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Outras fontes espiritualistas: Pascal, tradicionalismo, Bergson e Farias Brito

1. ESPÍRITO E ORDEM, ESPÍRITO E LETRA

1.4. Outras fontes espiritualistas: Pascal, tradicionalismo, Bergson e Farias Brito

Mesmo que o neoescolasticismo possa ser considerado o maior foco de discussões na ensaística católica que sobreveio à encíclica Aeterni Patris de 1879, ele não é a única concepção que marcou as letras espiritualistas no século XX. Não convém, pois, isolar a compreensão de ensaístas como Jacques Maritain ou Alceu Amoroso Lima e escritores como Georges Bernanos ou Murilo Mendes como sendo simplesmente neotomistas em virtude de suas contribuições em periódicos católicos nos anos entre guerras, visto que muitos outros autores, por vezes com posições incômodas para com a doutrina da Igreja, foram igualmente importantes para a discussão espiritualista.

Dentre aqueles ensaístas que marcaram profundamente o espiritualismo de matriz católica, destaca-se Blaise Pascal, o qual, após uma juventude marcada por estudos no campo da matemática das probabilidades e da geometria, escreveu uma obra apologética ao cristianismo após ter se aproximado da corrente jansenisa da Igreja. A figura fundadora desse movimento foi o religioso holandês Cornelius Jansen, o qual escreveu a obra Augustinus, publicada apenas em 1640, dois anos após sua morte. A doutrinha jansenista rejeitava o intelectualismo tomista para se voltar novamente a Santo Agostinho, especialmente no que diz respeito à pregação do ascetismo com relação ao mundo material e, principalmente, na defesa da doutrina da graça, a qual passa a ser lida como predestinação. A doutrina da graça, além disso, tratava com profunda desconfiança a racionalidade filosófica, pois asseverava que a carne e a mente humana inevitavelmente tenderiam ao pecado, que poderia ser afastado apenas pela intervenção direta de Deus enquanto Espírito Santo. Pascal já era adepto do jansenismo desde 1642. A partir de 1656, no entanto, irá se transferir para o mosteiro cisterciense de Port-Royal-des-Champs, centro mundial do jansenismo, a convite de Antoine Arnould (1612-1694), que havia justamente sido expulso da Sorbonne por sua liderança em relação ao movimento jansenista. Essa doutrina já havia sido condenada como herética pela bula Ad Sacram firmada pelo Papa Alexandre VII em 1656. Nesse

período de clausura, Pascal escreveu as Lettres Provinciales, em defesa do jansenismo e de Antoine Arnould, documentos que também entrariam para o Index em 1657. Passada essa experiência de escritos teológicos mais fervorosos em defesa do rigor religioso e moral, Pascal escreve uma série de fragmentos que seriam publicados após sua morte

com o título de Pensées em 1670.130

O pensamento tardio de Pascal é marcado por um teor profundamente trágico com relação à capacidade do homem material poder contemplar aquilo que possui de espiritual. Contrapondo-se, em parte, ao pensamento de René Descartes, ele não parece concordar que haja algum limite concebível entre res cogitans e res extensa ou ainda, a capacidade intelectiva e o mundo empírico. Ainda mais impossível seria poder conhecer como o corpo se uniria ao espírito, o que motiva seu pensamento a conceber um profundo pessimismo gnosiológico naquilo que entende por existência humana.

O homem é para si mesmo o objeto mais prodigioso da natureza ; pois ele não pode conceber aquilo que é tão somente corporal, ainda menos o que é apenas espírito e menos como algo como um corpo possa estar unido a um espírito. Eis o cúmulo dessas dificuldades e, no entanto, é o seu próprio ser: Modus quo corporibus

adhaerent spiritus comprehendi ab hominibus non potest, et hoc tamen homo est.131

Pascal faz uma alusão às palavras de Agostinho de Hipona acerca

da união entre corpo e alma132 no homem, recolocando a questão como

130

PASCAL, Blaise. Pensées. Genebra: Pierre Cailler, 1947. 131

PASCAL, Blaise. Pensées. Genebra: Pierre Cailler, 1947, p. 111-112, tradução nossa. Original: “L’homme est à lui-même le plus prodigieux objet de

la nature ; car il ne peut concevoir ce que c’est que corps, et encore moins ce que c’est qu’esprit, et moins qu’aucune chose comme un corps peut être uni avec un esprit. C’est là le comble de ses difficultés, et cependant c’est son propre être: Modus quo corporibus adhaerent spiritus comprehendi ab hominibus non potest, et hoc tamen homo est.”

132

Civit. Dei, l. XXI, cap. X: “Também esse outro modo segundo o qual os espíritos se unem aos corpos e os tornam animais é de todo admirável e incompreensível ao homem. E isso é o homem mesmo.” A partir de: AGOSTINHO, Santo. Bispo de Hipona. A Cidade de Deus: contra os pagãos, parte 2. Tradução de Oscar Paes Leme. Petrópolis: Vozes, 1990, p. 500. Original: “quia et iste alius modus, quo corporibus adhaerent spiritus et animalia

uma união incompreensível e, ainda assim, entendendo que essa união era o que o constituiria. Um dos maiores problemas da filosofia de seu tempo teria sido o de haver depreendido de leis da natureza uma compreensão sobre o todo da realidade humana. O grande erro dessa atitude, conforme Pascal, seria o intento de dar um contorno de funções espirituais, como vontade, simpatia a partir de noções temporais, como movimento e lugar. Neste propósito de incompreensão, o ponto de partida inicial para uma elevação espiritual seria o reconhecimento e a aceitação da própria miséria. “A grandiosidade do homem é grande quando ela se conhece como miserável. Uma árvore não se percebe

como miserável.”133

A racionalidade, por conseguinte, é por vezes bastante desacreditada no pensamento de Pascal, tendo em vista o fato dela estar adstrita a conhecer o espírito apenas em alusão à matéria. Nota-se nesse gesto um certo anti-intelectualismo de sua parte, algo que inevitavelmente o coloca em choque com o aristotelismo escolástico, o qual pretendia, grosso modo, justamente buscar certa elevação espiritual na contemplação das formas que selavam a matéria. Na compreensão mais agostiniana de Pascal, a verdadeira contemplação estaria no recebimento da graça divina.

Uma das passagens mais conhecidas do pensamento de Pascal é a de que “o coração tem razões que a própria razão desconhece”. O que Pascal entende por “coração” (Coeur), por sua vez, não pode ser apressadamente relacionado às paixões humanas ou suas volições. Muito pelo contrário, a rigorosa moral jansenista de Pascal entendia que, paralelamente à razão, em outras palavras, à aptidão intelectual limitada do homem, haveria um princípio de correta disposição dos hábitos do homem. Algo como um hábito virtuoso dado apenas pela religião, que chegaria, inclusive, a se disseminar para aqueles que fossem aptos em recebê-lo. O Coeur seria, em última instância, a própria graça, pois os homens, por suas próprias forças, não poderiam resistir ao pecado. Pode-se notar esse caráter disseminatório de uma aptidão espiritual enquanto dádiva na frase que segue o famoso brocardo de Pascal: “O coração tem razões que a própria razão desconhece, sabemos de milhares de maneiras. Digo que o coração ama o ser universal fiunt, omnino mirus est nec conprehendi ab homine potest, et hoc ipse homo est.”

133

PASCAL, Blaise. Pensées. Genebra: Pierre Cailler, 1947, p. 120, tradução nossa. Original: “La grandeur d’homme est grande en ce qu’il ce connaît

naturalmente e a si mesmo naturalmente, conforme se lhe ordena; e ele

se torna para um ou para outro à sua escolha.”134

Ainda que a disseminação do espírito fosse uma dádiva, não seriam todos os homens aptos a recebê-lo, pois alguns seriam predestinados a viver eternamente, ao passo que outros não. “E porque aqueles a quem Deus deu a religião pelo sentimento do coração são bem aventurados e bem legitimamente

persuadidos.”135

Curiosamente, nesse contexto, Pascal fala em espírito (esprit) como razão individual humana, algo equiparável ao que era a alma para Santo Agostinho, justamente o contrário do que seria o coração (coeur), dom divino e universal capaz de dar dignidade à condição trágica do homem. Isso leva à consideração de que quando entende como uma característica desse coração a faculdade de dar-se a quem quiser e à sua escolha (il se durcit contre l’un ou l’autre, à son choix), dá também um significado pneumatológico ao termo coração. Mesmo assim, Pascal chega a traduzir esse coração como costume, que se oporia ao espírito, que se confundiria com a razão, cuja característica era seja inerte e automática: “O costume perfaz nossas convicções mais fortes e mais cruéis; ele inclina o autômato, que arrasta o espírito sem que ele pense.”136

Mas Pascal não possui uma pneumatologia oculta. Quando menciona o Saint-Esprit, portanto com iniciais maiúsculas, traz à tona a pessoa divina da Trindade. Aliás, Pascal relaciona essa misteriosa pessoa da Santíssima Trindade à própria existência da noção metalinguística de sentido espiritual, paralelo esse que remonta às epístolas de Paulo de Tarso e aos escritos de Agostinho de Hipona.

Para os formalistas — Quando São Pedro e os

apóstolos deliberaram abolir a circuncisão, acerca disso contrariar a lei de Deus, eles não consultaram os profetas, mas simplesmente a

134

PASCAL, Blaise. Pensées. Genebra: Pierre Cailler, 1947, p. 230. Original: “Le coeur a ses raisons, que la raison ne connaît point, on le sait en mille

choses. Je dis que le coeur aime l’être universel naturellement, et soi-même naturellement, selon qu’il s’y ordonne; et il se durcit contre l’un ou l’autre, à son choix.”

135

PASCAL, Blaise. Pensées. Genebra: Pierre Cailler, 1947, p. 231. Original: “Et c’est porquoi ceux à qui Dieu a donné la religion par sentiment du coeur

sont bien heureux et bien légitimement persuadés.”

136

PASCAL, Blaise. Pensées. Genebra: Pierre Cailler, 1947, p. 228, tradução nossa. Original: “La coutume fait nos preuves les plus fortes et les plus crues; elle incline l’automate, qui entraîne l’esprit sans qu’il y pense.”

recepção do Espírito Santo nas personalidades dos não circuncisados.

Eles consideraram mais certo que Deus aprovaria os que ele preencheu com seu Espírito, que jamais falham em observar a lei. Eles sabiam que o fim da lei não era nada senão o Espírito Santo; e assim, dado que eles o recebiam sem a circuncisão, ela não era necessária. 137

Por mais que a palavra espírito (esprit) fosse aplicada como a trágica faculdade humana da razão, Pascal não apenas não deixa de mencionar a pessoa do Espírito Santo como o coloca como aquilo que garante a compreensão de um sentido espiritual mais abrangente e verdadeiro nas escrituras. Em um recado eivado de ironia aos “formalistas”, Pascal entende a corruptibilidade da escritura, inclusive das leis sagradas, e dá como garantia de uma leitura correta a dádiva do Espírito Santo. “Quando a palavra de Deus, que é verdadeira é falsa literalmente, ela é verdadeira espiritualmente. Sede a dextris méis, isso é

falso literalmente, mas é verdadeiro espiritualmente” 138

Essa concepção também pode ser contextualizada com o que acontecia no campo linguístico em torno de si em Port-Royal, onde era escrita a célebre Grammaire générale et raisonnée contenant les fondemens de l'art de parler, expliqués d'une manière claire et naturelle publicada em 1660

por Antoine Arnoult e Claude Lancelot. A principal reviravolta desse

trabalho não ficou restrita à linguística ou ao campo normativo dos estudos sobre a linguagem, mas marca uma completa reviravolta epistemológica nas letras europeias na medida em que a concepção de signo, que, desde os estoicos por diferentes maneiras era sempre pensada de modo ternário, enquanto significante, significado e referente,

137

PASCAL, Blaise. Pensées. Genebra: Pierre Cailler, 1947, p. 331, tradução nossa. Original: “Pour formalistes — Quand saint Pierre et les apôtres

délibèrent d’abolir la circoncision, ou il s’agissait d’agir contre la loi de Dieu, ils ne consultent puis les prophètes, mais simplement la réception du Saint- Esprit en la personne des incirconcis. Ils jugent plus sûr que Dieu approuve ceux qu’il remplit de son Esprit, que non pas qu’il faille observer la loi. Ils savaient que la fin de la loi n’était que le Saint-Esprit; et qu’ainsi, puisqu’on l’avait bien sans circoncision, elle n’était pas nécessaire.”

138

PASCAL, Blaise. Pensées. Genebra: Pierre Cailler, 1947, p. 311. Original: “Quand la parole de Dieu, qui est véritable est fausse littéralement, elle est

vraie spirituellement. Sede a dextris meis, cela est faux littéralement ; donc cela est vrai spirituellement.”

passa então a ser considerada binária, ou seja, de uma lado o significante

e de outro o significado.139 Com a queda do referente, o tipo de ligação

entre as palavras e as coisas, como bem salientou Michel Foucault, deixa de exigir do signo a revelação de uma chave oculta ou de um pensamento pré-formado para dar origem ao paradigma da representação: isto é, entrever por meio deles o que querem dizer a partir da maneira pela qual foram dispostos. Nessa alteração, o liame que ligava significante e significado já não é mais a coisa ou o objeto referido, senão uma cognição capaz de relacionar o mundo temporal à linguagem, considerada límpida. Em Port-Royal, portanto, segundo Foucault, “não haverá, pois, uma teoria dos signos diferente de uma

análise do sentido.”140

Percebe-se, pois, nos escritos que compõem Pensées de Pascal uma reinserção da discussão metalinguística presente na teologia que o precedeu e, do mesmo modo, uma solução pneumatológica ao problema da corruptibilidade, da efemeridade, da letalidade da letra escrita. Nem por isso se pode observar em Pascal uma compreensão de espiritualidade intelectualista, como em certos aspectos do tomismo, doutrina que dava certa possibilidade para uma elevação espiritual contemplativa das causas e do bem pela via do raciocínio filosófico e cuja teoria da graça não deixava de suscitar amplas reflexões sobre a hierarquia dos sentidos espirituais, como o analógico, tropológico e anagógico. Em vez de uma certeza da consistência intelectual, Pascal entende que, em meio à incompreensão de si e do mundo, na impossibilidade de provar a existência ou a inexistência de Deus, o homem aposta na, quase mística, intuição do coração (coeur). É neste sentido a leitura de Leopoldo e Silva, ao salientar que, “Para Descartes a intuição é uma visão intelectual da idéia; daí a importância da inspeção do espírito na procura da idéia verdadeira. Para Pascal a intuição é antes

uma visão do coração.”141

François Mauriac, um dos mais célebres escritores católicos do século XX, mesmo ao condenar a heresia do jansenismo que Pascal

139

FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das

ciências humanas. Tradução de Salma Tannus Muchail. São Paulo: Martins

Fontes, 1999. 140

FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das

ciências humanas. Tradução de Salma Tannus Muchail. São Paulo: Martins

Fontes, 1999, p. 91. 141

LEOPOLDO E SILVA, Franklin. Notas sobre a intuição em Pascal e Bergson. Discurso: revista filosófica. São Paulo, n. 12, 1980, p. 118.

professava, por tudo imputar a uma natureza corrupta, não deixa de louvar a atitude do jovem de vinte e quatro anos que trocou estudos pioneiros na matemática pela teologia. O que mais se destacaria de toda a sua doutrina rigorosa e pessimista, segundo Mauriac, seria sua profundidade em entusiasmar os outros pelo modo ora desesperado ora veemente com o qual lidava com a natureza, vista como baixeza. “Tendo-se apaixonado pelo conhecimento das singularidades e contradições do homem real, o mais ínfimo de seus pensamentos toca um ponto sensível em nós, desperta com segurança uma

correspondência.”142

Toda essa tensão entre uma busca pela graça e a aversão ao mundo material ou carnal, mesmo sendo uma questão desviante à doutrina majoritária que foi imposta aos católicos após a encíclica Aeterni Patris, ecoou profundamente na conversão de jovens literatos, como no filósofo Jacques Maritain, no romancista de Julien Green, nas peças de Charles Péguy, nos poemas de Paul Claudel ou no

trabalho editorial de Jacques Rivière na Nouvelle Revue Française.143

Portanto, o pessimismo gnosiológico e um terror de perder a graça fazem com que a busca pelo saber se confunda com uma profunda tensão existencial no pensamento de Pascal. Negando provas ontológicas da subjetividade ou da divindade, o conhecimento adviria do acréscimo da incompreensão de Deus à incompreensão do mundo. Entrevê, assim, alguma esperança na filosofia e na moral. Mas seu pessimismo gnosiológico o prende necessariamente à constante negação de toda e qualquer crença positiva na humanidade ou em viradas bruscas da imaginação. O teor trágico da obra de Pascal também se manifesta em um apelo constante à ponderação e apaziguamento de quaisquer excessos, o que por vezes se revela como um forte conservadorismo.

As outras religiões, como as pagãs, são mais populares porque elas baseiam-se no exterior; mas elas não são destinadas às pessoas inteligentes. Uma religião puramente intelectual seria destinada exclusivamente aos mais capazes; mas ela não serivira ao povo. A religião cristã unitária é destinada a todos, conjugando o exterior com o

142

MAURIAC, François. Pascal. Tradução de Sergio Milliet. São Paulo: Edusp, 1975, p. 21.

143

Os detalhes de cada conversão foram suficientemente bem estudados por Gugelot para a evidenciação em cada um desses intelectuais de uma certa marca de Pascal. Consultar: GUGELOT, Frédéric. La conversion des intellectuels au

interior. Ela eleva o povo ao interior e rebaixa os arrogantes ao exterior; e não poderia ser perfeita sem esses dois modos, pois o povo deve compreender o espírito pela letra e os inteligente submeterem-se ao espírito da letra. 144

A letra, em Pascal, dentro de um contexto cristão, elevaria o sentimento dos mais ignorantes e, ao contrário, diminuiria os excessos das ideias dos mais capazes intelectualmente. Segundo Oakeshott145, o pessimismo gnosiológico seria o princípio comum às ideias políticas conservadoras que surgem na modernidade. No caso de Pascal, não é exagerado, na esteira do que teoriza Oakeshott, afirmar que a concepção de uma escritura espiritualizada, tanto para elevar à condição de homem o inculto quanto para submeter sob a autoridade o culto, é o ponto de partida para ver na escritura um papel ativo e reativo. Aqui se revela o outro lado do ascetismo e do rigor moral jansenista que, ao mesmo tempo em que pretendia difundir o amor, os bons costumes e fomentar inteligência, também trazia consigo o ímpeto para combater os vícios e controlar as subversões. “Mais de juventude ou mais de velhice impedem, mais e mais, o espírito de instruir-se. Enfim, as coisas extremas são para nós como não fossem nada, e nós nada somos a seus

respeitos: elas nos escapam e nós escapamos a elas.”146

Essa face mais reativa do pensamento pascaliano vai ser resgatada, posteriormente, por intelectuais católicos brasileiros. O caso de Jackson de Figueiredo é o mais exemplar. Em 1922 publicou Pascal

144

PASCAL, Blaise. Pensées. Genebra: Pierre Cailler, 1947, p. 211, tradução nossa. Original: “Les autres religions, comme les païennes, sont plus

populaires, car elles sont en extérieur; mais elles ne sont pas pour les gens habiles. Une religion purement intellectuelle serait proportionée aux habiles; mais elle ne servirait pas au peuple. La seule religion chrétienne est proportionnée à tous, étant mêlée d’extérieur et d’intérieur. Elle elève le peuple à l’intérieur, et abaisse les superbes à l’extérieur ; et n’est pas parfaite sans les deux, car il faut que le peuple entende l’esprit par la lettre, et que les habiles soumettent leur esprit à la lettre.”

145

OAKESHOTT, Michael. Do fato de ser conservador. In: CRESPIGNY, Anthony; CRONIN, Jeremy. Ideologias políticas. Tradução de Sergio Duarte. Brasília: Editora da UnB, 1981, p. 21-42.

146

PASCAL, Blaise. Pensées. Genebra: Pierre Cailler, 1947, p. 108. Original: “Trop de jeunesse et trop de viellesse empêchent l’esprit, trop et trop peu

d’instructions. Enfin, les choses extremes sont pour nous comme si elles n’étaient point, et nous ne sommes point à leur égard: elles nous échappent ou nous à elles.”

e a inquietação moderna, pelo editorial do Centro Dom Vital, agremiação de intelectuais leigos do catolicismo, fundado por si no mesmo ano. Seu principal argumento no seu texto mais conhecido consiste em afirmar um Pascal católico que “amava a philosophia, mas tinha-lhe horror quando desviada de Deus e da lei moral”.147 Procurou equiparar a angústia do pensador jansenista à angústia do homem moderno, que estaria imerso em um desespero causado pelo ceticismo, materialismo e individualismo, todos eles desvios morais legados pela filosofia e as experiências políticas do século XVIII. Segundo Jackson, Pascal teria vislumbrado de antemão o rumo que o pensamento ocidental tomaria e, por isso, elaborou um sistema fundado na dúvida, mas desconfiado do intelectualismo e do racionalismo quando carentes