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A sociedade dos tempos atuais impõe um elemento de desorganização inerente e de forma deliberada: quanto menos sólida e mais fluida melhor. Por outro lado, também se mostra correto asseverar que, a fluidez trará maior instabilidade, ao passo que permanecer na solidez poderá inibir novos horizontes ao homem moderno. Neste sentido, Zygmunt Bauman afirma que, “la sociedad es el primero de los términos del vocabulario sociológico en ser

ridiculizado, y tener que retirarse, para ser reemplazado por la “red”15.

Neste sentido, Zygmunt Bauman afirma que, a sociologia contemporânea tem pelo menos duas novas razões a se adquirir importância, diferentemente das gerações passadas de sociólogos com as quais sequer permitiriam sonhá-las. Nesta esteira, a primeira razão seria a modernidade líquida em si mesma16, enquanto que a razão segunda se constituiria no único

fase <líquida>. Y me parece que el concepto ayuda a comprender tanto los cambios como las continuidades”. (BAUMAN, Zygmunt; TESTER, Keith. La ambivalencia de la modernidad y otras conversaciones. Barcelona: Paidós, 2002, p. 135)

15 “Es éste el tipo de experiencia de vida – compartido por el 25% más ‘rico’, o más móvil, mejor conectado y

más cómodo en la red de comunicación global, así como por un porcentaje algo menor de europeus – que la nueva sociologia procesa para trazar la nueva imagen de la realidad social, y que tras su reciclado, da forma a la nueva estrategia de la vocación sociológica. La experiencia de la nueva elite comprende la ligereza y la indiferencia, así como los actos de flotar, saltar, hacer cabriolas, surfear y planear, exigen una nueva red conceptual para dar cuenta de ellos; y ciertamente, no se ha demorado mucho en acuñar una nueva lengua”. (BAUMAN, Zygmunt. La sociedade sitiada. 1. ed. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2011, p. 57)

16 “Los sociólogos han afirmado siempre, la mayoría de las veces contra toda evidencia, que este mundo en

que habitamos está ‘hecho por humanos’, por lo que, en principio, los humanos pueden rehacerlo. En ninguna otra época esa proposición fue más verdadeira que ahora, cuando los sólidos fundidos se muestran reacios a volver a endurecerse, ofreciendo, gracias a la constante fluidez de las formas, una invitación permanente a la ingenuidade y buena voluntad humanas”. (BAUMAN, Zygmunt. La sociedade sitiada. 1. ed. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2011, p. 34)

acordo possível neste mundo exausto: a reconciliação da humanidade com a sua própria e incorrigível diversidade17.

Decerto, diante do contexto volátil e inseguro descrito da Modernidade Líquida, não são raros os momentos de possíveis confrontos entre os direitos da personalidade e a liberdade de expressão. A razão é simples: a proposta da internet é realizada pela liberdade de expressão, porquanto se pretende reunir o maior número de informações em sua maior diversidade possível. Por outro lado, o balizamento fundamental desta proposta se constitui a proteção aos direitos da personalidade, dentre os quais relacionados à intimidade e à privacidade do usuário da “Grande Rede”.

Neste contexto, necessitar-se-á do intérprete o necessário cotejo hermenêutico entre os valores constitucionais conflitados, a fim de dirimi-los da forma mais equânime e proporcionalmente adequada ao caso concreto. Sendo certo, ainda, que nenhum princípio ou garantia fundamental tem caráter absoluto, ou seja, em maior ou menor medida poderão ocorrer relativizações ou sopesamentos. A rigor, tal assertiva constitui-se nesta pesquisa acadêmica uma das poucas certezas a se afirmar com segurança sobre a ciência jurídica.

Igualmente, João Costa Neto caminha nesta direção. Destaca o Autor que, há a relativa certeza acerca de determinado direito não será afastado em prol de outro em circunstâncias ordinárias. Desta maneira, impõem-se a compatibilidade e a complementaridade entre a preponderância de apenas um ou a necessidade de sopesamento entre ambos. Neste ponto, socorrendo-se de Judith Jarvis Thomson18, reitera a clareza sobre a inexistência de direitos absolutos, sendo redundante falar-se em direitos prima facie.

Por seu turno, a temática sobre direitos prima facie será novamente explorada em seções posteriores desta pesquisa. Neste momento, toma-se a expressão como sinônimo à ideia de direitos fundamentos absolutos. Conquanto possam eventualmente parecer absolutos, todo direito fundamental é relativo por uma razão óbvia: a magia, as peculiaridades e as

17 “La única posibilidad viable de llegar a un acuerdo se sostiene y recae en nuestra aceptación de que es

precisamente de esa diversidade de donde deriva el poder de la humanidad para transcender los horizontes actuales y para trazarse nuevos. Y de que, cualquiera sea la forma que en último término pueda tomar ese acuerdo, llegar hasta él comporta un esfuerzo coherente por reforzar la diversidad humana que es nuestro destino común, para dar como resultado una vocación de solidaridad humana. Igual que en el pasado, la autoafirmación de la humanidad [la persistente raison d’être – razón de ser de la sociología] se presenta hoy no sólo como una de las aspiraciones éticas más nobles, sino además como el desiderátum de nuestra supervivencia; y sobre todo, como una propuesta realista contra todos los pronósticos, y como el mismísimo capítulo siguiente de la historia en desarrollo de la humanidad”. […]. (BAUMAN, Zygmunt. La sociedad sitiada. 1. ed. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2011, p. 34)

18 THOMPSON, Judith Jarvis. The realm of rights. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1990, p. 118 e

s. Apud COSTA NETO, João. Liberdade de expressão: o conflito entre o legislador e o juiz constitucional. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 136.

circunstâncias do caso concreto são dinâmicas e podem justificar eventuais afastamentos diante de um novo cotejo hermenêutico a ser revelado19.

Com efeito, os eventuais conflitos entre direitos e garantias fundamentais se apresentam potencializados no meio ambiente digital (ou ciberespaço), porquanto se trata de um ambiente predominantemente técnico-científico, desdobrando relações jurídico-sociais complexas. Willis Santiago Guerra Filho20 defende, inclusive, o surgimento de uma nova disciplina jurídica, qual seja, o direito digital. Este, por sua vez, equivalente ao que aconteceu recentemente com o direito ambiental, deve possuir dentre suas características próprias a transversalidade e a imprescindível aproximação a campos científicos metajurídicos.

Por conseguinte, algumas tarefas desta pesquisa acadêmica se impõem: (1) o reconhecimento da importância do meio ambiente digital diante da complexidade das relações jurídico-sociais no contexto da Modernidade Líquida; e (2) a pretensão dialógica e de convivência harmoniosa entre os direitos da personalidade e as garantias inerentes às liberdades de expressão, de informação e de pensamento no ambiente cibernético.

De fato, o progresso tecnológico, a globalização e a democratização da informação mudaram definitivamente a forma como os dados públicos e privados são coletados, acessados e usados. A mudança do comportamento do homem, por via de consequência, deverá mudar a abordagem jurídico-normativa, inclusive quando realizada por meio dos precedentes judiciais, que serão abordados em seções posteriores. De imediato, à luz da especulação científica, perquire-se: O que é privado? Por outro lado, o que é “arena pública”? E, ainda, quais são as fronteiras limítrofes entre o público e o privado?

19 “A objeção de que o sopesamento não tem precisão matemática, algo que se pode considerar impossível na

argumentação jurídica, não é uma crítica significativa. A falta de uma medida uniforme e inconcussa de dedução lógica ou precisão matemática não torna o sopesamento algo irracional. As principais vantagens do sopesamento, conforme MATHIAS JESTAEDT, são: (1) contribuir para a racionalização dos argumentos; (2) alocar ônus de argumentação; (3) assegurar a justiça e a exatidão do caso específico; (4) explicar consistentemente a casuística dos direitos fundamentais”. (COSTA NETO, João. Liberdade de expressão: o conflito entre o legislador e o juiz constitucional. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 273)

20 “Do que se trata, afinal, é da incidência de normas, jurídicas e outras, no chamado ciberespaço, tanto que em

inglês é comumente designado Cyberlaw. Em alemão é que se pode encontrar referência a uma Digitalverfassung (constituição digital) […]. Ocorre que o foco em ambos os países, sob essa rubrica, é o direto da Internet, a lex informática. Propomos que o direito digital, além da Internet, cuide da regulação, normativa, governamental ou não (Soft Law), de tudo que se relacione às mídias eletrônicas. E que ele contemple, ainda um outro aspecto, uma espécie de reverso deste que se vem de mencionar, pois seria a constituição de um campo de estudo no Direito que se dedique a aplicar nele os desenvolvimentos da digitalização eletrônica”. (GUERRA FILHO, Willis Santiago; CARNIO, Henrique Garbellini. Metodologia jurídica político-constitucional e o marco civil da internet: contribuição ao direito digital. In: DEL MASSO, Fabiano; ABRUSIO, Juliana; FLORÊNCIO FILHO, Marco Aurélio (coords.). Marco civil da Internet: Lei 12.965/2014. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 13-14)

Nesta seara, lapidares são os ensinamentos de Mário Losano21 na sua obra sobre os grandes sistemas jurídicos, discorrendo sobre a história do Direito e, quiçá, da própria humanidade. Têm-se, portanto, 03 (três) revoluções em etapas evolutivas: a escrita, a imprensa e a informática. A primeira (escrita) resolve a problemática da conservação das normas consuetudinárias, exteriorizando-as de forma permanente. A segunda (a imprensa) soluciona o problema da difusão da norma escrita, condição técnica sine a quo non para substituição efetiva do direito costumeiro por normas regulamentadoras específicas e atualizadas com o contexto moderno (e líquido, na versão defendida nesta pesquisa).

Já a terceira revolução (informática), aduzida por Mário Losano22, diz respeito à

distribuição do saber jurídico (lato sensu) pela telemática e, mais precisamente, pela grande rede mundial de computadores. Neste ponto, ergue-se então a sociedade da informação que, por sua vez, enfrenta o problema da profusão do conhecimento, de natureza dispersa e difusa. A adequação e a certeza da norma jurídica específica ao caso concreto são subjacentes à ideia da incerteza e, ao mesmo tempo, à regra da ignorantia legis non excusat.

Por outro giro, voltando-se às indagações acerca das arenas públicas e privadas e seus limites, faz-se mister tentar compreendê-las à luz da transição da modernidade sólida para a modernidade líquida, conforme delineado nesta pesquisa. Assim, Zygmunt Bauman assevera que, “a fronteira que separa assuntos públicos e privados tolera, em geral, o tráfego de mão dupla seletivo; ser livre para qualquer tipo de tráfego desafiaria a própria noção de fronteira e a tornaria redundante”23.

Dito de outra forma, manter privado um pensamento, evento ou ação; ou, de forma contrária, tornar público qualquer um deles - principalmente na rede mundial de computadores pelo seu espectro de alcance imediato a um número ilimitado de pessoas – são comportamentos ao mesmo tempo contraditórios, porém interdependentes. Desta maneira, a forma e o conteúdo da divulgação pelo indivíduo, per si, já revelam ou determinam alguns

21 LOSANO, Mario. Os grandes sistemas jurídicos: introdução aos sistemas jurídicos europeus e extra-

europeus. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 14-16.

22 LOSANO, Mario. Os grandes sistemas jurídicos: introdução aos sistemas jurídicos europeus e extra-

europeus. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 14-16.

23 “O controle e o direito de decidir quem ou que pode passar pela fronteira, quem ou que deve ficar só de um

lado, assim como o direito de decidir que itens de informação devem ter a prerrogativa de permanecer privados e quais aqueles a quem é permitido (pressionado ou decretado) se tornar públicos em geral são contestados com vigor. Se você quiser saber qual dos lados está hoje na ofensiva e qual está (tenaz ou tibiamente) tentando defender dos invasores seus diretos herdados ou adquiridos, há coisas piores a fazer que meditar sobre o profético pressentimento de Peter Ustinov (expresso em 1956): ‘Este é um país livre, madame. Nós temos o direito de compartilhar a sua privacidade no espaço público’ (grifos nossos)”. (BAUMAN, Zygmunt. Danos colaterais: desigualdades sociais numa era global. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2013, p. 110)

limites nesta conflituosa e imbricada relação entre o público e o privado. Para cada uma destas arenas, os atos de autodefinição e autoafirmação são realizados em oposição ao outro24. Com efeito, reitera-se: o núcleo central desta tese se refere à caracterização do direito ao esquecimento na internet em época de tempos modernos-líquidos e à luz da teoria dos precedentes judiciais. De imediato, pressupõe-se para tal desiderato a inviolabilidade da privacidade no ambiente digital, a ser conjugada com as liberdades de expressão, de informação e de pensamento. Esta conjugação, por sua vez, perpassa naturalmente em diversas teorias ora refutadas, ora consolidadas ou em fase de consolidação pela doutrina, legislação e jurisprudência nacional e estrangeiras.

Inicialmente, registra-se a tentativa pioneira em 1890 de artigo da lavra de Samuel Waren e Louis Brandeis25, quando pretenderam priorizar a proteção à privacidade em face do surgimento de novas tecnologias à época (câmera fotográfica e circulação de jornais em massa). De qualquer sorte, a tese inovadora proposta pelos Autores jamais chegou a ser incorporada pelos tribunais norte-americanos. De fato, a primeira emenda à Constituição americana privilegia fortemente a liberdade de expressão e de pensamento livre, o que, ainda hoje, criam-se vários embaraços à concretização do direito ao esquecimento no país Ianque. Nesta esteira, nos eventuais conflitos entre o resguardo à privacidade e a promoção do interesse público na divulgação de informação verdadeira, não surge espaço teórico-valorativo para priorização da intimidade no meio ambiente digital.

Depreende-se, portanto, a indicação de tratamento diferenciado nos sistemas jurídicos do common law26 e do civil law27, tradições jurídicas que serão abordadas de forma

24 “Em geral, os campos semânticos das duas noções não são separados por linhas divisórias que estimulem ou

permitam o tráfego nos dois sentidos, mas por fronteiras; de preferência, elas devem estar fechadas e superfortificadas de ambos os lados, contra os violadores e os renegados, assim como contra os indiferentes que preferem sentar-se sobre as barricadas; porém, de modo mais específico, contra os desertores de ambos os lados”. (BAUMAN, Zygmunt. Danos colaterais: desigualdades sociais numa era global. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2013, p. 110)

25 “Nesse ponto, cabe relembrar o famoso e pioneiro artigo escrito por Brandeis e Warren, ainda em 1890, por

meio do qual pretenderam os autores precisamente quebrar a resistência do direito norte-americano em relação a uma proteção mais efetiva do direito à privacidade e intimidade, principalmente em razão dos intensos avanços tecnológicos daquele período, os quais estariam, para os padrões da época, criando uma inédita forma de exposição pública dos particulares. As inovações tecnológicas daquele período foram a câmera fotográfica da Kodak e a circulação em massa de jornais, o que iria, segundo os autores, provocar uma nova forma de escrutínio público da vida íntima dos indivíduos, exigindo assim uma reconfiguração inédita do direito à privacidade agora pautado, não apenas em questões de responsabilidade civil, mas com base no princípio da confiança e em bases contratuais que não poderiam ser violadas unilateralmente por aquele interessado em divulgar informações (mesmo que verdadeiras)”. (SARLET, Ingo Wolfgang; FERREIRA NETO, Arthur M. O direito ao “esquecimento” na sociedade da informação. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2019, p. 117-118)

26 “O reconhecimento e a aplicação do direito ao ‘esquecimento’ encontram alguma resistência em países do

Common Law. Em tais realidades jurídicas, o direito ao ‘esquecimento’ ou não possui uma caracterização expressa e autônoma, sendo apenas derivado indiretamente de outros atos normativos, ou segue a tendência

minudente em seções posteriores. De qualquer forma, destaca-se a priori como referência já consolidada (embora com reflexos apenas no direito penal) - o direito de ser deixado em paz ou o direito de estar só - “the right to be let alone”, do direito judiciário penal norte- americano28. Por sua vez, como referência em fase de consolidação, destaca-se a teoria engendrada pelo direito ao esquecimento - decorrente do direito à autodeterminação da informação - do direito judiciário germânico29.

Após se investigar alguns reflexos da modernidade líquida sobre as novas tecnologias da informação, a pesquisa agora se dirige ao estudo dos contornos da sociedade informacional diante dos direitos e liberdades fundamentais. Trata-se, pois, de matéria de relevo aos propósitos desta investigação, porquanto a temática dos direitos humanos no plano nacional e estrangeiro se apresentam subjacentes aos propósitos acadêmicos ora delimitados.