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Neste capítulo, serão descritos dois tipos de intervenção realizada: a primeira, com pessoas com síndromes demenciais em estado avançado, apenas acompanhados na Psicomotricidade enquanto que, numa segunda parte, será apresentada a resposta terapêutica a pessoas que, dado o avançar da sua condição clínica, já estavam acamadas, realizando-se uma coterapia com a Fisioterapia. Em ambas as situações, são descritos os casos ao mesmo tempo que é feito o paralelismo com os dados da literatura.

5.1 Pessoas com Demências em Estado Avançado

Os casos seguidamente referidos tinham, em comum, o facto de terem síndromes demenciais em estados bastante avançados e de terem sessões de pequena duração, dadas as dificuldades em permanecer grande tempo em atividades (Rodríguez, 2003; Stopford et al., 2012). Aqui, existiu a dificuldade de realizar uma avaliação recorrendo a um protocolo, por isso, optou-se por se realizar observação do comportamento, como a reação aos estímulos, as tentativas de comunicação e o nível de vigília (Pace et al., 2011a). No final de cada intervenção, era realizado um pequeno registo (Morais, 2007) de forma a monitorizar a intervenção.

A Ariana, de 82 anos, apresentava no seu diagnóstico uma síndrome demencial, na sequência da qual tinha episódios de alucinações visuais. Devido a este quadro, a residente encontrava-se, maioritariamente, no quarto, ainda que em alguns momentos fosse levada para a sala de estar, onde nos períodos mais calmos estava com os outros residentes. A intervenção psicomotora centrava-se, por um lado, na redução da agitação causada pelas alucinações, uma vez que achava, frequentemente que tinha que sair do lar por ter coisas para fazer, o que perturbava o seu bem-estar (Pontone et al., 2017). Neste aspeto, recorria-se à utilização da música, estratégia sugerida na literatura (Ho et al., 2011; Gallego e García, 2016; Madera, 2005; Pace et al., 2011b), que a permitia focar-se noutro estímulo. Paralelamente, realizava-se uma pequena massagem de mãos com um creme aromático, que também a tranquilizava (Yang, et al., 2016; Kaymaz e Ozdemir, 2016; Munk e Zanjani, 2011; Pace et al., 2011b). Nos dias em que estava

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mais calma, eram realizadas atividades com enfoque na estimulação da praxia fina, da memória e da leitura, capacidade que ainda a preservava e que a ocupava.

A Sara, de 83 anos, tinha também uma síndrome demencial num estado bastante avançado, sendo totalmente dependente em todas as suas AVD, já tendo perdido a marcha e as capacidades de comunicação verbal. Este era um caso onde se verificava uma forte apatia e frequentes estados de ansiedade e angústia. O trabalho com a Sara passava, essencialmente, pela promoção do bem-estar, recorrendo a estímulos que lhe eram confortáveis, como os cheiros aliados à massagem, técnica referida por Yang, et al. (2016), Kaymaz e Ozdemir (2016), Munk e Zanjani (2011) e Pace et al. (2011b), de forma a maximizar o conforto e potenciar a comunicação não verbal, alcançado em pequenos momentos da intervenção.

A Leonor, de 85 anos, tinha um diagnóstico de Doença de Alzheimer, bastante avançada, com graves comprometimentos a nível cognitivo, perda da marcha e total dependência nas AVD, acentuadas pelo facto de já ter perdido grande parte da visão. Em sessões de GPM, trabalhava-se, essencialmente a noção do corpo, nomeadamente, a perceção dos limites corporais, uma vez que tal tarefa comprometia a sua autonomia à hora de refeição, especificamente no movimento de levar a colher à boca, sendo que esta dificuldade de organizar os movimentos quando o esquema corporal está afetado é referido por Juhel (2010). Também no sentido da promoção desta autonomia, foram realizadas várias tarefas de preensão fina (manipulação de pequenos objetos, encaixes e modelagem de plasticina), às quais Juhel (2010) e Nuñez e González (2012) também dão enfoque, aliadas à questão da estimulação sensorial. Por fim, é ainda de referir e, uma vez que a Leonor estudou Línguas e Literatura utilizavam-se, com frequência, declamações de poesia e música para se estimular a memória a curto prazo e a fluência e a coerência do discurso.

A Rute, de 92 anos, tinha uma síndrome demencial e, apesar de ter um grande défice ao nível das competências cognitivas, mantinha as capacidades de marcha e autonomia às refeições. A par disto, verificavam-se algumas alterações comportamentais e dificuldade no controlo da impulsividade. Assim, a intervenção, por um lado, passou por estimular as capacidades cognitivas, partindo da leitura, componente bastante preservada, mesmo com o avançar da demência, aspeto também salientado por Zhuang et al. (2016) e tarefa da qual a residente gostava. Por outro lado, trabalhou-se o controlo da impulsividade, utilizando-se, frequentemente, textos com palavras sublinhadas que não poderia ler e pinturas em livros de água sendo que, esta última tarefa,ajudava a Rute a realizar movimentos menos bruscos, o que poderá estar

relacionado com o facto de uma maior consciencialização do movimento, permitindo um relaxamento a este nível (Madera, 2005).

A Carina, de 93 anos, também com síndrome demencial e indicação de alterações de humor, tinha um défice ao nível das funções cognitivas e perda da marcha, devido a uma queda, a par das dificuldades de relação com os outros residentes. Na GPM, procurou-se estimular as competências cognitivas, promovendo-se, sobretudo, a atenção, uma vez que o tempo de permanência nas atividades era bastante reduzido. Outra das preocupações passou por se realizarem atividades que envolvessem, na maioria das vezes, a participação de um outro residente, recorrendo-se, com frequência, a tarefas com balões, bolas ou objetos de grandes dimensões, onde a Carina tivesse que colaborar com o outro para o sucesso da atividade, aspeto que foi, progressivamente, aceitando melhor. A partilha da tarefa com o outro é sugerida por Rodríguez (2003) quando se trata deste nível de progressão da demência, a par da utilização dos materiais, que também é um facilitador, na medida em que cria a ideia de partilha entre o par (Madera, 2005), potenciando ainda mais a interação deste (Nuñes e González, 2012). Dada a sua impaciência, outra estratégia que se revelou importante passou por concretizar tarefas onde visse um resultado imediato e que não implicasse tempo de espera, o que poderá estar relacionado com as dificuldades de atenção, na medida em que, sempre que a pessoa idosa tem um período de espera, é depois difícil voltar à mesma (APA, 2013).

De uma forma geral, e conforme o expectável para as residentes referidas, verificou-se a manutenção das competências com algumas pequenas melhorias (Morais, 2007) conforme está especificado em cada caso.

O acompanhamento destes casos revelou-se particularmente interessante na medida em que, por serem sessões que, apesar de terem objetivos traçados previamente, a estrutura das mesmas era adaptada no momento, de acordo sobretudo com o estado emocional das pessoas e, por vezes, do seu nível de vigília, obrigando a uma maior capacidade de adaptação. Por outro lado, e uma vez que não existiu um protocolo inicial e final da avaliação, outro dos pontos em destaque foi a forma como a observação se tornou fundamental para se gerir a intervenção com cada caso.

5.2 Pessoas Acamadas

Ao nível do trabalho com as pessoas que estavam acamadas, a intervenção iniciou-se com um processo de observação, uma vez que, nestes casos, não era possível aplicar um protocolo de avaliação formal, registando-se aspetos como a agitação, as tentativas

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de comunicação verbal, os movimentos realizados e o nível tónico (Pace et al., 2011a), tópicos observados em todas as sessões (Morais, 2007).

Este aspeto foi transversal à GPM e à Fisioterapia, sendo que os casos eram acompanhados pelas duas técnicas, em momentos diferentes da semana. A utilização desta coterapia surgiu pela necessidade de uma das principais limitações ao trabalho da fisioterapeuta (focada na mobilização ativa e passiva e alongamento muscular) ser a rejeição ou o desconforto em relação ao toque, que limitava a colaboração das pessoas idosas. Os residentes, contabilizando as sessões de GPM e Fisioterapia, tinham cerca de três intervenções por semana, não mais do que meia hora.

Estas pessoas estavam, na maior parte do dia, deitadas, fazendo o levante por pequenos períodos. A grande maioria tinha graves limitações ao nível da comunicação verbal e não verbal, ainda que mais acentuada na primeira, em consequência dos declínios cognitivos apresentados, justificados pela condição clínica de síndromes demenciais em estado bastante avançado. Estas pessoas eram muito dependentes em todas as AVD e a maior parte das pessoas era alimentada através de sonda.

Por este grupo passaram, em momentos diferentes, oito residentes (cinco do género feminino e três do género masculino), com idades compreendidas entre os 81 e os 94 anos, sendo a média das idades de 90 anos (±2.75). A apresentação resumida dos casos deve-se, exclusivamente, a questões de organização do relatório.

Nestes casos, havia algumas áreas em declínio, como a redução da sensibilidade (Vieira et al., 2016) e a dificuldade em distinguir estímulos (Amaied et al., 2015; Aubert e Albaret, 2001). Assim, como objetivos da GPM, a par do conforto associado ao toque, promoveu-se o reconhecimento dos estímulos sensoriais e dos limites corporais e a expressão das sensações obtidas (Le Roux, 2001).

Como estratégias de intervenção recorreu-se, com frequência, ao toque (Gaucher-Hamoudi e Guiose, 2007) com objetos mediadores como bolas e, paralelamente, e de forma a estimular os sentidos (Morais, 2007), utilizaram-se objetos com diferentes temperaturas.

Durante as intervenções realizadas, as sessões eram discutidas durante essa semana com a fisioterapeuta, não só para se garantir que havia uma gestão organizada o mais possível do tempo de intervenção de cada pessoa, mas para refletir sobre os casos, nomeadamente referentes às principais limitações no trabalho desenvolvido nas duas terapias como o gerir o baixo nível de vigília e a pouca tolerância ao cansaço por parte dos residentes, aspeto que foi tido em conta na preparação das sessões

Concluindo, uma das questões a salientar deste trabalho, foi a importância do trabalho em equipa, neste caso com a fisioterapeuta, que permitiu dar uma resposta mais completa aos casos, dando-lhes maior conforto, em situações de grande fragilidade clínica.