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2.2. Objectivos e Finalidades do Ensino da Matemática no Ensino Básico

2.4.1. Origem da Geometria (Grécia Antiga)

2.4.1.1. Os três problemas clássicos da Matemática Grega

As fontes directas sobre a actividade dos matemáticos Gregos da antiguidade são praticamente inexistentes; aquilo que sabemos é por referências posteriores. O período compreendido entre os séculos V e IV a. C. chamado época Heróica da Matemática, tem início na história dos três problemas clássicos da Matemática Grega. Durante dois mil anos, estes três problemas chamaram a atenção de alguns matemáticos da Grécia. Mas, a notoriedade destes problemas, reside no facto de terem constituído, ao logo dos tempos, uma fonte muito rica de ideias e processos matemáticos, que foram sendo inventados nas sucessivas tentativas de resolução. Os três problemas da antiguidade grega que se tornaram notáveis eram: a quadratura do círculo, a duplicação do cubo e a trissecção do ângulo. Estes três problemas deveriam ser resolvidos usando somente régua não

graduada e compasso. No século XIX, foram apresentadas demonstrações da impossibilidade de solução de qualquer um dos três problemas, utilizando apenas aqueles instrumentos.

Vários foram os matemáticos gregos que tentaram resolvê-los. No entanto, pensa-se que, provavelmente, já sabiam da impossibilidade de solução, nos termos estritos em que tinha sido enunciados. De facto, eram bem poucas as tentativas de resolução naqueles termos, porém existia uma abundância de propostas de solução não ortodoxas. No entanto, as várias tentativas que foram feitas para resolvê-los levaram à invenção das cónicas e de outras curvas planas.

O problema da quadratura do círculo consiste no seguinte: “dado um círculo c de raio r, determinar com régua não graduada e compasso, o lado a de um quadrado ABCD de área igual à de c” (Veloso, 1998, p.41). Esquecendo o facto de o problema ter de ser resolvido com régua não graduada e compasso, o problema consiste em resolver em ordem a a a equação a2 =πr2. Logo, o problema é equivalente a conhecer o valor de

π

, razão constante entre o perímetro e o diâmetro de uma circunferência. Assim, este problema reduz-se a determinar o valor de

π

.

O texto de Plutarco é a primeira referência que existe relativamente ao problema da quadratura do círculo. Segundo o referido texto, Anaxágoras de Clazomene (499-428 a.C.) estudou o problema da quadratura do círculo, enquanto estava na prisão. Este “foi preso em Atenas por afirmar que o Sol era uma pedra incandescente e não um deus” (Veloso, 1998, p. 55).

Este problema já estava presente na Matemática da Babilónia e do Antigo Egipto. Encontramo-lo no Papiro de Rhind, uma das fontes da Matemática egípcia, no Problema 50, que o escriba egípcio toma 3,16 para o valor de

π

. Também os Babilónios assumiram que o valor de

π

era de 31/8, ou seja, cerca de 3,125.

Foi Arquimedes o primeiro a mostrar que a razão constante entre o perímetro e o diâmetro de qualquer circunferência e a razão constante entre a área de um círculo e o seu raio tinham uma relação entre si. De facto, a primeira razão é

π

e a outra razão é

2

π . Na sua obra Sobre a Medida da Circunferência, Arquimedes prova que

π

esta compreendido entre 71 10 3 e 70 10

3 . Assim, Arquimedes reduz o problema da quadratura do círculo à rectificação de uma circunferência, isto é, construir com régua não graduada e compasso, um segmento igual ao perímetro de um círculo de raio dado. Ora,

sendo possível construir um segmento de comprimento

π

, o problema estaria resolvido. Neste sentido, a resolução do referido problema está ligado ao valor de

π

. O matemático alemão Lindemann (1852-1939), publicou na revista Mathematische

Annalen, em 1882, um artigo em que demonstra que a quadratura do círculo não é possível nas condições do enunciado. Pois sendo

π

“um número transcendente, ou seja, não pode ser obtido como raiz de uma equação algébrica com coeficientes racionais”, demonstramos a impossibilidade da quadratura do círculo nas condições definidas (Veloso, 1998, p. 43).

Vários matemáticos tentaram resolver o problema sem usar régua e compasso, utilizando outras curvas. Foram várias as soluções apresentadas com uso de curvas especiais: a Dinostrato é atribuída a resolução da quadratura do círculo utilizando a quadratriz de Hípias e a Arquimedes por meio de uma Espiral. Embora Hipócrates não tenha conseguido resolver o problema da quadratura do círculo, nas suas tentativas para o resolver, conseguiu determinar a quadratura de certas lúnulas (regiões do plano contidas entre dois arcos de circunferência com a concavidade no mesmo sentido).

Apresentamos, em seguida, uma demonstração não ortodoxa da quadratura do círculo feita por Arquimedes usando uma espiral.

A espiral de Arquimedes é construída do seguinte modo: “consideremos uma semi-recta s que roda, com movimento de rotação uniforme, em torno da origem, ao mesmo tempo que um ponto P, movendo-se sobre s, também com movimento uniforme, se afasta da origem. Suponhamos ainda que ambos os movimentos começaram no mesmo instante, com P sobre a origem da semi-recta. A espiral de Arquimedes é o lugar geométrico das posições do ponto P” (Veloso, 1998, p. 44).

Para resolver o problema da quadratura do círculo, Arquimedes procedeu do seguinte modo: seja v a velocidade do ponto P acima referido sobre a semi-recta s e seja

W a velocidade da rotação da semi-recta s, em radianos por segundo, então as coordenadas polares r e θdo ponto P serão dadas por r = vt e θ= wt, sendo t o tempo. Resolvendo cada uma das equações a ordem a t temos

v r t= e w t=θ , depois igualando w v r =θ

, obtemos a equação da espiral de Arquimedes em coordenadas polares que é

θ

a

r = em que

w v

a= . Basta provar que “Se considerarmos a posição do ponto P ao

espiral no ponto P, com a perpendicular a s passando por O, origem de s, então o comprimento do segmento PT é igual ao perímetro da circunferência de centro O e raio OP” (Veloso, 1998, p.4). A sua demonstração encontra-se na sua obra Sobre as

Espirais, na proposição 18, sendo esta prova feita por uma dupla redução ao absurdo. Surgem, assim, contradições de considerar que o comprimento do segmento PT é superior ou inferior ao perímetro do círculo. O problema da quadratura do círculo fica reduzido ao da rectificação da circunferência. A solução tem um carácter teórico, uma vez que não existe um processo rigoroso para traçar a espiral de modo contínuo e não se pode determinar a tangente num ponto sem conhecer o valor de

π

.

A impossibilidade de quadrar um círculo deve-se ao facto do valor de

π

não ser exacto. Como foi dito, este problema despertou o interesse de vários matemáticos, ao longo dos séculos, não se tendo encontrado uma solução. Daí que a expressão, quadrar um círculo, passou a ser usada para designar uma meta inatingível.

A origem do problema da trissecção do ângulo não é conhecida. Pensa-se que pode ter surgido como extensão da bissecção de um ângulo ou a propósito da construção de polígonos regulares. Vários foram os geómetras gregos que tentaram, infrutiferamente, solucioná-lo utilizando os recursos permitidos: a régua não graduada e o compasso. Destacam-se algumas resoluções deste problema: a de Pappus, no século IV d. C., utilizando uma hipérbole; a de Nicomede, utilizando a conchóide e, utilizando a quadratriz (ou trissectriz) de Hípias; a de Papo de Alexandria e a de Arquimedes de Siracusa, através duma construção por nêusis (inclinação).

A trissecção de um dado ângulo consiste no seguinte “dado um ângulo qualquer AOB, determinar, com régua não graduada e compasso, um ângulo AOC com um terço da amplitude do ângulo AOB”, ou seja, dividir qualquer ângulo em três partes iguais.

Arquimedes de Siracusa na sua obra Livro dos Lemas produziu uma construção por nêusis para a trissecção dum ângulo agudo que é a seguinte: considere-se “um ângulo agudo de vértice A; trace-se uma circunferência centrada em A, de raio r arbitrário e intersectando os lados do ângulo nos pontos B e C. Insira-se, entre a recta AC e a circunferência, um segmento de recta FE de comprimento igual ao de r e de tal modo que o ponto B esteja no seu prolongamento.

A recta que passa pelo ponto A e é paralela a BF trissecta o ângulo dado,

∠CAB. De facto, designa-se por G o ponto em que esta paralela intersecta o arco de circunferência BC. No sistema de rectas paralelas AG e FB intersectadas pela

∠CAG = ∠AFE. Além disso, os triângulos ABE e EAF são ambos isósceles, donde decorre que ∠ABE = ∠AEB e que ∠EFA = ∠EAF. Como ∠AEB é um ângulo externo do triângulo EAF, é igual à soma dos dois ângulos internos opostos, ∠AFE =∠FAE. Analogamente, ∠CAB é um ângulo externo do triângulo ABF e, portanto, é igual à soma dos dois ângulos internos opostos, ∠ABE e ∠AFE. Logo,

∠CAB = ∠ABE +∠AFE = ∠AEB + ∠AFE =

=∠ FAE + ∠AFE + ∠AFE = 3 ∠AFE = 3∠CAG” (Estrada, Sá, Queiró, Silva e Costa, 2000, p. 282). Esta é uma das formas de trissectar o ângulo ∠BAC que envolve uma construção por nêusis e diversas construções com régua e compasso.

E, por fim, a duplicação do cubo que consiste no seguinte: “Dado um cubo de aresta a, determinar, com régua não graduada e compasso, a aresta b de outro cubo com o dobro do volume” (Veloso, 1998, p. 41).

Pressupõem-se que foi Hipócrates de Quios quem descobriu que o problema da duplicação do cubo se pode reduzir ao problema da determinação dos dois meios proporcionais entre dois números a e b (a > b), ou seja, à determinação de dois números x e y que verificam a condição

b y y x x

a = = . Considerando a o comprimento da aresta de

um dado cubo, e se fizermos b = 2a, teremos xy=2a2 e x2 =ay, de onde se deduz 3

3 2a

x = . Obtemos o valor de x como solução do problema da duplicação do cubo. Menecmo, em meados do século IV a.C., apresentou duas soluções para o problema da duplicação do cubo usando cónicas. A primeira solução de Menecmo utiliza uma parábola e uma hipérbole; e na segunda solução utiliza duas parábolas. Verificou que podia obter a solução do referido problema por meio da intersecção de pares de cónicas. Convém referir que Menecmo descobriu as cónicas (elipse, parábola e hipérbole) como secções planas de um cone, nas suas tentativas de resolução do problema da duplicação do cubo.

Uma das demonstrações é a seguinte “ Seja duas médias proporcionais entre OA e OB, duas grandezas dadas, isto é, quer-se encontrar duas grandezas x e y tais que

OB Y y x x

OA = = . Coloquemos AO e OB perpendiculares e suponhamos o problema

resolvido, colocando-se OM = x e ON = y. Então, por hipótese,

OB ON ON OM OM OA = =

donde, OB×OM =ON2 =PM2o que indica que P está sobre uma parábola de eixo

OM, vértice O e “latus rectum” OB. Por outro lado, OA×OB=OM×ON =PN×PM o que evidencia que P também está na hipérbole de centro O e assímptotas OM e ON. Portanto, dadas OA e OB, começamos por construir a parábola e a hipérbole, como acima definidas e, então, a intersecção delas dará o ponto P que determina OM = x e ON = y que resolvem nosso problema” (Lintz, 1999, p. 300).

Em suma, no processo histórico de desenvolvimento da Matemática, os matemáticos gregos confrontaram-se com algumas dificuldades, sendo lançados novos desafios, embora também tenham realizado inúmeras descobertas, dando assim o seu contributo. Os três problemas clássicos que deveriam ser resolvidos somente usando a régua não graduada e o compasso (quadratura do círculo, duplicação do cubo e a trissecção do ângulo), a descoberta dos incomensuráveis (impossibilidade de medir a diagonal de um quadrado tomando o lado para unidade), o Quinto Postulado de Euclides e a impossibilidade de o demonstrar utilizando os restantes postulados, foram alguns problemas que desafiaram os matemáticos gregos durante vários séculos. Diversos matemáticos empenharam-se em solucioná-los muitas vezes sem sucesso; o facto é que muitas descobertas foram feitas ao tentarem resolver estes problemas. Os matemáticos gregos descobriram, por exemplo, outras curvas na tentativa de as utilizar para resolver os três problemas clássicos: as cónicas por Menecmo, a trissectriz de Hipías e a espiral de Arquimedes.

Os gregos desenvolveram a Matemática não por motivos práticos e utilitários, mas movidos, muitas vezes, pelo desafio intelectual, pelo “sabor do saber” e pelo prazer intrínseco.