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Pós-68: o “leninismo apressado” e a tentação militarista

2. Um “intelectual orgânico” da extrema-esquerda: Daniel Bensaïd ou o primado da

2.2. Pós-68: o “leninismo apressado” e a tentação militarista

É nesse contexto que Daniel Bensaïd escreve, no final de 1968, sua dissertação de mestrado sobre a crise revolucionária em Lênin. Ainda que (na medida do possível!) com um perfil mais acadêmico – através da apropriação de autores como Gaston Bachelard, Freud, Sartre, Poulantzas, além de Lukács, cujo dispositivo teórico é para ele central –, o texto estava estreitamente vinculado aos debates preparatórios ao congresso de fundação da LC. A partir das definições de Lênin em A falência da II Internacional e de Trotsky em sua História da revolução russa, Bensaïd destaca, no texto, a importância do elemento subjetivo (o partido) na emergência e na possibilidade de uma saída efetivamente revolucionária à crise, através da construção e do desenvolvimento de mecanismos de duplo poder.

A intervenção subjetiva da classe revolucionária, ou seja, fundamentalmente do partido – de uma vanguarda articulada em torno de uma vontade estratégica comum –, constitui o ponto de diferenciação entre a simples situação revolucionária e uma verdadeira crise revolucionária,

“a hora da verdade”. Para Lênin, conforme a interpretação de Bensaïd, a crise revolucionária emerge quando a “diversidade não mensurável que funda a situação revolucionária é unificada pela organização que a interioriza”. O núcleo da crise, assim, não reside mais “em um ou outro dos elementos objetivos”, encontrando-se “transferida ao âmbito do sujeito que os sintetiza e os interioriza”233. Deste ponto de vista, a crise revolucionária significa o “ponto de ruptura

privilegiado” no qual o proletariado irrompe revelando a “verdade latente” da história, a qual, como a “velha toupeira” de Marx, assume a frente da cena.

Essa leitura “voluntarista”, por assim dizer, de Lênin, era explicitamente influenciada por aquela de Lukács em História e Consciência de Classe, especialmente no ensaio “Observações metodológicas sobre a questão da organização” (1922), no qual o partido é compreendido como a encarnação da subjetividade capaz de estimular a ruptura com a objetividade coisificada do capital e do Estado burguês. Em Bensaïd, tal perspectiva revelava- se na sua concepção da passagem de um “sujeito teórico” tão ausente quanto abstrato (o proletariado inscrito na estrutura do modo de produção, a “classe-em-si”) a um “sujeito prático”, representado pela vanguarda, responsável por elevar a classe à condição de “classe- para-si”, consciente do seu próprio papel na história. Para ele, o partido, “sujeito prático- político” cuja ação ocorre no âmbito de uma formação social determinada, encarna e representa, então, “não o proletariado em si, econômica, política e ideologicamente dominado, mas o proletariado ‘para si’, consciente do processo de produção no seu conjunto e de seu próprio papel nesse processo”234.

Por essa razão, a consciência política da classe só pode ser aportada, segundo Lênin (e Bensaïd, à época), “de fora”. Em si mesma, entregue às suas próprias forças, “a classe operária pode apenas alcançar uma consciência trade-unionista”, diria Lênin em Que fazer? Espontaneamente, o proletariado não consegue ir além do terreno da luta econômica. O partido, com seus “intelectuais orgânicos”, conforme afirmou Gramsci mais tarde, constitui, portanto, o instrumento através do qual a “fração consciente do proletariado” acede à luta política preparando o enfrentamento com o Estado burguês – o qual seria a “pedra angular da formação social capitalista”235. O partido constitui a fusão do movimento operário e do socialismo. Assim,

como diz Lênin, “a luta dos operários não se torna luta de classe senão quando todos os

233 Daniel Bensaïd, La notion de crise révolutionnaire chez Lénine. Mémoire de maitrise en philosophie sous la

direction d’Henri Lefebvre, Université de Nanterre, 1968. Disponible : http://danielbensaid.org/La-notion-de- crise-revolutionnaire?lang=fr, s/p.

234 Daniel Bensaïd, La notion de crise révolutionnaire chez Lénine, op.cit., s/p. 235 Idem, s/p.

representantes de vanguarda do conjunto da classe operária de todo o país possuem a consciência de formar uma só classe operária e começam a lutar não contra tal ou tal patrão, mas contra a classe capitalista inteira e contra o governo que a sustenta”236.

Na ótica do jovem Bensaïd, os partidos operários constituem uma espécie de mediação entre um sujeito (o proletariado) que não tem ainda total consciência de sua missão histórica e um objeto (a formação social capitalista) que eles devem transformar237. Em outros termos, o partido traduz em alguma medida, segundo a leitura leninista de Daniel Bensaïd, um “projeto” no sentido sartreano, tal como exposto em La critique de la raison dialectique (1960): o projeto constitui uma “superação subjetiva da objetividade”, na qual se almeja estabelecer o entrelaçamento entre as condições “objetivas” e o horizonte aberto dos possíveis. “Tensionado entre as condições objetivas do meio e das estruturas objetivas do campo dos possíveis”, o projeto “representa a unidade dinâmica da objetividade e a subjetividade”. Por conseguinte, o “subjetivo” (identificado ao partido, nesse caso) retém em si “o objetivo que ele nega e que ele supera na direção de uma objetividade nova, e essa nova objetividade, em seu nível de objetivação, exterioriza a interioridade do projeto como subjetividade objetivada”238.

Daniel Bensaïd busca, assim, apreender as complexidades da passagem da classe-em-si à classe-para-si. O partido constitui, porém, em última análise, o instrumento para a tomada de consciência da classe em um sentido propriamente político: “Para além do esquematismo simplista do consciente e do inconsciente, atributos respectivos do partido e da classe, a problemática leninista da organização acompanha, a bem dizer, a remodelação freudiana iniciada em Au-delà du principe de plaisir, onde a oposição entre consciente e inconsciente é substituída por aquela entre ‘eu coerente’ e ‘elementos recalcados’ e na qual o inconsciente constitui um atributo que afeta os dois termos”. Assim, não haveria, “na problemática leninista da organização”, um encadeamento contínuo do em-si ao para-si, do inconsciente ao consciente. Esta problemática exprime o fato de que, em uma formação social capitalista, “a classe operária para-si não existe como realidade, mas apenas como projeto pela mediação do partido”.

Ora, não é difícil perceber o quanto o ultraleninismo do jovem Bensaïd transformava o partido em uma espécie de equivalente do espírito absoluto hegeliano, afastado das contingências da consciência de classe cotidiana. Não por acaso, a dissertação sistematizava no

236 Lénine, cité par Bensaïd, La notion de crise révolutionnaire chez Lénine, op.cit., s/p. 237 Daniel Bensaïd, La notion de crise révolutionnaire chez Lénine, op.cit., s/p.

plano teórico uma concepção da política (e do partido) cujo objetivo era fazer face às “ilusões líricas” de um momento no qual o “mao-espontaneísmo”, representado particularmente pela Gauche prolétarienne, era uma das correntes hegemônicas na extrema-esquerda. A ênfase posta no partido, enquanto instrumento capaz de ultrapassar os limites do movimento espontâneo da classe, conferindo-o um caráter propriamente político, significava em Bensaïd a única resposta crível diante da provável e talvez iminente irrupção da crise revolucionária. O texto de Daniel Bensaïd dotava de um fundamento teórico o voluntarismo político da LC, ainda impactada pelos acontecimentos de 68.

Tratava-se, bem evidentemente, de uma leitura “leninista-lukacsiana” em tudo oposta à fascinação que, para Bensaïd à época, Althusser dedicava às estruturas e à ordem. Aos olhos de Bensaïd, o cientificismo estruturalista de Althusser – típico de um “marxismo glacial” – acabava por legitimar o “real” existente em detrimento do possível. Para o jovem Daniel Bensaïd e seus colegas da JCR/LC, um acontecimento como “maio de 68” demonstrava os limites do anti-historicismo e do anti-humanismo de Althusser, revelando uma nova subjetividade revolucionária em formação. “Nutridos da leitura de HCC, nós respondíamos à tirania da estrutura impessoal através de uma subjetivação (indo até um voluntarismo propriamente esquerdista). À frieza erudita das estruturas ventríloquas, através da palavra que irrompe dos ‘grupos em fusão’ [Sartre, N.A.]”239.

Assim, mais do que teórica, a questão era de fundo política. Para Bensaïd, o desdém althusseriano pela história permitia-lhe se esquivar de um balanço franco sobre o stalinismo. Não surpreende que seu pensamento tenha servido como caução teórica para empreitadas políticas como aquela de muitos dos seus alunos e discípulos na ENS, que aderiram subitamente ao maoísmo. O pensamento de Althusser permitia, desse modo, “aos aprendizes de mandarins vermelhos conciliar um projeto subversivo intensamente proclamado com a herança positivista dominante na universidade francesa”. Em outras palavras: “Tocados pela graça maoísta”, tornava-se possível “conciliar uma revolta geracional anti-hierárquica com um sólido apetite de poder e de promoção social. O maoísmo francês não tardaria a perecer desta contradição”240.

239 Daniel Bensaïd, Une lente impatience, op.cit., p.113. Em La formation de la pensée économique de Karl Marx,

publicado em 1967 pela Maspero, Ernest Mandel havia criticado, à luz dos Grundrisse, a noção de “corte epistemológico”.

240 Daniel Bensaïd, Une lente impatience, op.cit., p.111. A bem dizer, nessa passagem ao maoísmo há, em alguns

alunos de Althusser, elementos de uma ruptura com o mestre. Basta mencionar as críticas violentas que Althusser recebeu de La Cause du Peuple, jornal criado em maio de 68 e que se tornaria o jornal da Gauche Prolétarienne (GP), grupo maoísta do qual fizeram parte muitos dos ex-alunos e discípulos do filósofo argelino. Por sua vez, a relação de Althusser com o maoísmo foi bastante ambivalente. Sem jamais romper com o PCF, ele publicou em

Em 1974, para coroar essa perspectiva anti-althusseriana, Daniel Bensaïd publicaria, ao lado de outros intelectuais militantes ou simpatizantes da LCR (como Jean-Marie Vincent, Alain Brossat, Denise Avenas, J.-M. Brohm, Catherine
Colliot-Thélène, e J.-M. Poiron), uma coletânea de artigos intitulada, sem rodeios, e “no limite do excesso”, como reconheceria mais tarde: Contre Althusser241.

A despeito de sua démarche fortemente anti-althusseriana, Bensaïd não hesitou, porém, na dissertação de 1968, em utilizar a distinção – retomada por Nicos Poulantzas em Pouvoir politique et classes sociales, que tinha acabado de ser publicado pela Maspero – entre a abstração teórica do “modo de produção” e a realidade concreta da “formação social”, compreendida como a “sobreposição específica de vários modos de produção ‘puros’”, sob a hegemonia de um dentre eles. Nas palavras de Poulantzas, “a formação social constitui uma unidade complexa com a dominância de um determinado modo de produção sobre os outros que a compõem”242. Tratava-se do livro mais althusseriano de Poulantzas, na medida em que

ele retoma – dentre várias outras coisas – a definição proposta por Althusser da nova ciência fundada por Marx como “a ciência da história das ‘formações sociais’”. A crise revolucionária, no sentido pensado por Lênin, não significa, portanto, para Bensaïd (apoiando-se na formulação althusseriana de Poulantzas) a crise de um modo de produção, “porque entre modos de produção há transformação e não crise”. A crise, a bem dizer, é aquela de uma formação social específica, “na qual as contradições do modo de produção adquirem vida e se atualizam através das forças sociais reais nele implicadas”243.

Não constitui um acaso o fato de que Lênin dedicou uma parte importante de suas reflexões, como por exemplo em Le développement du capitalisme en Russie244, à análise da formação social russa, uma vez que desta análise se tornava possível determinar o caráter da revolução, assim como as alianças táticas e estratégicas necessárias. Para Lênin, a Rússia era uma formação social à dominante (modo de produção) capitalista, o que determinava, portanto, o caráter socialista da revolução no país, sob a direção do proletariado em aliança com o campesinato. Segundo Bensaïd: “no momento em que caracteriza como capitalista a formação

1966, de forma anônima, o artigo « Sur la révolution culturelle » na revista Cahiers marxistes-léninistes, do grupo maoísta Union des Jeunesses Communistes Marxistes-Léninistes (UJCML), predecessor da GP.

241 Contre Althusser, Collection Rouge, 1974 (ou Paris: Les Editions de la Passion, 1999). 242 Nicos Poulantzas, Pouvoir politique et classes sociales, Paris : Maspero, 1968, p.11. 243 Daniel Bensaïd, La notion de crise révolutionnaire chez Lénine, op.cit., s/p.

social russa, [Lênin] ilumina a autonomia enquanto classe do proletariado, única classe capaz de superar as contradições de uma tal sociedade”.

Aos olhos de Daniel Bensaïd, o que se avistava na França, após os acontecimentos de 1968, era a possibilidade de uma crise da formação social, em face da qual apenas o proletariado seria capaz de levar adiante uma saída efetivamente revolucionária, ainda que as razões dessa crise ultrapassem as questões puramente de classe. No contexto das múltiplas crises (política e ideológica, em especial), assim como dos processos de radicalização que se desenvolveram no curso dos anos 1960, a juventude escolarizada, diretamente atingida pela massificação e pela crise da instituição escolar e da Universidade (ancoradas em dispositivos “retrógrados” que pouco haviam sido modificados desde o século XIX), teria preenchido no campo político em 1968, em ruptura com a prática reformista, uma função de “substituto” ao partido revolucionário que faltava – de onde, evidentemente, os limites da empreitada.

Essa combatividade – favorecendo a emergência em seu seio de vários pequenos grupos de extrema-esquerda – conferiu ao movimento estudantil radicalizado uma função vanguardista, confrontando-o aos problemas fundamentas dos movimentos revolucionários: “articulação das lutas estudantis e lutas operárias, relação com o movimento operário organizado, estratégia de conquista do poder, tática de construção do partido etc.”, tal como escreve Henri Weber em Marxisme et Conscience de Classe. Graças a sua intervenção na luta propriamente política, o movimento estudantil estimulou o processo de radicalização das massas, contribuindo “para a maturação da vanguarda”245. Em agosto de 1969, Daniel Bensaïd

redigiu, ao lado de Camille Scalabrino, a brochura Le deuxième souffle, em que propunha “reconstruir um movimento estudantil diretamente sob a impulsão da vanguarda”, apreendendo “as determinações políticas do movimento estudantil”246. Para os autores, tal qual para os

maoístas, o sindicalismo estudantil estava “arruinado”: tratava-se assim da “agonia da UNEF”, o sindicato estudantil nacional. Mais do que buscar ressuscitá-la, era preciso criar comitês de luta. Mas, como o defendiam os dois membros da LC, tratava-se apenas de um começo: “a radicalização da juventude escolarizada, sua constituição em força de extrema-esquerda assumindo uma função vanguardista no campo político não representam um fim em si. Elas são a primeira manifestação de um processo de conjunto, o prenúncio da radicalização operária”247.

245 Henri Weber, Marxisme et Conscience de Classe. Paris : Union Générale d’Éditions, 1975, p.382, 383. 246 Daniel Bensaïd & Camille Scalabrino, « Le deuxième souffle : problème du mouvement étudiant ». Cahiers

Rouge, n.12, 1969, p.54, 36, respectivement.

Se a crise constitui sempre a crise de uma formação social concreta, cuja atualização é realizada pela luta de classes, trata-se então de uma categoria especificamente política, à diferença da despolitização que, para Bensaïd, seria a consequência inelutável do “cientificismo” althusseriano. Daí a força, na ótica de Bensaïd, da reflexão política de Lênin, responsável por uma ruptura no âmbito do marxismo, ao conceber a especificidade da política em relação ao nível social da classe. Responsável por uma “revolução na revolução”, Lênin foi o primeiro, no quadro do marxismo, que concebeu a especificidade do campo político, lócus no qual se desenvolve um jogo de poderes e de antagonismos sociais transfigurados, “traduzidos – escreve Bensaïd – em uma linguagem própria, cheia de movimentos, condensações e de lapsos reveladores”248.

É no nível político que se joga a verdadeira batalha contra o núcleo que garante a dominação capitalista: o Estado burguês. O afrontamento entre as classes fundamentais tende assim a se reduzir a um enfrentamento entre o partido e o Estado. Aos olhos de Lênin, a elaboração de uma estratégia revolucionária não pode ser dissociada da estratégia de construção de uma organização revolucionária: as duas necessidades se condicionam reciprocamente, a estratégia política revolucionária sendo a condição de eficácia da organização, enquanto essa, de outra parte, constitui a condição de existência da estratégia. De onde a sentença ultraleninista de então, professada por Bensaïd: “todas as revisões dos princípios de Lênin em matéria de organização procedem, portanto, de um jeito ou de outro, de um deslize para fora do campo político”, e, portanto, para fora do espaço no qual se joga o essencial da crise revolucionária: o Estado.

De acordo com Bensaïd, Lênin sempre buscou delimitar o partido e a política em relação à classe e ao social: se, em uma crise revolucionária, o partido tende a se identificar à classe, é porque então se torna possível a ela ascender massivamente à luta política. Para Bensaïd, delimitando a autonomia relativa e a estruturação específica da política, Lênin colidia com as leituras mais hegelianas ou luxemburguistas do marxismo, para as quais haveria um desenvolvimento inelutável, quase espontâneo, da passagem da classe enquanto sujeito teórico em-si à classe enquanto sujeito prático-político para-si, desprezando o papel essencial do partido e do nível político.

Essa crítica radical (e, em uma certa medida, injusta) a Rosa Luxemburgo, por parte de Bensaïd, se revelou em toda a sua virulência no artigo redigido junto com Samy Naïr, “A propos

de la question de l’organisation: Lénine et Rosa Luxembourg”, publicado na revista Partisans em 1968/1969249. Escrito sob o fogo cruzado das polêmicas em torno das interpretações da greve geral de maio de 68 e de qual seguimento dar às lutas futuras, o texto defende vigorosamente – mais ainda do que na sua dissertação de mestrado – a teoria da organização do partido de Lênin contra a tendência espontaneista que, segundo os autores, estaria implícita em Rosa Luxemburgo. Na contramão das “ilusões espontâneas” do momento, Bensaïd e Naïr visualizaram em Rosa Luxemburgo (de modo um pouco exagerado) uma espécie de inspiração implícita dos grupos “marxistas-libertários” saídos de maio. No início do texto, os autores afirmam: “a corrente antistalinista que se desenvolve hoje nas novas vanguardas reabilita Rosa Luxemburgo como teórica do movimento operário. A crítica das burocracias operárias extrai de sua obra referências e citações”250.

Para os leninistas e/ou trotskistas da JCR/LC, era preciso ao contrário definir o caráter estratégico da organização, no sentido mais estrito e resoluto. Como disse Daniel Bensaïd 40 anos depois (2008), em uma “introdução revisitada”: nessa época, “cada corrente estava preocupada em se delimitar rigorosamente a fim de forjar a lâmina mais afiada e se mostrar à altura dos desafios decisivos. Se a crise da humanidade se reduzia, como havia dito outrora Trotsky, à aquela das direções revolucionárias, a responsabilidade era gigantesca. Acrescentemos a isso que nós tínhamos 22 anos, o entusiasmo intacto da juventude, e que nós tínhamos acabado de viver a mais massiva e mais longa greve geral da história [da França]”251.

Com seu “simplismo entusiasta” e sua “metafísica cheia de boas intenções”, assentada em uma concepção catastrófica do capitalismo, Rosa Luxemburgo teria acabado por superestimar, na ótica de Bensaïd e de Naïr, o movimento de massas, subestimando, em revanche, a necessidade e o papel do partido – circunscrevendo as teses leninistas à realidade específica da Rússia. Inspirando-se na problemática hegeliana do “em-si” e do “para-si”, Rosa apostava em um desenvolvimento crescente da consciência de classe, a despeito das derrotas conjunturais, o que a teria levado a negligenciar a dimensão propriamente política (ou ideológica) da luta de classes, com o papel central da organização, ou das organizações, da

249 Daniel Bensaïd & Samy Naïr, « A propos de la question de l’organisation : Lénine et Rosa Luxembourg »,

Partisans, 45, décembre 1968 – janvier 1969. Mais tarde, Bensaïd reconheceria que, “tingido de ultra-bolchevismo

juvenil, o artigo de Partisans é respeitoso, mas muitas vezes injusto para com Rosa Luxemburgo”. Cf. Bensaïd, « Quarante ans après. Une introduction revisitée ». In : « A propos de la question de l’organisation : Lénine et Rosa Luxembourg », op.cit., s/p. Disponible dans : http://www.europe-solidaire.org/IMG/article_PDF/A-propos-de-la- question-de-l_a10230.pdf.

250 Daniel Bensaïd & Samy Naïr, « A propos de la question de l’organisation… », op.cit., s/p. 251 Bensaïd, « Quarante ans après. Une introduction revisitée », op.cit., s/p.

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