• Nenhum resultado encontrado

QUADRO I PLANO DE AULAS QUADRO-SÍNTESE

5. OS SENTIDOS PELOS TEXTOS E OS SENTIDOS DA LEITURA

5.1. A formulação de questões

Em todas as leituras de textos os estudantes foram requisitados a anotarem dúvidas e questões por escrito. O professor, na aula seguinte, conduzia discussões pautadas nessas questões.

Neste tópico, analiso essas questões enfatizando primeiramente a configuração de diferentes objetos de conhecimento pelos estudantes, na mediação da leitura dos textos e as condições de produção em que isso se deu.

Um dos pressupostos que fundamentam esta análise é o de que a escritura das questões é uma forma de constituir sentidos. O foco da análise recai, portanto, nas próprias questões, em suas condições de produção e não nas suas respostas.

A ausência de um controle direto pelo professor sobre as leituras dos estudantes, por exemplo, através de questionários, constituiu um primeiro contato dos estudantes com os textos, momento em que os próprios textos possuíram um papel mediador fundamental na produção de sentidos e de aspectos da cultura escolar que estas leituras envolveram.

A formulação de questões não é uma atividade típica em salas de aulas, não faz parte da memória dos alunos. Ao formular questões, os alunos estão participando da constituição de possíveis objetos de conhecimento. Que objetos de conhecimento são constituídos, ou pelos menos anunciados, nestas primeiras leituras? Como estes objetos se constituem na relação com os textos? Pela própria natureza aberta da atividade, a marca fundamental dos resultados é a de uma grande multiplicidade.

As questões produzidas pelos estudantes anunciam mais objetos de conhecimento do que aqueles efetivamente trabalhados nas discussões em sala de aula e nas exposições do

professor. Embora houvesse uma seleção operada direta ou indiretamente pelo professor, os alunos tiveram uma participação explícita nesse processo, mesmo que não exclusiva.

Após aproximadamente três meses de aula, o primeiro bimestre letivo, foi solicitado aos estudantes que respondessem a um questionário avaliando o curso, as aulas, o professor. Entre as questões propostas estavam: “1. Que pontos, aspectos, características dessas aulas

você destacaria como positivas?” e “2. Quais você destacaria como negativas?”. 1

Os estudantes significaram as aulas, o curso, a partir de uma memória. Suas respostas fornecem indícios que permitem entrever que representações sobre o espaço e o conhecimento escolares, sobre os papéis e funções do professor e de si mesmos, enquanto alunos, foram tensionados em relação a vivências escolares anteriores.

A maior “participação da classe” nas atividades e nas dinâmicas das interações em sala de aula é um aspecto bastante destacado como positivo. Esta participação se deu, entre outras formas, principalmente nesta requisição recorrente da proposição de questões em diversas atividades, principalmente nas leituras de textos.

“Acho interessante o professor sempre perguntar nossas dúvidas e questões, comentários, sobre os textos, filmes e assuntos trabalhados em aula, pois isso nos incentiva a questionar as coisas e refletir melhor as informações que nos são passadas.”

Algumas respostas dão indício de uma sensação de menor controle sobre suas falas: “nós expressamos tudo o que queríamos”; “temos a liberdade de perguntar até!”; da percepção de uma alteração na estrutura das interações: “deixamos a aula de ser do aluno,

para aluno, de professor para aluno e de aluno para professor”. Mudança que não se

restringiu a uma atividade apenas, uma exceção, dentro de uma estrutura típica, mas algo recorrente, estrutural e não acidental.

Mas, ao falar do presente, suas respostas remetem também a uma memória, falam implicitamente de outras aulas vivenciadas, onde provavelmente se sentiram menos à vontade em dizer, perguntar e participar verbalmente.

1

Nos Anexos encontram-se integralmente todas as respostas às questões 1 e 2, respectivamente de cada estudante. O aluno Hec não estava presente no dia desta atividade.

Nas falas dos alunos também é possível ver indícios de como eles se viram na sala de aula e como imaginaram serem vistos. Viram-se pensando, buscando respostas, refletindo, e mais do que tudo, como sendo capazes disso. Pode-se entrever um certo prazer no exercício desse papel: “faz o aluno buscar a resposta, e não a dá ‘de graça’, faz a gente pensar,

refletir muito tempo em um caminho”; “me abriram a mente, e me fez pensar melhor”. Uma

interação que requisitou-lhes outro comportamento, outras atitudes, outros papéis que alguns parecem ter percebido e cobrado dos outros e de si mesmos: “quando os alunos não

colaboram e conversam muito, eles têm que discutir com a classe não com os colegas; têm que ser mais espontâneos e desinibidos, mas não muito.”

Segundo Barnes (1976), essas aprendizagens fazem parte, implicitamente, do currículo. Segundo o ponto de vista da Análise de Discurso, elas fazem parte das condições de produção de sentidos, condições que se configuram como parte da cultura escolar, compreendida como conjunto de aspectos institucionalizados que “incluem práticas e condutas, modos de vida, hábitos e ritos – a história cotidiana do fazer escolar --, objetos materiais – função, uso, distribuição no espaço, materialidade física, simbologia, introdução, transformação, desaparecimento... –, e modos de pensar, assim como significados e idéias compartilhadas” (Frago, 1995, p. 68).

Configurando diferentes objetos de conhecimento

A grande diversidade de questões produzidas pode ser considerada indício do estabelecimento de uma relação mais pessoal dos estudantes com os textos.

A formulação de questões pelos alunos na leitura dos textos anunciou a configuração de diferentes objetos de conhecimento, cuja análise revela aspectos da mediação da leitura na elaboração dos conhecimentos escolares produzidos nessas aulas.

Os textos têm um papel importante na configuração desses objetos de conhecimento, mas o papel do aluno não é o de reproduzir o conteúdo do texto (embora tenha percebido movimentos de paráfrase em suas leituras). É no encontro de diferentes memórias, outros discursos, outros dizeres “exteriores” à escola que, mediados pelos textos, estas questões foram produzidas.

A maior parte das questões puderam ser classificadas em quatro categorias quanto aos seus objetos de conhecimento: fenômenos, processos, metalinguagem, matemática, embora algumas das questões pudessem ser enquadradas em mais de uma categoria. Antes de tudo, esta separação visa a realçar diferentes componentes do conhecimento escolar cuja produção, mediada pelos textos, se anuncia, e da qual as questões nos dão alguns indícios.

O quadro a seguir mostra as freqüências das questões, para cada categoria, em porcentagens relativas ao número total de questões formuladas pelos alunos em cada atividade de leitura2. Na categoria outros encontram-se questões que não puderam ser alocadas nas demais categorias.

QUADRO 1: