos hídricos adotadas no País, particularmente, a partir de 1997, e no estado de Mato Grosso do Sul pela atual Lei No 2.406/02.

Nesse contexto, no Estado de Mato Grosso do Sul, foram elaborados estudos técnicos, programa e projetos com foco na gestão nas bacias hidrográficas, além do desenvolvimento de grandes programas em parceria com o governo federal e ONGs. Muitos desses projetos milionários foram financiados por organismos financeiros internacionais. Entre estes, o Estudo de Desenvolvimento Integrado da Bacia do Alto Paraguai (EDIBAP) em 1979, o Plano de Conservação da Bacia do Alto Paraguai (PCBAP) em 1997, e o Projeto GEF Pantanal/Alto Paraguai151 realizado entre 1999 e 2004, que apontaram a necessidade de mecanismos especiais de gestão nas bacias hidrográficas localizadas no planalto do Alto Paraguai e que ―[...] em face de fragilidades dos ecossistemas, que possam viabilizar a produção com conservação‖ (BRASIL, 2006, p. 20).

Sob tal perspectiva, nas duas últimas décadas, o governo do estado passou a produzir um acervo de estudos e documentos técnicos aplicados às políticas, programas e planos prevendo normas e instrumentos, visando uma racionalização dos usos e gestão dos recursos hídricos152. O marco regulatório153 das políticas públicas hídricos do Estado foi a aprovação da Lei estadual No 2.406/2002, que dispõe sobre a Política Estadual de Recursos Hídricos e cria o Sistema estadual de Gerenciamento dos Recursos Hídricos (SEGRH) cuja matriz integra: o Conselho Estadual e os Comitês de Bacias Hidrográficas, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Cultura e Turismo e a Secretaria de Estado da Produção e as Agências de Águas.

Entre as finalidades dessa política no Estado, destaca-se na Lei Estadual Nº 2.406/2002. No MATO GROSSO DO SUL, 2014I, Art. 2º define-se que:

151

Esse projeto foi executado pela Agência Nacional de Águas (Ana) com recursos do Fundo Global para o Meio Ambiente – Global Environment Facility (GEF) e contou, ainda, com a participação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), da Organização dos Estados Americanos (OEA), do Estado de Mato Grosso e de diversas organizações da sociedade civil (MATO GROSSO DO SUL, 2014). Disponível em: <http://www.servicos.ms.gov.br/imasuldownloads/Caderno_da_Gestao_Ambiental.pdf> Acesso em: 12 jul. 2015.

152 Nesse período foi criado um grande número de áreas preservadas (Unidades de Conservação no Estado e

Reserva Particular do Patrimônio Natural - RPPN) – Lei Estadual de 1993. 153

Neste caso, aplica-se a compreensão da Lei estadual Nº 2.406/2002, como marco regulatório entendido como um conjunto de regras gerais sobre o uso da agua em um corpo hídrico, definidas pelas autoridades outorgantes com a participação dos usuários de recursos hídricos, que passam a valer como um marco referencial de regularização dos usos da agua do corpo hídrico (BRASIL, 2015).

I - assegurar, em todo o território do Estado, a necessária disponibilidade de água, para os atuais usuários e gerações futuras, em padrões de qualidade e quantidade adequados aos respectivos usos;

II - promover a compatibilização entre os múltiplos e competitivos usos dos recursos hídricos, com vistas ao desenvolvimento sustentável; (MATO GROSSO DO SUL, 2002).

Essas finalidades – conforme as Leis federal e estadual –, compreendem a água como um recurso natural limitado, bem de domínio público e atribuído de valor econômico; adota a bacia hidrográfica como a unidade físico-territorial de implementação da gestão das políticas públicas dos recursos hídricos. Para assegurar tais finalidades foi necessário criar os instrumentos para a gestão, tais como: a elaboração e execução do Plano Estadual dos Recursos Hídricos, realização do enquadramento dos corpos d'água em classes, segundo os usos preponderantes da água, a adoção de normas e critérios para a outorga de direito de uso dos recursos hídricos, a definição dos critérios e aprovação da cobrança pelo uso dos recursos hídricos, e a implementação do Sistema Estadual de Informações dos Recursos Hídricos (MATO GROSSO DO SUL, 2002).

A elaboração do Plano Estadual de Recursos Hídricos de Mato Grosso do Sul (PERH-MS), iniciada em 2007 e finalizada no ano de 2009 e os demais instrumentos de gestão tais como: o enquadramento dos corpos d'água e a outorga foram implantados, respectivamente, no ano de 2013 e, em fase de instrumentalização o Sistema Estadual de Informações dos Recursos Hídricos. A cobrança pelo uso dos recursos hídricos situa-se como tema polêmico e a sua efetivação legal envolve as decisões advindas dos Comitês de Bacia Hidrográfica criados no Estado e aprovação do Conselho Estadual – órgão superior do Sistema de Gerenciamento dos Recursos Hídricos.

Atualmente, o órgão gestor dos recursos hídricos no Estado é o IMASUL (Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul) visando atender os princípios norteadores da gestão dos recursos hídricos do Estado cuja orientação será descentralizada e deverá contar com a participação do Poder Público, dos usuários e da comunidade. Para isso, o órgão gestor estadual tem desenvolvido, junto aos conselhos e comitês, a execução das metas estabelecidas pela Lei da Política Estadual de Recursos Hídricos, no sentido por em prática os seus instrumentos de gestão, e coordenar o Sistema Estadual de Gerenciamento dos Recursos Hídricos como representação do Poder Público Estadual.

Nas últimas duas décadas, o modelo de atuação no sistema de gerenciamento dos recursos hídricos tem sido movido por condutas de políticas públicas participativas. Tais preceitos visam legitimar politicamente as normas e regulamentos previstos por leis, politicas

e planos de recursos hídricos, para isto é necessário contar com atuações de representações de entidades muito mais flexíveis que o Estado, a princípio retirada da cena central, como as organizações não governamentais, associações e sindicatos.

Em nome desse arranjo, surgiram novos atores – a sociedade civil e os usuários dos recursos hídricos – que se por um lado representa avanços, especialmente por ampliar o debate a respeito dos problemas de gestão de recursos hídricos, por outro, chamados a dividir as reponsabilidades na gestão dos recursos hídricos tem, perante a sociedade, levado a legitimar politicamente as normas de limitações e controle de usos regulamentos e previstos por leis através de uma política pública de âmbito federal e estadual.

Nesse sentido, propomos uma leitura de que os comitês são formados como uma política de Estado que passa a dividir as responsabilidades na gestão dos recursos hídricos a partir das experiências locais, neste caso adotado como área territorial de planejamento e gerenciamento a bacia hidrográfica, desse modo, justificou-se a opção metodológica neste enfoque da bacia hidrográfica do rio Miranda – como a Unidade de Planejamento e Gerenciamento – UPG Miranda, na qual consiste a área de jurisdição de atuação do Comitê de Bacia do Rio Miranda.

A implementação da política Estadual – Lei No 2.406/2002, em concordância com a lei Federal, tem levado ao processo de instalação de comitês no estado. Nesses casos, parece razoável admitir a existência de obstáculos, limitações e fragilidades, revelando os desafios impostos aos comitês de bacia hidrográficas já existentes, bem como nos que estão sendo criados, sendo este o enfoque central no estudo realizado no Mato Grosso do Sul sobre a instalação do comitê de bacia rio Miranda (CBH-Miranda), que será apresentado no próximo capítulo.

CAPÍTULO 4

A POLÍTICA ESTADUAL DE RECURSOS HÍDRICOS E O CBH-MIRANDA (MS) ENTRE O INSTITUCIONAL E O PODER LOCAL

O presente capítulo tem por objetivo situar sobre a atual Política Estadual de Recursos Hídricos – Lei No 2.406/2002. Em relação aos objetivos específicos deste estudo, enfatiza-se sobre a instalação dos órgãos colegiados – os comitês – analisados como instâncias institucionais para atuarem no âmbito local das respectivas bacias por meio de representações do poder público, sociedade civil e setores de usuários dos recursos hídricos.

Em específico, contextualiza a experiência do CBH-Miranda, os antecedentes e os propósitos da formação, a dimensão das participações, as representações e a composição, e as ações executadas, até o momento, no âmbito da bacia hidrográfica do rio Miranda. Nessa discussão, são apresentadas informações154 sobre os atores envolvidos no processo de gerenciamento da unidade-físico territorial da bacia do rio Miranda e criação do CBH- Miranda, dentre os quais, por meio dos princípios da política participativa, enfatizamos as representações do poder público (União, Estado), da sociedade civil, dos usuários das águas. Analisa-se ainda a leitura desses atores sobre o Comitê, o porquê do envolvimento e participação na gestão da bacia do rio Miranda.

4.1. Diretrizes da política estadual de recursos hídricos e os comitês de bacias