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CAPÍTULO II VAU DA SARAPALHA E OS SISTEMAS

2. Os sistemas sígnicos em Vau da Sarapalha

2.3 Os signos do movimento

2.3.1 Os signos cinéticos mímicos

Os movimentos do rosto do ator que servem para exprimir emoções são signos mímicos. Em movimento ou em repouso, a face do ator é capaz de produzir informações e os músculos envolvidos no movimento produzem signos contínuos que podem constituir relações com outros movimentos na construção dos significados. “A complexidade do rosto parece evidente quando pensamos em sua capacidade de transmissão, nas informações que pode conter e no papel que desempenha na vida social” (FISCHER- LICHTE, 1999, p. 68-69).

A mímica facial, de acordo com Kowzan (1987), é o sistema de signos cinéticos mais próximo da expressão verbal. Segundo este autor:

Os signos musculares do rosto têm um valor expressivo tão grande que substituem, às vezes com sucesso, a palavra. Há igualmente todos os tipos de signos mímicos ligados às formas de comunicação não-linguística, às emoções agradáveis ou desagradáveis, às sensações musculares (o esforço, por exemplo), etc (KOWZAN, 1987, 68).

O sistema de signos mímico facial é um recurso muito utilizado pela personagem Ceição, visto que essa usa como principal signo sonoro uma linguagem em grammelot8. Não fazendo uso, portanto, de um sistema sonoro linguístico, ela acaba utilizando mais do que os outros personagens sistemas sígnicos como o mímico, o gestual e paralinguístico. É o caso, por exemplo, do momento no espetáculo em que, reagindo ao fato do primo Ribeiro falar sobre o dia em que Luísa fugiu com o boiadeiro ela olha em direção a ele com os olhos bastante arregalados. Nas rubricas da peça há referência aos movimentos mímicos de Ceição apenas na Cena 4, quando indica:“A velha, na casa, parada, escutava com olhos grandes e assustados a confissão de primo Ribeiro” (VASCONCELOS, 1992, p. 10). Entretanto, não apenas nessa cena, os seus movimentos mímicos são muito presentes durante a encenação.

Outro personagem que se comunica bastante através de signos mímicos faciais é o Capeta, caracterizando-se também por não usar uma linguagem verbal. É o caso, por exemplo, do momento em que pede comida a Ceição, em que faz muitos movimentos com o rosto exigindo-lhe o alimento. Nas rubricas da peça, não há referência aos movimentos mímicos desse personagem, sendo, portanto, todos concebidos a partir da encenação.

No que diz respeito aos personagens dos primos Ribeiro e Argemiro percebe-se que, na maior parte do tempo, eles têm expressões mímicas bem diferentes um do outro. Enquanto a mímica facial de Ribeiro é mais fechada, demonstrando um aspecto mais sisudo, triste, sério e altivo, a de Argemiro, na maior parte das cenas, é uma expressão mais alegre e esperançosa. Ribeiro demonstra alegria em suas expressões mímicas apenas no momento em que Argemiro conta para ele a história do Capeta disfarçado de moço bonito que levou uma moça junto com ele. Nas rubricas da peça, algumas referências são feitas aos signos mímicos do primo Ribeiro, como na cena 02: “Primo Ribeiro está com olhos estúrdios e ar de fantasma que ele nunca teve” (VASCONCELOS, 1992, p. 08). Essa referência a signos mímicos também acontece na Cena 10: “Primo Ribeiro arregalou os olhos” (VASCONCELOS, 1992, p. 25).

É importante destacar ainda as expressões faciais de Argemiro no momento do solilóquio em que se lembra de Luísa e de como a conheceu, que, mesmo não sendo aludidas nas rubricas, são criadas pelo ator em cena. Neste momento, suas expressões

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Linguagem elaborada com sons incompreensíveis, mas que ganham significações de acordo com a entonação da atriz ou do ator. Foi uma técnica muito usada na commedia dell’arte.

mímicas são cheias de contrastes, ora alegres, ora tristes, ora demonstrando culpa e pudor, ora arrependimento.

O Cachorro, embora seja um personagem animal, também utiliza muitas expressões mímicas, visto que é interpretado por um ser humano, o que diminui a distância entre animal e homem dentro do espetáculo Vau da Sarapalha. Em muitos momentos em que é repelido pelo primo Ribeiro demonstra com o rosto o seu sofrimento. Já no instante em que o perdigueiro brinca com Argemiro, sua alegria transparece através dos movimentos mímicos. O momento em que o Cachorro Jiló mais usa os movimentos mímicos para expressar a sua dor é quando percebe que os seus dois donos estão cortando o laço de amizade que existia entre eles.

Além dos signos mímicos, os proxêmicos, os signos gestuais, os paralinguísticos e os linguísticos podem comunicar emoções sem que se possa prejudicar o tipo de signo portador principal do significado. Se os signos mímicos e gestuais indicam tristeza e os signos linguísticos e paralinguísticos indicam euforia, só se fará uma interpretação apropriada por meio da análise de todo o conjunto da situação comunicativa manifestada.

Os signos cinéticos mímicos expressos em um espetáculo de teatro só podem ser bem compreendidos quando considerados em conjunto com os demais tipos de signos envolvidos na obra teatral. Todos os movimentos dos atores agem como elementos portadores de significados. Dessa maneira, com relação aos signos mímicos, é possível se observar quatro moderadores que também têm validade para os signos paralinguísticos. Os moderadores são os seguintes: exageração; atenuação; neutralização; e mascaramento de uma emoção por meio da expressão da face. Segundo Fischer-Lichte (1999), sempre que o grau de cada um desses moderadores se modifica, a mímica é outra e, como consequência, surgem outras possibilidades de significados. Em Vau da Sarapalha, um exemplo de mascaramento é quando Argemiro ao ouvir Ribeiro falar em Luísa, tenta esconder que também a deseja.