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Não temos dúvidas de que a formalização de uma política de saúde pública como PAIUAD representa avanços na construção de um modelo de atenção à usuários de AD mais humanizado e mais afinado com princípios do SUS. O que não é possível afirmar com certeza, embora seja o nosso pensamento, é que esta política pode ter influenciado na elaboração de novos instrumentos legais e políticos sobre “drogas” que sucedem sua publicação, assim como a revisão de instrumentos que a precederam. Todavia, não há como saber ao certo se essa relação se deu e deixamos essa ideia apenas no campo das conjecturas. De qualquer forma, queremos relacionar neste tópico uma série de outros instrumentos legais e políticos que foram lançados após a publicação da PAIUAD e que compõe o atual marco legal e político sobre drogas do Brasil. Nesse sentido, em 2004 a SENAD propôs ao Conselho Nacional Antidrogas (CONAD) o realinhamento da então Política Nacional Antidrogas. Em

28 I – Objetivo; II – Da informação e proteção da população quanto ao consumo do álcool; III - Do conceito de

27 de outubro de 2005, a Resolução Nº 3/GSIPR/CH/CONAD institui A Política Nacional sobre Drogas que traz não só uma modificação de grande valor simbólico em sua nomenclatura, pois abandona o termo “antidrogas” (forjado na influência da guerra às drogas) para adotar o termo “sobre drogas” (com conotação de uma política que se debruça sobre uma questão ao invés de combatê-la). Além disso, a nova Política apresenta alteração de 92% dos itens em relação a Política anterior (BRASIL, 2008).

A Política Nacional Sobre Drogas está organizada em “Pressupostos”, “Objetivos” e outros cinco tópicos29 onde se encontram orientações gerais e diretrizes para cada um deles. Dela se quer destacar alguns pressupostos e objetivos que estão em consonância com a PAIUAD e com a lei 11.343, dos pressupostos ressalta-se:

- Reconhecer as diferenças entre o usuário, a pessoa em uso indevido, o dependente e o traficante de drogas, tratando-os de forma diferenciada. - Tratar de forma igualitária, sem discriminação, as pessoas usuárias ou dependentes de drogas lícitas ou ilícitas.

- Garantir o direito de receber tratamento adequado a toda pessoa com problemas decorrentes do uso indevido de drogas.

- Não confundir as estratégias de redução de danos com incentivo ao uso indevido de drogas, pois se trata de uma estratégia de prevenção. (Brasil, 2008, p. 13).

Dos objetivos acentua-se:

- Implantar e implementar rede de assistência integrada, pública e privada, intersetorial, para pessoas com transtornos decorrentes do consumo de substâncias psicoativas, fundamentada em conhecimento validado, de acordo com a normatização funcional mínima, integrando os esforços desenvolvidos no tratamento.

- Avaliar e acompanhar sistematicamente os diferentes tratamentos e iniciativas terapêuticas, fundamentados em diversos modelos, com a finalidade de promover aqueles que obtiverem resultados favoráveis.

29 1) Prevenção; 2) Tratamento, Recuperação e Reinserção Social; 3) Redução dos Danos Sociais e à Saúde; 4)

- Reduzir as consequências sociais e de saúde decorrentes do uso indevido de drogas para a pessoa, a comunidade e a sociedade. (Brasil, 2008, p. 15).

Em 2009 a constituição de uma rede assistencial de saúde a usuários de AD ganha forte impulso com a publicação da Portaria n.º 1.190, de 4 de junho de 2009, que institui o Plano Emergencial de Ampliação do Acesso ao Tratamento e Prevenção em Álcool e outras Drogas no SUS (PEAD). Este Plano visa intensificar, ampliar e diversificar as ações de prevenção, promoção da saúde, tratamento e redução dos riscos e danos associados ao uso prejudicial de AD tendo como prioridade 108 municípios. A escolha destes se deu segundo alguns critérios: ser capital de Estado, ter população superior a 250.000 habitantes, ou estar localizado em região de fronteira com outros países. Outra prioridade do PEAD se volta para o segmento populacional constituído por crianças, adolescentes e jovens em situação de vulnerabilidade e risco (BRASIL, 2010a). O Art. 4º define quatro eixos de intervenções para as linhas de ação do PEAD:

EIXO 1 - Ampliação do acesso ao tratamento: expansão da rede de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS); ampliação dos leitos de atenção integral em saúde mental e do atendimento pela Rede de Urgência e Emergência; expansão das ações de saúde mental na atenção básica; articulação efetiva da rede de saúde com a rede de suporte social;

EIXO 2 - Qualificação da Atenção - Formação, avaliação, monitoramento e produção de conhecimento: qualificação da rede de cuidados, com investimento na formação, avaliação, monitoramento e produção de conhecimento;

EIXO 3 - Articulação intra e intersetorial, com a sociedade civil e participação social: apoio à articulação entre as políticas da Saúde, Desenvolvimento Social, Educação, Esporte, Justiça, Trabalho, Direitos Humanos, Cultura e outras políticas sociais. Apoio a ações com a participação da sociedade civil, em projetos comunitários que se articulem às redes de saúde mental;

EIXO 4 - Promoção da saúde e dos direitos, inclusão social, enfrentamento do estigma: apoio a estratégias e ações para a sensibilização de gestores, profissionais e população em geral sobre os direitos das pessoas que usam álcool e outras drogas e a experiências comunitárias e ações culturais que trabalham com o estigma e com a inclusão social; (Brasil, 2010a, p. 171 e 172).

Em 20 de maio de 2010, com a difusão, sobretudo midiática, do uso de crack, a Presidência da República, mediante Decreto n.º 7.179, institui o “Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas”, com vistas a instituir ações para prevenção do uso de drogas, tratamento e reinserção social de usuários e enfrentamento do tráfico de crack e outras drogas ilícitas. No artigo 2º, apontam-se os seguintes objetivos deste Plano:

I - estruturar, integrar, articular e ampliar as ações voltadas à prevenção do uso, tratamento e reinserção social de usuários de crack e outras drogas, contemplando a participação dos familiares e a atenção aos públicos vulneráveis, entre outros, crianças, adolescentes e população em situação de rua;

II - estruturar, ampliar e fortalecer as redes de atenção à saúde e de assistência social para usuários de crack e outras drogas, por meio da articulação das ações do Sistema Único de Saúde - SUS com as ações do Sistema Único de Assistência Social - SUAS;

III - capacitar, de forma continuada, os atores governamentais e não governamentais envolvidos nas ações voltadas à prevenção do uso, ao tratamento e à reinserção social de usuários de crack e outras drogas e ao enfrentamento do tráfico de drogas ilícitas;

IV - promover e ampliar a participação comunitária nas políticas e ações de prevenção do uso, tratamento, reinserção social e ocupacional de usuários de crack e outras drogas e fomentar a multiplicação de boas práticas;

V - disseminar informações qualificadas relativas ao crack e outras drogas; VI - fortalecer as ações de enfrentamento ao tráfico de crack e outras drogas ilícitas em todo o território nacional, com ênfase nos Municípios de fronteira (Brasil, 2010b, p. 1).

Com isso, é perceptível que desde a década de noventa até o momento atual, uma série de leis, decretos, portarias, resoluções, recomendações e deliberações foram publicadas visando estruturar a rede de atenção voltada para pessoas com transtornos mentais e com necessidades decorrentes do uso de AD. Contudo, somente em 2011 esta rede foi oficialmente instituída no âmbito do SUS através da Portaria n.º 3.088, de 23 de novembro de 2011. A instituição da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) segue o movimento do Ministério da Saúde de constituição de redes temáticas e reafirma o modelo de atenção psicossocial como lógica de funcionamento desta rede estando em concordância com a

PAIUAD. As diretrizes da RAPS atentam para o respeito aos direitos humanos e para a garantia da autonomia e a liberdade das pessoas, pelo combate a estigmas e preconceitos reforçando a necessidade de atenção humanizada e centrada nas necessidades das pessoas. Também são assinaladas como diretrizes a diversificação das estratégias de cuidado e o desenvolvimento de estratégias de RD, a ênfase em serviços de base territorial e comunitária, com participação e controle social dos usuários e de seus familiares, bem como a necessidade de organização dos serviços em rede de atenção à saúde regionalizada, com estabelecimento de ações intersetoriais para garantir a integralidade do cuidado, além do desenvolvimento da lógica do cuidado que tenha como eixo principal a construção do projeto terapêutico singular. Este documento ainda dispõe sobre a criação de novas modalidades de serviços e sobre a ampliação e articulação dos distintos pontos de atenção que compõe esta Rede (BRASIL, 2011b).

A RAPS é constituída por sete componentes30 que representam diferentes níveis e/ou estratégias de atenção à saúde. Cada um destes componentes é constituído por diversos pontos de atenção, no componente II (Atenção Psicossocial Especializada) encontram-se as diferentes modalidades de CAPS. Ao analisar este componente, notam-se duas diferenças em relação ao modo como o CAPS AD está disposto na Portaria n.º 336/2002. Nesta última Portaria o CAPS AD constituiu-se apenas na modalidade CAPS AD II, ou seja, como serviço ambulatorial de atenção diária com funcionamento em dois turnos durante os cinco dias úteis da semana, podendo comportar um terceiro turno funcionando até as 21:00 horas e com capacidade operacional para atendimento em municípios com população igual ou superior a 70.000 (BRASIL, 2002). Já na Portaria n.º 3.088/2011, além do CAPS AD II, o item “e” do componente Atenção Psicossocial Especializada dispõe sobre o CAPS AD III abrindo a possibilidade de constituição deste serviço com funcionamento 24 horas, incluindo feriados e finais de semana, indicado para municípios ou regiões com população igual ou acima de 200.000 habitantes (BRASIL, 2011b).

30 I - Atenção Básica em Saúde; II - Atenção Psicossocial Especializada; III - Atenção de Urgência e

Emergência; IV - Atenção Residencial de Caráter Transitório; V - Atenção Hospitalar; VI - Estratégias de Desinstitucionalização; e VI - Reabilitação Psicossocial.

Os Centros de Atenção Psicossocial de Álcool e outras Drogas 24 h (CAPS AD III) são regulamentados no SUS através da Portaria n.º 130, de 26 de janeiro de 2012, que redefine estes serviços e os respectivos incentivos financeiros. Tal portaria traz inovações nas disposições gerais de constituição desta modalidade de CAPS estendendo a possibilidade de cuidado aos usuários para todos os dias da semana incluindo as noites, finais de semana e feriados, possibilita também o atendimento à população infanto-juvenil, desde que atendendo aos requisitos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), e permite que os CAPS AD III se constituam em referência regional, abarcando mais de um município, como retaguarda para grupo populacional de 150 (cento e cinquenta mil) a 300 (trezentos) mil habitantes (BRASIL, 2012a). Em linhas gerais é possível afirmar que as diretrizes de funcionamento e de atenção aos usuários dispostas na Portaria n.º 130/2012 permanecem as mesmas já estabelecidas na Portaria n.º 336/2002 e reiteradas na PAIUAD, incluindo-se algumas orientações referentes ao funcionamento do acolhimento noturno como podemos observar no Art. 5°, item IV “condicionar o recebimento de usuários transferidos de outro Ponto de Atenção, para acolhimento noturno, ao prévio contato com a equipe que receberá o caso” (BRASIL, 2012a, p. 3) e VI “regular o acesso ao acolhimento noturno, com base em critérios clínicos, em especial desintoxicação, e/ou em critérios psicossociais, como a necessidade de observação, repouso e proteção, manejo de conflito, dentre outros” (BRASIL, 2012a, p. 3). Outras orientações versam sobre o tempo de permanência do usuário que for inserido no acolhimento noturno, conforme o Art. 6°:

§ 1° A permanência de um mesmo usuário no acolhimento noturno do CAPS AD III fica limitada a 14 (catorze) dias, no período de 30 (trinta) dias; § 2° Caso seja necessária permanência no acolhimento noturno por período superior a 14 (catorze) dias o usuário será encaminhado a uma Unidade de Acolhimento;

§ 3º A regra estabelecida nos §§ 1º e 2º poderá ser excepcionada a critério da equipe do serviço, quando necessário ao pleno desenvolvimento dos Projetos Terapêuticos Singulares, devendo ser justificada a Coordenação Municipal de Saúde Mental; (Brasil, 2012a, p. 4 e 5).

Para a operacionalização do acolhimento noturno e funcionamento durante os finais de semana há um redimensionamento da equipe mínima para atuar nos períodos, diurno, noturno e finais de semana, bem como uma readequação da estrutura física mínima da unidade que deverá comportar “no mínimo 8 (oito) e no máximo 12 (doze) vagas para acolhimento noturno” (Brasil, 2012a, p. 6).