• Nenhum resultado encontrado

4 METODOLOGIA DA PESQUISA – RELAÇÕES DIALÓGICAS NA EXPRESSÃO VERBAL

4.1 CAMINHOS DA PESQUISA

4.1.3 Os sujeitos da pesquisa

A “Turma 41” – turma pesquisada – era composta por estudantes que tinham três anos de escolaridade completos e por alguns alunos remanescentes da “Turma 4º ano B”, ou seja, já com quatro anos de escolaridade. Os três alunos repetentes que estavam inseridos na turma mantinham o entrosamento comum a todo o grupo. Os sujeitos da pesquisa formavam uma turma relativamente pequena, composta por 16 (dezesseis) alunos.

Logo nos primeiros dias de nossa participação no grupo, uma das crianças remanescente do 4º ano B, a aluna E, foi convidada a fazer parte do projeto “Acelera” (correção de idade-série). No entanto, a turma ficou apenas poucos dias composta por 15 (quinze) alunos, pois, imediatamente depois da saída de E, chegou uma nova aluna na turma: a aluna Be, de uma escola da rede estadual. Além disso, a turma recebeu, na sequência, o aluno R e o aluno F, também de escola da rede estadual. Esses dois últimos alunos apresentavam um comportamento diferenciado do restante da turma no que se refere à assiduidade, faltando frequentemente ou chegando atrasados às aulas. O aluno R saiu da escola logo após o segundo mês de matrícula porque se mudou para outra cidade e a turma ficou formada com 17 (dezessete) alunos ao todo. Como vemos, a turma apresentava uma movimentação de saída e entrada de alunos durante o percurso da investigação. No 2º semestre, dois novos alunos foram matriculados nessa mesma turma, a aluna J e o aluno Jo, passando assim de 17 (dezessete) alunos para 19 (dezenove) no total.

Quanto aos processos de movimentação de alunos pela turma, podemos afirmar que a acolhida aos novos integrantes, muito bem conduzida pela professora regente, propiciava a interação e a integração entre todos (alunos e professores).

Essa era a característica principal da turma: ser acolhedora. Talvez por ser uma turma pequena, os novos alunos do 4º ano eram direcionados para lá. Presenciamos a chegada de alguns deles e não percebemos alteração no comportamento dos demais integrantes que demonstrasse desagrado ou mesmo insatisfação pela chegada de uma pessoa nova ao grupo. Com a nossa chegada ocorreu o mesmo, pois, aparentemente não houve grandes mudanças de comportamento por parte de nenhuma criança que pudesse provocar modificações na rotina da sala de aula.

O motivo de nossa presença na sala foi explicado aos estudantes alguns dias antes do processo de coleta de dados (fase inicial). Assim, quando chegamos à sala de aula para o primeiro dia de observação, os estudantes já sabiam do que se tratava e agiram com naturalidade em relação à presença de uma nova pessoa no grupo. Desde o primeiro dia, até o final da investigação não percebemos nenhum desconforto por parte das crianças e nem mesmo da(s) professora(s) pelo fato de o processo de pesquisa estar ocorrendo naquela turma.

Quanto à organização do espaço físico, poucas vezes a posição das mesas era alterada, o que fazia com que todos tivessem seus lugares previamente definidos e com certa constância.

As condições para a nossa interação diária (entre pesquisadora e alunos) não eram as mais adequadas, pois a acomodação dos alunos em lugares definidos e fixos na sala de aula e a distribuição das carteiras em fileiras (um sentado atrás do outro) dificultava o processo. Porém, quando a situação permitia e mais pontualmente no espaço da execução das atividades que envolviam trabalhos dos alunos sozinhos ou entre si, tentávamos provocar diálogos.

Nossas interlocuções com a professora regente e também com a professora auxiliar ocorriam, principalmente, em situações extraclasse, em intervalos de aula, em momentos formais (como nas entrevistas) ou informais (como conversas na sala dos professores e corredores da escola). Esses eventos permitiram-nos saber mais sobre os mecanismos internos e externos próprios do contexto escolar e das relações que neste espaço acabam se formalizando.

A ação pedagógica da professora auxiliar que se ocupava das crianças com deficiência, bem como esse trabalho em sala de aula não serão aqui focalizados por ser outro o objeto de pesquisa por nós delimitado. No entanto, entendemos que é preciso dar destaque à presença constante dessa profissional no espaço da sala de aula e a importância de seu trabalho na mediação entre as crianças com deficiência e os outros alunos, em razão da responsabilidade dessa

profissional para com os alunos K e G. Com a mediação da professora auxiliar, pelo papel que desempenhava no processo escolar do ensino da escrita – com elogios e estímulos às superações alcançadas pelas duas crianças com deficiência e incentivando para que apresentassem seus progressos aos demais colegas – K e G participavam do grande diálogo desse espaço e tempo que é a turma 41. Segundo Bakhtin (2006), “a vida é dialógica por natureza. Viver significa participar do diálogo: interrogar, ouvir, responder, concordar, etc.” (BAKHTIN, 2006, 348).

A professora auxiliar envolvia-se particularmente com os alunos K e G, com os quais tinha compromissos pontuais nas interações sociais que iam sendo estabelecidas em sala pela linguagem. Nesse processo, com a construção do conhecimento da produção de textos escritos, adaptava as atividades propostas pela professora regente à realidade desses alunos, de forma que ambos fossem partícipes nesse espaço e tempo das aulas na turma 41, e, com o reconhecimento de si pelos outros, se percebessem sujeitos inseridos em um grupo.

A professora regente conduzia a dinâmica das relações sociais em sala de aula definidas por uma tradição em que ela e seus alunos tinham papéis definidos na tradicional e histórica relação social escolar: a do professor que ensina (papel ativo) a alunos que ignoram o ensinado (papel passivo); aliado a isso, a posição física dos corpos na sala de aula era a do professor na frente dos alunos e estes em carteiras enfileiradas. Todavia, é certo que a mesma palavra que se legitima social e historicamente como palavra de autoridade e que institui esses papéis com reconhecimento social, desenvolve a alteridade e desestabiliza posições. Porém, isso não significa que as relações discursivas pelos papéis pré-definidos (a professora fala e os alunos ouvem) seja uma forma de indiferença ao discurso do outro (do aluno), ou também que não haja interação quando o aluno se propõe a enunciar. A verdadeira natureza dialógica da linguagem inevitavelmente promove a contrapalavra e provoca a reação-resposta do outro locutor. Segundo Bakhtin (2006), “Em tudo através do que o homem se exprime exteriormente (e, por conseguinte, para o outro) – do corpo à palavra – ocorre uma tensa interação do eu com o outro” (BAKHTIN, 2006, p. 350 – grifo do autor). Por vezes, mesmo que o espaço reservado ao aluno de uma turma não seja o de enunciador, quando ele manifesta seu discurso, o professor cria condições para que ele seja ouvido por todos. Esse é o ambiente da sala: a professora tem a possibilidade de “reger” as vozes, “rege” fazendo com que o que um fala seja ouvido por todos. Nessa “regência” promovida pela professora, as enunciações são alternadas, o ambiente da sala fica “harmonioso” (sem conversas

paralelas), mas as interações entre os alunos ficam condicionadas à autorização da professora. Essa postura da professora regente em relação à linguagem subjaz a sua prática pedagógica, na qual imprime uma conduta baseada na acepção de ensino como inteira responsabilidade do docente, assumindo o compromisso com a aprendizagem dos alunos. Nesse aspecto, há também uma “regência” da professora que mantém tudo sob controle com atividades planejadas e realizadas em tempo programado.

Em entrevista29, a professora informou ter nove anos de experiência profissional em sala de aula. Durante esse período, trabalhou sempre com níveis de escolaridade próximos, fundamentalmente para o terceiro e quarto anos. Segundo ela, essa experiência permite ao professor saber das necessidades de aprendizagem de uma turma nesses níveis de escolaridade e juntar um acervo de material didático compatível aos anos que ensina. Afirma, ainda, que nas aulas vagas (aquelas em que as crianças estão ocupadas com outras disciplinas) pesquisa na internet assuntos relacionados ao tema da aula para ampliar as ações didático-pedagógicas, trazendo o que considera “novidades” para as aulas planejadas de antemão.

A análise das ações pedagógicas voltadas para o trabalho com a linguagem verbal, materializada em ensino (do professor) e aprendizagem (de alunos) da escrita na turma 41, são fundamentais para observar a aprendizagem e o desenvolvimento da linguagem escrita das crianças que frequentam o quarto ano de escolaridade.

Fazer um recorte e observá-lo como enunciado concreto no grande diálogo da cadeia da comunicação discursiva humana constitui- se em uma possibilidade de interpretação do fenômeno investigado. Pelo recorte do corpus de análise, mais especificamente das relações dialógicas na formação de conhecimentos sobre escrita por parte dos alunos da turma 41, mobilizam-se materialidades no microcosmo da sala de aula como possibilidade de compreensão ativo-responsiva do universo amplo do trabalho da esfera educacional.

Reiteramos que a concepção de linguagem como interação que fundamenta a linha teórica desta pesquisa foi o que orientou todos os momentos de observação em campo. A realidade concreta da linguagem foi observada em diferentes situações, nas relações dialógicas estabelecidas na sala de aula (espaço desta pesquisa) que serão descritas no decorrer desta dissertação.

29