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Os Traços Individuais Positivos

No documento joseaugustorentocardoso (páginas 73-77)

CAPÍTULO 3: A VIRTUDE NA PSICOLOGIA POSITIVA

3.3 Os Traços Individuais Positivos

Como já dito anteriormente, uma das preocupações do movimento Psicologia Positiva é o estudo dos traços individuais positivos. Contudo pode-se dizer que mais do que simplesmente o estudo de traços positivos, o movimento Psicologia Positiva buscou retomar na psicologia uma assunto que, pelo menos desde Allport (1927, 1961/1973) vem sendo negligenciado: o estudo do caráter e, especificamente o estudo do bom caráter.

A psicologia do início do século XX dedicou muitos estudos sobre esse tema (Allers, 1946; Adler, 1927/1998), mas certamente uma das consequências do afastamento Psicologia/Filosofia, foi relegar o caráter a um assunto eminentemente filosófico, algo que Allport (1961/1973), considerado como um dos principais nomes da Psicologia da Personalidade, explicitamente fez. Noftle, Schnitker e Robins (2011) trilham um caminho nesse sentido embora defendam que os traços positivos não deixaram de todo de ser considerados. Segundo estes autores, nos estudos sobre personalidade, Allport decidiu excluir termos que tivessem alguma conotação moral, principalmente os ligados ao julgamento moral. Também apontam que Allport tendeu a compreender a moralidade ligada a cultura e ao tempo e, portanto, insuficiente para um estudo científico. Por fim, o caráter seria, segundo os mesmos, ao avaliarem o trabalho de Allport um objeto da Ética e não da Psicologia. De fato, não estão totalmente errados, a questão é que o termo personalidade pode abranger muito do que o termo caráter abrange e, portanto, Ética e Psicologia se entrecruzam.

Observando pelo lado da marginalização do caráter na Psicologia o movimento Psicologia Positiva retoma a discussão do que seria considerado o bom caráter, afirmando que o estudo do caráter e da virtude é um autêntico tópico para as ciências sociais (McCullough e Snyder, 2000)

Echevarria (2008) pontua a importância da consideração do caráter para a Psicologia. De acordo com o mesmo o termo personalidade substituiu o termo caráter por ser mais científico e, portanto, estar mais de acordo com o espírito da Psicologia. Contudo, como já visto anteriormente, o termo caráter possuía uma significação muito mais ampla que o termo personalidade não foi capaz de abranger.

No movimento Psicologia Positiva, o estudo das virtudes e forças do caráter pode ser enquadrado dentro do campo mais amplo conhecido como Psicologia das Forças Humanas (Aspinwall e Ursula, 2003). O grande referencial de tal tema é o livro Handbook of Character

Strengths and Virtues, (Peterson e Seligman, 2004). Nele, os autores fazem toda a

apresentação dos diversos estudos sobre cada força do caráter e caracterizam o que para o movimento Psicologia Positiva são virtudes, forças do caráter e temas situacionais, esclarecendo os respectivos critérios para se estabelecer tais categorias.

De acordo com os autores dois são os objetivos do citado manual: O primeiro seria estabelecer um contraponto ao DSM ou o CID, reconhecidos manuais de diagnósticos dos transtornos mentais, ou seja, o manual deve ajudar como um ‘diagnóstico’ das forças

humanas, estabelecendo critérios claros para determinar qual força do caráter e virtude uma pessoa pode possuir ao apresentar uma série de comportamentos, pensamentos e sentimentos. O segundo objetivo seria reunir não só critérios para determinar virtudes e forças do caráter como também colocar sob uma linguagem comum tudo aquilo que se referia ao estudo das forças humanas.

Mas por que o retorno de tal preocupação com caráter e mais especificamente com virtudes? Em termos filosóficos o artigo de Ascombe (1953) traz um interessante suporte ao criticar a forma como a Ética vem estabelecendo-se e, demonstrar a falência da mesma em delinear o agir humano. Sua proposta é o retorno a uma Ética da Virtude, também defendida por MacIntyre (2001) e que ganha força nos últimos anos (D. C. Russel, 2013).

Tal preocupação encontra ecos na própria sociedade. Muitos são os críticos do relativismo moderno e, mesmo a máxima do relativismo não é capaz de acabar com a verdade de que certos comportamentos são ruins e causam danos à sociedade. Abusos de poder, corrupção, desonestidade são atualmente problemas sérios em muitos países. Embora a discussão sobre valores possa parecer ultrapassada é observável que existem uma série de contravalores que contribuem para o mal-estar social e, somente a imposição de leis não vem contribuindo para a mudança desta realidade.

Poderia parecer que em muito nossa sociedade avança, mas como colocam Peterson e Seligman (2004) em pesquisas realizadas nos Estados Unidos, no que diz respeito à preocupação com os jovens, um dos pontos mais apontados foi o que diz respeito ao caráter, àquilo que podemos chamar uma vida orientada para valores. Em um país que sofre quase anualmente com massacres escolares promovidos em grande maioria por jovens, a preocupação com o caráter é uma prioridade (Park, Peterson e Seligman, 2006).

La Taille (2009), dentro da perspectiva da Psicologia Moral, vai falar de uma crise de valores que permeia nossa sociedade, mas com o interessante termo: “achatamento de valores”, querendo designar que mais do que o fim de valores o que vem acontecendo é uma relação superficial e rápida com os mesmos, ou seja, opta-se por um valor hoje, mas amanhã já mudou-se a opção.

Como já visto também, o movimento Psicologia Positiva preocupa-se com o melhor no humano, com a excelência humana (Peterson e Seligman, 2004). Por isso as qualidades morais apresentam-se como tão relevantes. A excelência humana, como já visto, permeia

muito a Ética das Virtudes, principalmente, se segue-se a classificação de Swanton (2013), uma Ética das Virtudes Eudaimonista.

Sendo assim, o movimento Psicologia Positiva interessou-se por estudar, desde a perspectiva científica, segundo afirmação dos mesmos, aquilo que seria considerado o bom caráter, ou simplesmente o caráter. Nesse sentido padece de um reducionismo na interpretação do conceito de caráter, entendendo-o apenas como positivo e, não como sendo a unidade central da pessoa, seu modo de agir profundo, visto como aspecto nuclear na etimologia do conceito. O caráter para a Psicologia Positiva é entendido como um conjunto de traços positivos e por isso plural. Ele é estável, mas seus traços positivos existem em diferentes graus. (Peterson e Seligman, 2004; Park e Peterson, 2006a, 2006b, 2009). Como pode ser visto a noção de caráter é uma noção com conotação ética, ou seja, caráter e bom caráter são sinônimos.

A Psicologia Positiva afirma que a noção de caráter utilizada encontra amparo dentro da Teoria dos Traços, ou seja, quando define caráter como traços positivos está remontando aos principais autores que trabalharam com o conceito, entre eles Allport (1961/1973) embora o mesmo, como já foi dito, tenha sugerido retirar da discussão psicológica o conceito de caráter. Ao mesmo tempo, essa noção difere da noção clássica de caráter, já apresentada anteriormente como forma mais profunda de viver. Falar de caráter no contexto do movimento Psicologia Positiva é falar de uma realidade moralmente boa, que não significa ausência de problemas como definem Park e Peterson (2009, p 1.) o “bom caráter não é a ausência de déficits e problemas, mas sim uma família bem desenvolvida de traços positivos”56

Desse ponto, diversos são os estudos que relacionam o bom caráter com outros subcampos da Psicologia positiva como o bem-estar, o desenvolvimento infantil saudável, as situações de crise, etc (Park, Peterson e Seligman, 2004; Kashdan, Julian, Keith e Uswatte, 2006; Brdar e Kashdan, 2010)

Sendo assim, um resumo pode ser apresentado. O movimento Psicologia Positiva preocupa-se com o caráter, entendido como um conjunto de traços positivos. Mas o que seriam traços? Allport (1927, 1929, 1961/1973) apresenta em diversos de seus trabalhos a busca por uma definição de traço de personalidade. Percebe-se que o mesmo buscava um

56 “ Good character is not the absence of deficits and problems but rather a well-developed family of

conceito capaz de ser verificado estatisticamente, e que refletisse de alguma forma a personalidade, além disso os traços deveriam ser independentes um dos outros.

Nesse sentido Allport (1961/1973) tenta definir o traço diferenciando-o de outros conceitos como hábito e atitude - esta última tendo semelhanças com o conceito de traço - e vai ensaiar, nesta tentativa, uma definição tanto biológica:

traço é uma estrutura neuropsíquica que tem a capacidade de fazer com que muitos estímulos se tornem funcionalmente equivalentes, e de iniciar e orientar formas equivalentes (em sentido coerente) de comportamento adaptativo e expressivo (1961/1973, p. 431)

Quanto uma mais psicológica entendendo traço como “unidades fundamentais da personalidade (1961/1973, p. 414) e “um amplo sistema de tendências para uma ação semelhante” (p. 420). É interessante perceber como Allport (1961/1973) vai colocar o traço como centro da personalidade e, mais ainda, como o identifica como aspecto que influencia na ação. O traço seria uma caminho para entender a personalidade da pessoa. Nesse sentido, o movimento Psicologia Positiva herda esta noção geral de traço como unidade fundamental da personalidade e como uma tendência para ação na construção da sua teoria sobre forças do caráter e virtude. O aspecto que parece destoar da teoria clássica de Allport é o fato destes traços serem entendidos como positivos e, nesse ponto, com uma aproximação moral. Moral aqui entendido muito mais como o culturalmente corroborado como bom e, estimulado pela sociedade. Agora, após esses delineamentos pode-se passar para a virtude na Psicologia Positiva.

No documento joseaugustorentocardoso (páginas 73-77)