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CAPÍTULO 4: APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS E DO PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO/ INTERVENÇÃO

4.4 Outros obstáculos

Depois de cuidarmos dos obstáculos “reconhecimento dos diplomas” e “preconceito”, falaremos neste tópico de outros obstáculos identificados no dados recolhidos. Começamos pela questão da desvalorização profissional, ou seja, da falta de valor dada a toda experiência profissional do migrante conquistada em seu país de origem. Muitos, por exemplo, com mais de cinco ou dez anos de experiência, quando chegam no país de destino precisam começar do zero.

“É uma coisa que eu digo que não deveria existir era a desvalorização profissional porque só por ela ter sido exercida lá no nosso país aqui não serve, mas não. (...) Só porque exerceste vinte anos de profissão lá, quando chega aqui aqueles vinte anos vão reduzir a zero praticamente.” (entrevista – instituição 1)

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Neste seguimento, evidenciamos a passagem abaixo que retoma um dos temas abordados no capítulo teório, qual seja, o desperdício de qualificações ao não valorizar e absorver esses migrantes qualificados.

“Em alguns casos trata-se de profissionais independentes que procuram uma inserção laboral compatível com as suas qualificações. Por vezes, os movimentos não têm sucesso e os migrantes podem ser empurrados para os segmentos secundários do mercado de trabalho. É em circunstâncias deste tipo que se fala em sobre-qualificação, “desperdício de qualificações” ou brain waste.” (Cerdeira

et al, 2013:45)

E, o entrevistado anterior complementa contando ser frequente o migrante permanecer muito tempo nos empregos de base e não alcançar ascensão profissional com o passar do tempo. Isso porque a pessoa se acostumou com o salário garantido no final do mês e perdeu a motivação para procurar um trabalho na sua área, ou por ter passado tempo demais fora da área de formação e se tornado um profissional desatualizado para o mercado de trabalho, enfim, depende muito de cada um e da área de atuação profissional.

“No teu país de origem, tás no topo da empresa, conseguiste tudo e decides fazer migração pra tentar a sorte até se calhar numa altura e dar um salto. E quando chega aqui vais começar outra vez da base, vai se voltar outra vez pra base, em certas profissões. Aquilo que eu tenho visto é muitas vezes as pessoas permaneceram demasiado tempo nas bases, nos trabalhos de base e depois não conseguirem dar o salto novamente ou demorar imenso tempo até que surja, até aparecer uma nova oportunidade da área profissional.” (entrevista – instituição 1)

Se sentir desvalorizado ao se candidatar para as vagas no mercado primário é algo que faz parte do dia a dia dos migrantes. Entretanto, muitos possuem a impressão de que esse obstáculo não é comum para os profissionais da área de T.I.. Desta maneira, selecionamos alguns depoimentos:

“Mesmo quando você tem um bom ou ótimo currículo e qualificações, você não é valorizado para cargos superiores. A preferência sempre será do português mesmo sem as mesmas qualificações. As vagas em sua maioria são oferecidas na parte operacional apenas. Porém vale ressaltar que na área de informática isso não acontece e é bem visto o profissional no país. Existe muita dificuldade para atuar em sua área de experiência e ou qualificação, para não dizer quase impossível.” (inquérito por questionário – participante 24)

“Baixa empregabilidade nas áreas de qualificação. A única área que absorve demanda é T.I.. Baixa aceitação de profissionais em áreas de qualificação que sejam de nacionalidade brasileira.” (inquérito por questionário – participante 52)

Contribuindo para a percepção da área de T.I. fugir às regras, tendo mais vagas e com uma aceitação maior de pessoas de outros países, separamos uma parte do diálogo do grupo de discussão:

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“Participante 5: Mas vejo que diferente de toda as outras áreas, T.I. eu acho que é a que mais procura aqui, que tem emprego

Participante 1: No mundo inteiro.

Participante 5: Não muda muito. Então, aqui tem bastante oportunidade, eu recebi já oportunidade de

me chamarem no LinkedIn, então acho que é uma área que ainda tá muito em falta aqui

principalmente. Tem muitas empresas ainda com relação a São Paulo que é uma grande cidade onde já tem, enfim, a tecnologia já está

Participante 1: Muito à frente né.

Participante 5: Mais bem a frente, então eles procuram muito brasileiros até.

Participante 1: E a área de T.I. ela tem uma cabeça mais aberta assim, não é igual em outras áreas assim porque a área de T.I. acaba contratando pessoas do mundo inteiro.

Participante 5: Exato, já aceita mais, já tem mais a cultura da diversidade.”

Dando continuidade ao tema obstáculos, outro que fomentou uma discussão foi a ausência de retorno por parte das empresas tanto a respeito dos currículos recebidos, quanto das entrevistas realizadas. Os migrantes relatam que este “silêncio” causa uma enorme frustração e desapontamento, afinal, a tarefa de encontrar um trabalho nunca é fácil e sem feedback a dificuldade aumenta.

“Participante 1: Eu demorei mais de um ano para conseguir na área (...) amanhã eu inicio né, como eu falei na área de recursos humanos, mas assim, foi a última entrevista que eu tinha feito antes de entrar na pastelaria porque foi muito desgastante assim, é muito, muito difícil assim, eles não dão oportunidade.

(...)

Participante 1: E chega a ser muito cansativo né. A gente fazer entrevistas e não ter retorno porque é muito diferente no Brasil, pelo menos né, vou falar eu como profissional mais as minhas colegas que trabalhavam no RH, a gente tinha muita essa questão de que poxa tem que dar o retorno, a pessoa tá esperando, independente se você passou ou não, você não precisa falar o motivo né, especificar porque a pessoa não passou, mas pelo menos dar um retorno.

Participante 3: Não dão. Parece que você nem mandou.” (grupo de discussão)

Adicionalmente à falta de feedback, os participantes do grupo de discussão salientam o fato de haver muita burocracia e esta complicar muito a integração dos migrantes no país de acolhimento.

“Participante 1: É, eu acho que é muita burocracia também (...) Eu acredito que seja muito burocrático,

por exemplo, algumas empresas eu até fiz entrevistas em shopping, por exemplo, uma amiga minha

passou em uma das lojas e não contrataram ela porque ela não tinha o número da Segurança Social. Só que como é que ela vai ter o número da segurança social que quem tem que dar é a empresa. E a empresa não quer dar.

Participante 3: A empresa não quer se responsabilizar por você. (...)

Participante 2 Eu fico brincando dizendo que eu não aguento ser imigrante duas vezes. Ou é aqui ou não mais porque a burocracia assim tira você do sério. Por muito pouco eu não perdi essa bolsa desse projeto e eu tenho certeza que eu só consegui ficar por conta do coordenador do projeto que foi muito insistente e ajudou bastante no processo.

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Participante 1: É desgastante né. Eu acho que seria muito mais prático se eles perguntassem antes “olha você tem o NISS? Ah então desculpa, você não pode participar da entrevista”, “Olha você tem inglês fluente? Ah não tem, então não dá”. Não. Eles esperam você participar da entrevista pra coletar todas as informações.

Participante 3: E não lhe responde depois. Participante 1: É.

(...)

Participante 1: É desgastante.

Participante 2: É muito estressante, muito desgastante, eles são muito burocráticos e a burocracia é um terror.”

Importante salientarmos que estes participantes dizem existir muita burocracia não só no processo de contratação das empresas mas também nos serviços como na segurança social e no próprio SEF. Relativamente a este, assim como abordaremos no próximo ponto “dificuldades enfrentadas pelas instituições no apoio aos migrantes na sua integração”, os migrantes trouxeram a problemática do agendamento para atendimento neste serviço.

“Participante 3: Porque no SEF tá parado, você não consegue marcar, só pra quando aparecer vaga. Eu digo, mas o SEF vai fechar? eu ligo para lá e entro no site e não tem vaga né para renovar. “Não”. Mas não tem vaga nem pra 2020, 2021, 2050 porque quando a gente fecha uma coisa a gente tem um tempo certo pra atender as pessoas. Ninguém sabe responder.

(...)

O SEF pra mim não tem sentido ser só um posto de atendimento no SEF e duas pessoas pra atender, não tem sentido, isso é surreal.

Participante 1: É surreal.

Participante 3: Tinha que ter pelo menos três pontos com cinco pessoas em cada ponto, sabe. Pra ter sentido pra eles o atendimento, eles tão ganhando muito dinheiro.

Participante 1: E eu acho que eles não tão tendo muita noção.

Participante 3: O SEF ta ganhando muito dinheiro porque quando eu cheguei em 2017, eu pagava eu acho que era 30 euros ou 40 euros e a gente ia lá pegar sua carteira. Agora eles entregam em casa e agora ficou mais caro, agora eu paguei ano passado 56, agora é 66. E a quantidade de gente chegando sabe. (...)”

Além do exposto até o momento, ou seja, enfrentar a burocracia, o preconceito, a falta de feedback das empresas, a devalorização profissional, um participante do grupo de discussão faz mais uma observação no tocante a confusão das informações. Muitos migrantes percebem um desencontro nas informações prestadas pelos serviços, o que contribui para sua frustração na caminhada para sua integração. Este quesito será do mesmo modo elencado no próximo tópico em uma das entrevistas, isto é, que diversas vezes os migrantes chegam com as informações confusas acerca de como e o que podem fazer.

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“Mas aqui o que eu acho que mais, pelo o que eu vejo pelo menos o que mais frustra a gente, lógico que é toda a burocracia, mas que como existia algumas burocracias também no Brasil, mas, às vezes, não sei, se um pouco do preconceito ou a falta de conhecimento mesmo das pessoas em explicar pra gente esses tipos de burocracia. A gente chegar na empresa, “ó não tem NISS (...)” a gente saber mais das burocracias deles, então isso que frustra. Ou ir pra algum lugar, alguém explicar de uma certa forma, “funciona assim, assim e assado” e aí a gente vai lá pro SEF ou lá pro outro órgão, "não, não é assim, é de outro jeito", e ai a gente fica perdido nessas explicações.” (grupo de discussão - participante 5)

4.5 Dificuldades enfrentadas pelas instituições no apoio aos migrantes na sua