• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO II VAU DA SARAPALHA E OS SISTEMAS

2. Os sistemas sígnicos em Vau da Sarapalha

2.4 Os signos sonoros

2.4.2 Os signos sonoros paralinguísticos

Os signos paralinguísticos estão relacionados àqueles que o espectador ouve quando escuta os signos linguísticos. Os signos paralinguísticos são todos os sons vocais realizados e que não são produzidos como signos linguísticos, nem musicais, nem icônicos, nem aqueles onomatopeicos.

No espetáculo Vau da Sarapalha, como signos paralinguísticos evidentes temos as falas de Ceição, que sempre pronuncia sons incompreensíveis linguisticamente, mas que ganham significados através dos tons de vozes que a atriz Soia Lira emprega em cada situação vivida nas cenas. Para tanto, a atriz utiliza-se do grammelot, uma técnica de conversação sem sentido definido, muito empregada pela comédia dell’arte. No texto dramático escrito por Luiz Carlos Vasconcelos, a personagem Ceição não tem falas. Há, entretanto, uma rubrica que diz o seguinte: “A velha vem com um fecho de lenha. Faz a leitura dos gravetos e sobe num grito assustado, agarrando um dos gravetos. Olhos esbugalhados, ela não para de falar” (Grifo nosso) (VASCONCELOS, 1992, p. 05).

Os signos paralinguísticos estão relacionados ao sotaque, à pontuação, à ênfase, etc. De acordo com Kowzan:

A palavra não é apenas signo linguístico. A forma de pronunciá-la lhe confere um valor semiológico suplementar. A dicção do ator pode fazer com que uma palavra aparentemente neutra e indiferente produza os efeitos mais variados e mais inesperados. (...) O que aqui chamamos tom (cujo instrumento é a voz do ator) compreende elementos como a entonação, o ritmo, a velocidade, a intensidade. A entonação sobretudo, valendo-se da altura dos sons e seu timbre, e através de toda a sorte de modulações, cria os mais variados signos (KOWZAN, 1977, p. 67).

Os signos linguísticos além da forma normalizada (a palavra) possuem ainda variações criadas pelo “tom”, que os falantes e, especialmente, os atores, exploram de forma criativa. Segundo Kowzan (1977, p. 68): “Essas variações podem ter um valor puramente estético, e podem também constituir signos”. O tom, por exemplo, é um signo que não pode ser percebido nas falas no texto dramático escrito, podendo haver, apenas,

indicações nas rubricas de como pronunciar algumas falas. Tais indicações podem ou não ser acatadas pelas atrizes e pelos atores durante a encenação.

Dentro do código cultural, os signos paralinguísticos ajudam, entre outras possibilidades, na construção dos significados relacionados ao estado psíquico ou emocional do falante, ao lugar onde ele reside, à idade que possui e às intenções de suas falas. No que se refere à voz do ator, Patrice Pavis afirma que ela diz sempre mais que o significado da personagem (sua identidade na ficção), não se contentando em levar uma mensagem ou em caracterizar o estado de uma personagem fictícia. Segundo esse pesquisador, ela é também um significante (uma materialidade corporal) aberto e irredutível a uma significação unívoca, uma marca inscrita na carne viva do auditor que não lhe pode escapar.

A forma ríspida como Ribeiro fala muitas vezes com Argemiro é um exemplo de signo paralinguístico, quando ligado ao tom de voz que o ator emprega ao personagem e que o caracteriza. Um dos poucos momentos em que Ribeiro deixa a rispidez de lado e fala em um tom de voz mais alegre é quando Argemiro conta-lhe a história de uma moça que fugiu com o Capeta, que estava disfarçado de um moço bonito.

Outro exemplo de signo paralinguístico ligado ao tom de voz é quando Ribeiro recorda-se de Luísa: “Foi seis meses em antes de ela ir s’embora. Luísa!” (VASCONCELOS, 1992, p. 13). Fala o nome de Luísa prolongando muito o último fonema, como se quisesse que ela o escutasse, mesmo com toda a distância que os separa. O tom de sua voz é desesperador, como de alguém que precisa muito para sobreviver da pessoa por quem chama.

Podemos destacar também como signo paralinguístico o momento em que Argemiro fala em tom de piedade “O senhor sofreu muito! E ainda a maldita da sezão” (VASCONCELOS, 1992, p. 14) e Ribeiro responde com rispidez: “A maleita não é nada. Até ajudou a gente a não pensar” (VASCONCELOS, 1992, p. 14). Essa severidade na voz é um tom bastante presente nas falas de Ribeiro, típico de alguém que está muito doente e não tem ânimo, nem esperanças, nem mais vontade de continuar a viver.

Outro momento em que fica evidente os contrastes no tom de voz de Argemiro é quando ele passa a verbalizar as suas lembranças de Luísa, o que significa que este personagem vive um forte conflito interior, onde entram em choque o amor que sente por Luísa e a lealdade e o respeito que tem para com o seu primo Ribeiro. Nesse solilóquio,

Argemiro fala ora com certa alegria, ora quase que desejando Luísa, ora meio triste e quase repreendendo a si mesmo, ora como se estivesse com raiva de si mesmo por não ter tido coragem de confessar a Luísa o seu amor.

As falas de Argemiro ao final do espetáculo, depois que confessa que também amou Luísa, são em um tom muito rápido e choroso, marcando o seu nervosismo. Neste momento o tom do grammelot de Ceição é também nervoso e triste por causa da panela que se quebrou, fazendo derramar toda água purificada que carregava para os primos.

Diferentemente dos signos linguísticos, os signos paralinguísticos não podem ser divididos em unidades mínimas significativas. Segundo Fischer-Lichte (1999), eles são compostos de características substanciais, como a sua variação de tempo, intensidade e frequência; e de características auditivas, como a elevação, duração, qualidade, ressonância, intensidade e desenvolvimento do tom, articulação, ritmo, compasso, etc. Estas também são características que são apresentadas pelos signos sonoros acústicos não verbais, como veremos na sessão seguinte.