• Nenhum resultado encontrado

3.1. Procedimentos gerais de coleta de informações

As aulas que compõem a unidade de ensino sobre gravitação desenvolvida configuram o contexto imediato que constitui os discursos analisados nesta pesquisa. A elaboração desta unidade de ensino inspirou-se nas considerações colocadas no capítulo anterior e configurou- se também condicionada pelas condições concretas de trabalho nas escolas.

A unidade de ensino foi desenvolvida em duas escolas, uma pública, estadual e outra particular, porém gratuita para estudantes, situadas em duas grandes cidades do interior de São Paulo. Ambas as escolas pareceram possuir clientelas bastante heterogêneas do ponto de vista de suas condições econômicas, conforme indícios obtidos em conversas informais com os estudantes e com professores das escolas.

Em ambas as escolas a unidade foi trabalhada no início do ano letivo em classes de 1a série, nível médio. Na escola particular, apenas durante o primeiro bimestre, em todas as três classes da escola, no período noturno. Na escola pública, em duas das classes do período diurno, sendo que os estudantes conheciam a professora responsável pela classe, que havia ministrado algumas aulas no início do ano letivo, antes do planejamento escolar, e sabiam que o pesquisador assumiria as aulas por tempo determinado.

Em termos de recursos materiais, a escola particular possuía um sistema de xerox gratuito; um laboratório de informática com computadores ligados à internet; uma biblioteca funcionando em tempo integral; dois vídeos móveis que poderiam ser levados para as classes, além de um vídeo na biblioteca. A escola pública possuía uma biblioteca inicialmente desativada, que, durante minha permanência na escola, foi limpa e organizada por um pequeno grupo de alunos ao longo dos primeiros meses do ano, passando a funcionar nos intervalos do período da manhã e a tarde toda, sendo estes estudantes os responsáveis pelo trabalho bibliotecário. As duas bibliotecas eram muito parecidas em termos de acervo, composto basicamente (na área de ciências) de livros didáticos, alguns livros de divulgação

científica, enciclopédias e revistas. A biblioteca da escola particular possuía algumas assinaturas de revistas e jornais.

Todas as classes possuíam em média 40 alunos. Embora maior na escola particular, a expectativa de um vestibular para o prosseguimento dos estudos no nível superior não era a única entre os estudantes, dividindo-se com uma expectativa de entrada ou avanço no mercado de trabalho. Gravações em audio e vídeo de algumas aulas foram feitas pelo próprio pesquisador. Carvalho (1996) aponta o registro em vídeo como um instrumento importante de coleta e análise de informações quando se quer conhecer o desenvolvimento do ensino em condições reais, isto é, o que realmente ocorreu em sala de aula. A partir das gravações selecionam-se as seqüências de ensino para análise, os episódios, ou seja, “o momento em que fica evidente a situação que queremos investigar” (idem, p. 6). Ainda segundo esta autora, um episódio pode ser dividido em cenas, quando o problema que se está analisando tem sua seqüência interrompida. “Um aspecto importante da gravação em vídeo de uma aula é que podemos vê-la e revê-la quantas vezes forem necessárias” (idem, p. 6). Além disso, a gravação em vídeo permite identificar mais facilmente os falantes para levar em conta, nas análises, gestos, expressões e atitudes.

A câmera de vídeo, em todos os casos, permaneceu fixa, geralmente no canto da frente da sala, à esquerda da mesa do pesquisador-professor, voltada para a classe. A distância não permitia o enquadramento de toda a classe, mas da maioria dos estudantes. Nem todas as aulas foram registradas em audio e vídeo.

É preciso fazer algumas considerações sobre a relação entre o contexto de gravações e os problemas e as limitações técnicas desse tipo de registro. A grande participação e envolvimento dos estudantes nas aulas se tornou um limitador técnico do audio no registro em vídeo. As soluções sugeridas por técnicos, como o uso de um microfone sem fio na mão de quem falava, ou a utilização de uma mesa com vários canais para posterior tratamento do som, tornariam as aulas artificiais demais, muito longe do contexto real que os estudantes vivenciam normalmente, além de seus custos muito elevados. Eventualmente utilizei um gravador posicionado longe da câmera para o registro em audio.

Uma primeira leitura de todo conjunto de informações escritas e algumas gravações em audio e vídeo, resultou num primeiro conjunto de dados gerais e, parte dela, foi feita concomitantemente ao desenvolvimento da unidade de ensino nas escolas. No entanto, para

efetivar uma análise mais aprofundada dessas informações, optei por selecionar apenas dez estudantes da classe de onde havia obtido um conjunto mais completo de informações, principalmente das gravações em audio e vídeo.

Assim, o eixo das análise se dá sobre a produção desses dez alunos de uma das classes da escola particular. No entanto, eventualmente, também utilizo na argumentação, informações obtidas em outras classes, seja da mesma escola particular, seja da escola pública.

3.2. A organização da unidade de ensino

Os dois grandes blocos da unidade de ensino

O tópico gravitação newtoniana está presente na maioria dos livros didáticos, figura nas listas de conteúdos dos vestibulares, e está em projetos de ensino; não se trata aqui da introdução de um tópico novo, mas de uma abordagem que configura determinadas condições de produção de sentidos. Apesar de ser um conteúdo “típico”, na realidade das escolas ele é efetivamente pouco ou nunca trabalhado.

A unidade de ensino foi pensada para estudantes de 1a série do ensino médio, para ser trabalhada no início do ano letivo, iniciando um curso de mecânica.

Sua finalidade básica foi propiciar aproximações dos estudantes a aspectos da cultura científico-tecnológica, visando a contribuir para a compreensão da ciência como produção da sociedade, e, ao mesmo tempo, contribuir para o aprendizado de elementos da ciência escolar, além de mediar a leitura de textos e imagens.

A unidade teve uma temática abrangente, centrada na teoria da Gravitação Universal de Newton, particularmente na significação da síntese newtoniana, mas abarcando elementos de astrofísica e cosmologia. A característica essencial com que esta unidade foi organizada foi abordar o conteúdo de modo a inseri-lo no contexto cultural científico-tecnológico atual, destacando questões relacionadas às relações do homem com o espaço cósmico.

Textos e imagens (transparências, fotos, vídeos) foram os principais recursos utilizados, quer porque assuntos relacionados com o espaço sejam amplamente divulgados pela mídia

jornalística e televisiva, quer porque a relação do homem com o espaço cósmico é basicamente mediada por imagens, quer porque a leitura desses recursos foi considerada um dos objetivos das aulas. Diferentemente de outras épocas, vivemos num contexto em que se olha pouco para céu visível a olho nu, mas se tem amplo contato com o espaço através de imagens em fotos, vídeos, documentários, filmes, reportagens; uma época em que homens já pisaram na Lua, já experienciaram corporalmente o espaço cósmico.

Estes elementos culturais que compõem esta abordagem da gravitação newtoniana têm sido pouco trabalhados em sala de aula. Para que esses eles façam parte do contexto de ensino, procurou-se provocar, nas interações em aula, mudanças nas expectativas dos estudantes.

Além de ensinar gravitação newtoniana, pretendia-se: despertar interesse e motivação pelas aulas, pela Física; criar um ambiente que propiciasse a participação e o envolvimento dos estudantes nas aulas; trabalhar aspectos do processo de produção do conhecimento científico; construir um ambiente propício à leitura que pudesse contribuir para a formação do sujeito-leitor em ciência.

Considerei que esta abordagem cultural e mais amplamente contextualizada poderia tornar significativos para os estudantes futuros aprofundamentos no estudo da mecânica newtoniana, e outras práticas e estratégias de ensino que viessem a ser adotadas, como resolução de problemas, experimentação, etc.

A sua elaboração se deu concomitantemente a leituras de diversos projetos de ensino de física produzidos ou traduzidos no Brasil, de livros de divulgação científica nas áreas de pesquisas e tecnologias espaciais, astrofísica e cosmologia. Durante grande parte do trabalho de pesquisa, seja durante a aplicação das atividades em salas de aulas, seja durante as análises, procurei manter-me informado sobre assuntos relacionados ao espaço cósmico divulgados pela imprensa televisiva, em jornais e revistas, além de consultas constantes a sites na internet. Também assisti a inúmeros filmes em vídeos e documentários relacionados a esses assuntos.