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Capítulo I – Configuração social e negociação: construindo uma sociogênese do grupo de dança

1.5 Campo de disputa: a função do dono, pactos internos e trajetória dos dançarinos do Wãnkõ

1.5.1 Os saltos do Wãnkõ Kaçaueré: performance artística dos dançarinos

O Wãnkõ Kaçaueré é um grupo de dança de múltiplas identidades, resultando, por vezes, em algumas configurações, a depender do contexto em que o grupo está inserido. As relações cotidianas condicionam a assumir peculiaridades diversas, em decorrência desse contexto social. Assim sendo, o grupo se intitula e é divulgado para o seu público, dentro e fora das redes sociais, como Companhia de Dança Wãnkõ Kaçaueré, enfatizando a denominação de Aranhas Guerreiras do Sol. Também evidencia detalhadamente que é um grupo especializado em dançar qualquer tipo de ritmo, como boi-bumbá, lendas e rituais, suwingueira, axé, forró, dance e danças Folclóricas.

Dessa forma, o Wãnkõ Kaçaueré é constituído de várias formas de interação social, desenvolvendo trabalhos em diferentes ritmos. As danças para os espetáculos das festas populares são as mais requisitadas, como: tribos indígenas (danças sincrônicas e com desenhos geométricos), lenda amazônica (performance de acordo com a letra e cenário), bailado (passos tradicionais de exaltação ao boi), ritual (composição de cenário), dentre outros. As danças em bandas de boi-bumbá, de forró, de calypson são as segundas mais procuradas. Em terceira escala de trabalho, também participam de arraiais, festas de bairros, eventos musicais, atuam ainda como líderes de torcida, e até fazem figuração em novela, ou seja, o Wãnkõ Kaçaueré se constitui por sua heterogeneidade tanto em relação às características de seus componentes quanto na atuação performática, afinal, é um grupo de dança com diferentes especialidades.

O grupo de dança Wãnkõ Kaçaueré agrega em seu repertório algumas coreografias de saltos – o diferencial do grupo – já conhecidas pelos espectadores, que envolvem a criação, aprendizado e performance como veículo de comunicação e ação humana. Aqui tomo como referência o conceito de Schechner (2011) que enfatiza que “performances – de arte, rituais, ou da vida cotidiana – são ‘comportamentos restaurados e duas vezes experenciados’, ações realizadas para as quais as pessoas treinam e ensaiam” (p.29). Ou seja, “realizar performance” é fazer algo em nível de certo padrão e exigência, ter sucesso, ter excelência e marcar identidade, que envolve também o treino e a prática, ajustar e atuar em papéis em relação a circunstâncias sociais e pessoais.

Por conseguinte, são execuções performáticas que buscam a visibilidade, dentre elas, destacam-se: 1) o helicóptero – quando 10 dançarinos que, com a força e impulso, arremessam um, dois ou três integrantes para cima e estes ficam de mãos dadas antes de voltarem ao chão. É preciso muito treinamento, tanto para os dançarinos que formam a base quanto para aqueles que imitam a hélice de um helicóptero, geralmente executado pelo dançarino com mais habilidade. Essa ideia do salto imitando um helicóptero foi retirada da série Hellcats7, feito por

alguns personagens em uma apresentação de líderes de torcida, o grupo resolveu adotar o modelo fazendo algumas adequações às coreografias apresentadas no boi-bumbá; 2) o parafuso – executado por seis dançarinos que formam a base, o sétimo fica deitado para ser lançado, uma vez impulsionado, executa várias voltas no ar retornando para a base. Algo parecido é feito com salto mortal no ar, a única diferença é que nesse caso o participante gira o corpo em 360 graus,

7Hellcats (No Brasil Hellcats - Líderes de torcida) é uma série de televisão do canal The CW, do gênero comédia

em torno de um eixo horizontal, com os pés passando sobre a cabeça, pulando de um grupo para outro, e, nessa passagem, vai se apoiando nas pessoas.

Os movimentos dos saltos são realizados em determinados momentos da apresentação coreográfica e, geralmente, são desempenhados por dançarinos que estão a mais tempo no grupo, tendo, em geral, mais experiência. Em se tratando da ideia de criação dos saltos, Fabiano Alencar explica:

Nós temos o salto da montanha russa, que a gente vai começar a fazer o treino. A gente olha para os parques de diversões. Na verdade, nossos movimentos são tirados de dentro de brinquedos dos parques, a gente olha os brinquedos e diz “olha só! Eu acho que a gente pode fazer aquele movimento com o corpo humano!”. E agora, quando a gente vai criar esses movimentos temos que ver se adequa a toada. Porque também não é assim, tu vai criar como se não significasse nada. Tem que ter um significado para as pessoas assistirem e saberem o que está acontecendo no espetáculo (Fabiano Alencar, 2016).

A respeito desse assunto, Fabiano Alencar continua: “sou muito chato, exijo muito os acabamentos dos saltos, porque a pessoa que é arremessada para o alto tem que ter uma base muito segura, muito consciente para ninguém se machucar” (Fabiano Alencar, 2016). Assim, Fabiano Alencar demonstra logo aos novos participantes o nível de exigência do grupo, recomendando que comecem a treinar para que ele possa observar a desenvoltura do neófito na dança, para tanto, pede que iniciem executando as coreografias oficiais de boi-bumbá de Parintins, posteriormente, solicita que comece o treinamento dos saltos.

Dessa forma, também é exigido que os dançarinos sejam preparados para dançar qualquer ritmo musical, pois o grupo não se tornou um especialista apenas na dança de boi- bumbá, mas também em outros estilos musicais como calypson, forró, stiletto, carimbo e tribais. Dependendo do contrato, o grupo necessita trabalhar com um número maior de componentes. Em 2016, reuniu cerca de sessenta pessoas, na faixa etária de 12 a 25 anos. A inscrição era gratuita e a recomendação inicial era de que o dançarino não faltasse aos ensaios de treinamento. Não há nenhuma exigência no sentido de um tratamento estético do corpo, altura e formas de dançar para adentrar o grupo, mas existem regras baseadas nas formas de trabalho e demandas dos contratantes que devem ser cumpridas.

Os ensaios de treinamento do grupo Wãnkõ Çacaueré ocorrem nos finais de semana no CSU e geralmente, iniciam às 16h30min e terminam às 23h30min. Fabiano Alencar e Henry Carlos assim que chegavam ao CSU, por volta das 17 horas, escolhiam um ponto da quadra mais adequado para o treinamento, que acontece, de modo geral, ao redor da piscina ou na quadra de futsal. No início ou no final do ensaio, são realizadas reuniões para comunicação de contratos, problemas, análise de apresentações e de desempenhos individuais. No encerramento

dos ensaios de treinamento, os dançarinos que moram nos bairros distantes e que não conseguem voltar para a sua casa, devido ao horário do ônibus, que termina por volta de meia noite, dormem na casa de Fabiano Alencar e Henry Carlos e por lá permanecem durante dias. Os demais voltam com os pais que acompanham os filhos ou conseguem carona com os participantes que têm automóvel.