• Nenhum resultado encontrado

OS REFLEXOS DA GLOBALIZAÇÃO NA SIMBOLOGIA DO PATRIMÔNIO

No documento Doutoramento Final (páginas 31-36)

CAPITULO I PRESERVAÇÃO DA PAISAGEM CULTURAL E A DINAMICA DO

1.1. A PROBLEMÁTICA DE EVOLUÇÃO DAS CIDADES ENTRE OS SÉCULOS

1.1.3. OS REFLEXOS DA GLOBALIZAÇÃO NA SIMBOLOGIA DO PATRIMÔNIO

Nesse mundo dinâmico, repleto de transformações, ainda é difícil dizermos o que não é cultura. Cultura são manifestações artísticas, gastronomia, edifícios, música, literatura e muito mais.

Cultura é o caldo abrangente que envolve as relações humanas no espaço e no tempo. É a história e o futuro, reconstrói-se em todos os espaços e tempos. É a evolução humana inexorável, vá para onde for,

4 Disciplina ministrada no 8°semestre do Curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário Leonardo da Vinci, Indaial/SC

32 como um cometa que em sua trajetória perde e agrega matéria e energia. Nesses termos significa a própria civilização humana em perspectivas histórica e espacial. (Galvão, 2000:01)

Podemos entender cultura como uma rede de relações sociais codificadas, um código

Entender cultura como código, como sistema de comunicação, permite retomá-la enquanto conceito sociológico, propriamente dito. Não mais um repositório estático de hábitos e costumes, ou uma coleção de objetos e tradições, mas o próprio elemento através do qual a vida social se processa – a simbolização. (Velho,G., 1987:105)

Representando assim, um referêncial social

Porque, para nós, “cultura” não é simplesmente um referente que marca uma hierarquia de “civilização”, mas a maneira de viver total de um grupo, sociedade, país ou pessoa. Cultura é, em antropologia Social e Sociologia, um mapa, um receituário, um código através do qual as pessoas de um dado grupo pensam, classificam, estudam e modificam o mundo e a si mesmas. [...] Por outro lado, a cultura não é um código que se escolhe simplesmente. É algo que está dentro e fora de cada um de nós. (DaMatta, R., 1986:123)

Neste sentido, a arquitetura de uma cidade é testemunho histórico acumulado e sedimentado dos modos de vida do homem, não só daquele que a concebeu, mas igualmente dos que viveram através dos tempos e lhe conferiram novos usos e significados simbólicos; ela por si só é cultura. Como documento histórico, o edifício manifesta uma evolução linear dos valores de uso por parte da sociedade e das formas de pensamento que ela lhe transfere, ao mesmo tempo que potencia as qualidades presentes com o valor agregado de uma continuidade histórico-cultural que só se perde com sua destruição física.

Para Aldo Rossi “ [...] a própria cidade é a memória coletiva dos povos; e, tal como a memória está ligada a fatos e lugares, a cidade é o locus da memória coletiva” (Rossi,A.,2001:192) Segundo Marc Augé “[...] nunca as histórias individuais foram tão explicitamente implicadas pela história coletiva, mas nunca também os pontos de referência da identificação coletiva foram tão flutuantes” (Augé,M.,2007:35).

Assim, o patrimônio cultural não é constituído apenas de obras antigas ou da cultura do passado, mas de tudo aquilo que deve ser preservado como testemunho de um povo. O primeiro documento mundial, com capítulo para o patrimônio histórico, foi a Carta de Atenas (1933), o mais importante para o urbanismo. Já a Carta de Veneza (1964) foi o movimento mais importante e mais utilizado pelo patrimônio histórico e a Convenção Europeia da Paisagem (2000) a mais relevante no que tange a Paisagem

33

Cultural. A Declaração do México, documento proveniente da Conferência Mundial sobre Políticas Culturais, realizada na cidade do México em 1985, afirma que:

O patrimônio cultural de um povo compreende as obras de seus artistas, arquitetos, músicos, escritores e sábios, assim como as criações anônimas surgidas da alma popular e o conjunto de valores que dão sentido à vida. Ou seja, as obras materiais que expressam a criatividade deste povo: a língua, os ritos, as crenças, os lugares e monumentos históricos, a cultura, as obras de arte e os arquivos e bibliotecas (Cury, I.,2000:275)

A preservação do patrimônio cultural de um povo é extremamente importante para que se possa manter viva a história do país. Segundo Andrade, “Só do convívio com os monumentos e com sua história poderá nascer a estima sincera que eles devem inspirar. Esse sentimento será como o de apego às pessoas e às coisas familiares”. (Andrade, 1987:54). A Carta de Atenas, enfatiza a importância da preservação:

A vida de uma cidade é um acontecimento contínuo, que se manifesta ao longo dos séculos por obras materiais, traçados ou construções que dotam de sua personalidade própria e dos quais emana pouco a pouco a sua alma. São testemunhos preciosos do passado que serão respeitados, a princípio pelo seu valor histórico ou sentimental, depois porque alguns trazem em si uma virtude plástica na qual incorporou o mais alto grau de intensidade do gênero humano, e aqueles que os detém ou são encarregados de sua proteção, têm responsabilidade e a obrigação de fazer tudo que é lícito para transmitir intacta, para os séculos futuros, esta nobre herança.(Le Corbusier, 1993:22)

Dessa maneira, o objetivo do “porque” preservar está ligado a manter viva e alimentar a identidade de um povo. É de suma importância a preservação das tradições e edificações de interesse cultural para a cidade, pois o principal objetivo da preservação está em promover o bem estar psicológico do homem urbano, através da manutenção de referências da sua trajetória.

A construção de identidades vale-se da matéria-prima fornecida pela história, geografia, biologia, instituições produtivas e reprodutivas, pela memória coletiva e por fantasias pessoais, pelos aparatos de poder e revelações de chunho religioso. Porém, todos esses materiais são processados pelos indivíduos, grupos sociais e sociedades, que reorganizam seu significado em função de tendências sociais e projetos culturais enraizados em sua estrutura social, bem como em sua visão de tempo/espaço. (Castells, M.,1999:23)

Para José Lamas a forma urbana não só depende da sociedade que a produz e das condições históricas, sociais, econômicas e políticas em que a sociedade gera o seu espaço e o habita, mas também “de teorias e posições culturais e estéticas” de quem as

34

idealiza e constrói. Nesta perspectiva a cidade está em constante transformação, crescendo sobre si mesma, “A cidade, como qualquer organismo vivo, encontra-se em continua modificação” (Lamas,1993:111). Afinal, os centros urbanos são em si mesmos fontes de ideias, pois todos os dias decodificam-se, absorvem e são reelaborados, nas ruas, praças, meios de transportes, locais de trabalho e em todos os cantos, formando um código a ser decifrado. E as cidades também precisam de passado, como base para o futuro, preservando o que melhor as identificam, reciclando usos, repropondo espaços, criando novas formas com qualidade. Segundo Carlos Nelson Ferreira dos Santos

As cidades são organismos vivos,..., nas cidades o espaço fala. As edificações formam um código. Os lugares por serem como são, dizem de uma só vez um monte de coisas para um grande número de gente. Estão no presente, mas podem demonstrar como já foi e como, talvez será. Assim, não só conformam.Também in-formam. (Santos,C.,1988:31)

A leitura da cidade torna-se assim complexa. Neste sentido, Lamas(1993) descreve que a primeira leitura da cidade será sempre ao nível “físico-espacial e morfológico”, pois só esta pode mostrar a singularidade de cada espaço e de cada forma, e ainda “explicar as características de cada parte da cidade”. Afirma, ainda, que a esta primeira leitura juntam-se necessariamente outras que vão dar a conhecer diversos conteúdos – históricos, económicos, sociais e outros. No entanto, salienta que este “conjunto de leituras só é possível porque a cidade existe como fato físico e material” e que “todos os instrumentos de leitura lêem o mesmo objeto – o espaço físico, a forma urbana”. Assim sendo, José Lamas, considera que “[...] a forma urbana não pode ser desligada do seu suporte geográfico – e este é um elemento tão importante como os fatos construídos”(Lamas,J.,1993:63) e, que, “O objetivo do desenho urbano e, por extensão, do urbanismo não será apenas organizar um território para acolher atividades, mas também atuar na forma para que exista comunicação estética e significação”(Lamas,J.,1993:61).

Contudo, as cidades brasileiras estão constantemente sendo ameaçadas por uma sociedade de massa, que tendo em vista o consumismo, estrutura-se para o aumento da produção em detrimento da felicidade do homem. Essas mesmas cidades, segundo Carlos Nelson F. dos Santos

cumprem a função de diques. Têm de absorver e dar destino às vagas de migrantes. São escolhidas como as sedes favoritas das aventuras do capital e dos programas de governo. São maltratadas à exaustão e o mau exemplo vem de cima. Sofrem grandes reviravoltas. (...) a falta de afetividade pelos lugares e pelo que representam é um caminho

35 reto para a pobreza cultural. As pessoas ficam desorientadas quando não conseguem mais entender a linguagem espacial que vivem no cotidiano e que lhes diz, neste presente particular, há passados respeitáveis e futuros esperançosos. Ficam perigosamente desorientadas; perdem um dos mais importantes parâmetros morais. (Santos,C., 1988: 47)

Infelizmente, dentro da sociedade atual, o

ter adquire uma relevância excessiva, o velho parece inútil, o público parece de ninguém, o novo é super valorizado mas imediatamente esquecido pelo mais novo, os meios justificam os meios, pois quem tem tempo de pensar em fins? (ZEIN, 1993:34-35)

Segundo Sachs (1995), a mundialização baseia-se num projeto que desafia as riquezas e pluralidades culturais; tende a massificar e destruir as diferentes identidades culturais dos povos. Portanto, é preciso conter o processo de “desmemorização” nas cidades. Nas últimas décadas um novo patamar começou a ser buscado pelas políticas de preservação, para superar os impasses colocados pelo zoneamento restritivo, surgiu a ideia da conservação integrada. Na Europa, a partir dos anos 70, a ameaça da destruição por grandes obras e intervenções imobiliárias se dissipou, ao mesmo tempo, percebeu-se que a estagnação das regiões protegidas não contribuía para sua conservação, além de penalizar bairros e habitantes. A visão dos edifícios históricos como monumentos nacionais ou peças de museus foi sendo substituída pela ideia da cidade como complexo cultural, formado pela sobreposição de diferentes épocas. Usos e conteúdos – em que a população local e a vitalidade da ocupação são elementos tão importantes para a conservação da memória urbana quanto a integridade física das construções. A noção de patrimônio se inseriu, portanto, no projeto mais amplo de construção de uma identidade nacional, e passou a servir ao processo de consolidação dos estados-nações modernos, com a função de reforçar a noção de cidadania. A preservação de áreas urbanas degradadas de valor histórico-cultural tem sido foco de atenção, por parte dos agentes governamentais, nas experiências urbanísticas mais recentes no campo internacional. Essas experiências têm apresentado, segundo os seus contextos, uma gama de soluções bastante ampla, seja nos níveis e padrões de intervenção, seja nos modelos e estratégias de gestão adotados para enfrentar o problema de preservação sustentável do patrimônio cultural urbano. “A questão da preservação do patrimônio arquitetônico nacional deve estar vinculada à problemática urbana, para ser entendida não como um entrave, mas como fator de desenvolvimento urbano.” (Lawrence,J., 1981:16) No Brasil, apesar das tentativas realizadas ao longo das últimas três décadas, da busca de formas mais

36

adequadas para a preservação desse patrimônio, reconhece-se cada vez mais, a urgência quanto à articulação da política cultural às demais políticas setoriais que incidem sobre as cidades, como as políticas de desenvolvimento urbano, do meio ambiente, da educação, do turismo, ou seja, de uma maneira interdisciplinar.

No documento Doutoramento Final (páginas 31-36)