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Tempos de formação: a infância e adolescência paulistana de Michael Löwy

4. Intelectuais engajados ou militantes intelectuais

1.1. Tempos de formação: a infância e adolescência paulistana de Michael Löwy

Filho de país judeus, de nacionalidade austríaca, Michael Löwy nasceu em São Paulo, em 1938, quatro anos após seus pais chegarem, tal como várias outras famílias judias da Europa Central, a um país e um continente distantes da ameaça nazifascista e relativamente poupado da crise econômica que então se abatia sobre o velho continente. Ter nascido no Brasil e, mais ainda, na América Latina, lugares com os quais jamais deixaria de entretecer íntimas e intensas relações, constitui assim o primeiro dos vários “acasos objetivos” que se perfilam na trajetória intelectual de Löwy. Embora tenha percorrido um itinerário como o de qualquer outro grande intelectual europeu, Löwy fez da América Latina, como veremos, essa região que acolhera sua família, e que o acolhera, o seu reservatório utópico em um momento em que o horizonte histórico no continente europeu se estreitava a passos largos, a partir da virada para os anos 1980.

Atingidos pelo desemprego, após a guerra civil entre socialdemocratas e fascistas, a família Löwy decidiu tentar a sorte no Brasil, onde tinha alguns contatos, se estabelecendo em São Paulo, em 1934. Crescido em um ambiente familiar ainda marcado pela vida pretérita, o pequeno Félix Michael Löwy não aprendera senão o alemão até os cinco anos de idade. Em casa, começou a ler na língua de Goethe por meio da escrita gótica. Somente então, com os meninos da rua, e depois da escola pública (onde estudou no ensino fundamental e médio), Michael Löwy começou a falar e a manejar o português. O ambiente cultural familiar era todo ele “austríaco-vienense”, algo que se consolidava mediante um círculo de amizade quase restrito aos judeus austríacos. Se não havia, então, propriamente, um sentimento de exílio, malgrado a ascensão nazista na Alemanha, havia, como diz Löwy, um “espírito de comunidade judaico-austríaco [...] muito forte”92.

Não obstante, apesar da importante identificação judaica, a religião propriamente dita não desempenhava um papel significativo na família, para além dos hábitos protocolares, como ir à Sinagoga uma vez por ano no “dia do perdão”. A despeito do pouco interesse pela religião,

92 Fabio Mascaro Querido. Entrevista com Michael Löwy, Paris, setembro de 2014. As demais citações deste

o pequeno Félix Michael rezara até os 7 anos, antes de dormir, o pai nosso judaico. Essa religiosidade meramente cerimonial seria contraposta, na adolescência, simultaneamente à aproximação ao marxismo, por uma “visão antirreligiosa, anticlerical” – seria apenas bem mais tarde, no final da década de 1970, que o intelectual Michael Löwy buscaria reatar os laços com a herança religiosa (judaica, depois cristã) para nela visualizar uma dimensão utópica profícua à renovação do marxismo então asfixiado pela crise de suas ortodoxias instituídas.

O paradoxal, aqui, não é a disposição antirreligiosa do jovem que acabara de descobrir o marxismo e a extrema-esquerda (seria estranho se, naquele contexto, fosse diferente), mas sim o fato de que o primeiro impulso para o despertar do seu interesse pelo socialismo foi dado por seu irmão mais velho, um sionista-socialista (ou socialdemocrata) que lhe apresentara Marx, Engels e o Manifesto Comunista. Mais importante ainda, foi este irmão quem o colocou em contato, por volta de 1954, antes de se mudar para Israel, com uma figura que seria decisiva na sua formação intelectual e, sobretudo, política: Paul Singer, que havia sido dirigente do movimento sionista-socialista, mas que, em seguida, preferira dedicar-se à militância exclusivamente pelo socialismo. A pedido do irmão, Singer se ocuparia da formação política de Michael Löwy, orientando suas primeiras incursões políticas. Tal como o mentor, Löwy aderiria à esquerda do Partido Socialista Brasileiro, no qualper maneceria alguns meses, antes de romperem, juntos, com a linha reputada cada vez mais direitista da direção do partido, que chegara a apoiar a candidatura de Jânio Quadros em São Paulo.

Nessa época, por volta de 1955, afastado do PSB, Paul Singer entrara em contato com aqueles que, em 1956, formariam uma nova organização, “socialista-revolucionária”, a Liga Socialista Independente (LSI): Maurício Tragtenberg, Hermínio Sacchetta, Luíz Alberto Moniz Bandeira, dentre outros. Socialistas de esquerda, antistalinistas, mas igualmente distantes dos trotskistas (dos quais Sachetta havia se afastado), era em Rosa Luxemburgo que os poucos membros da LSI, que se reuniam em um espaço minúsculo na Avenida Brigadeiro Luíz Antônio, em São Paulo, buscavam a inspiração política e teórica necessária para dar forma à nova organização. Mais que Trotsky, Rosa Luxemburgo era a referência principal contra o stalinismo e a social-democracia.

Ainda assim, a inspiração da figura do revolucionário russo não estava totalmente ausente. O próprio Paul Singer, por exemplo, mantinha relações com um grupo trotskista dissidente dos EUA, denominado exatamente Independent Socialist League, e dirigido por Max Shachtman e Hal Draper, que haviam rompido com Trotsky na virada para os anos de 1940, recusando-se a aceitar a tese de que a URSS era um Estado operário (burocratizado ou

degenerado): para eles o que havia ali era, quando muito, uma espécie de “coletivismo burocrático”. Assim como Singer, Löwy, que assinara o jornal do grupo, encantara-se com este coletivo de trotskistas dissidentes que se referiam a Rosa Luxemburgo para criticar algumas das tendências do bolchevismo. Não por acaso, seria Paul Singer o responsável pela proposição do nome da nova organização (LSI), imediatamente aceito por Sachetta, Tragtenberg e pelos demais. Löwy, além disso, mantinha já nessa época boas relações com os trotskistas do POR, em especial com os irmãos Boris e Ruy Fausto, a despeito do fato de estes últimos, inspirados na linha “posadista” (em referência a Juan Posadas, trotskista argentino responsável durante um bom tempo pelas seções latino-americanas da IV Internacional), acusarem a LSI de ser a um só tempo centrista e ultra-esquerdista.

Nessa época, através de Paul Singer e da militância socialista, Rosa Luxemburgo consolidara-se como a principal referência política de Michael Löwy no âmbito do marxismo e do socialismo revolucionário, uma referência que permanecerá central ao longo de toda sua vida, a despeito das transformações pelas quais passou a sua trajetória. Esses primeiros anos de militância e de aprendizagem política seriam fundamentais na formação do jovem Michael Löwy, delimitando uma perspectiva a partir da qual ele faria suas escolhas nos planos acadêmico e profissional. No jornal da LSI, Ação Socialista, Löwy publicou seus primeiros artigos de intervenção, devidamente assinados com pseudônimos – dois, na verdade: ora Carlos Rossi, o qual ele carregaria em sua temporada europeia, ora Antônio I. Martinez, em homenagem a um operário anarquista assassinado pela polícia durante a greve de 1917 em São Paulo, e o qual ele acabaria abandonando.

Respaldado pela convicção militante, Löwy começou a cursar em 1956 a graduação em Ciências Sociais na USP da rua Maria Antônia. Para um jovem socialista, acreditava ele, o curso de Ciências Sociais apresentava-se como o mais apropriado, particularmente a fim de propiciar o conhecimento teórico necessário para a avaliação da política mais adequada à classe trabalhadora brasileira. Colega de turma de Francisco Weffort, Roberto Schwarz, Gabriel Bolafi, dentre outros e outras, seria com estes dois últimos que Löwy entreteceria estreitas relações de amizade – juntos, os três foram apelidos de “os três mosqueteiros” pelos colegas. Com Schwarz, o vínculo seria ainda mais forte e duradouro: ambos filhos de judeus austríacos emigrados no Brasil, Löwy e Schwarz haviam se conhecido alguns anos antes, em uma colônia de férias judaica em Campos do Jordão, dedicada às comunidades judaico-austríaco e judaico

alemã paulistanas93. Não demorou, logo na viagem de ônibus, para os dois jovens de 15 anos

descobrirem-se através do interesse por assuntos que, do ponto de vista do rabino responsável pela colônia, eram no mínimo inconvenientes, tais como socialismo, psicanálise, literatura94.

Dividindo seu tempo entre os estudos e a militância, Michael Löwy recrutou em 1959 para a LSI os irmãos Eder e Emir Sader, também alunos do curso de Ciências Sociais e membros da União dos Estudantes. Simultaneamente, porém, por divergência com Ermínio Sachetta, Paul Singer afastou-se da Liga, ao que foi seguido, depois de algum tempo, por Tragtenberg e por Luiz Alberto Muniz Bandeira. As poucas adesões, entre as quais as dos irmãos Sader, conseguiram, quando muito, tão-somente repor parte da perda dos militantes, de tal forma que a LSI jamais passou da barra das duas dezenas de militantes. Retrospectivamente, Löwy atribui esses limites, parcialmente, à linha ultraesquerdista que, de fato, servia de orientação para a organização, sob a influência hegemônica da figura de Sachetta95.

Na época de estudante, Michael Löwy empenhou-se na criação do Departamento de União Operário-Estudantil, no âmbito do qual participava das reuniões sindicais como representante dos estudantes. Ademais, era ele quem assinava, em nome da aliança operário- estudantil, o panfleto do Pacto de Unidade Intersindical. Na universidade, mais do que Florestan Fernandes, cuja despolitização decepcionava o jovem militante socialista- revolucionário, Antônio Cândido ou mesmo do que Fernando Henrique Cardoso e Octávio Ianni, estes sim marxistas politizados, o professor com o qual Löwy mais se identificou foi Aziz Simão, tio dos seus amigos Sader, que – segundo Löwy, em definição paradoxal – “era um socialista de esquerda, antistalinista, quase anticomunista”, mas, mais importante para o jovem estudante, era o único dos professores interessado no movimento operário96. Foi com Aziz

93 Entre 1926 e 1942, mais de 50 mil migrantes judeus (boa parte dos quais oriundos da Europa Central) entraram

no Brasil, estabelecendo-se especialmente em São Paulo, e isso apesar das leis restritivas do Estado Novo. Cf. René Daniel Decol, “Judeus no Brasil: explorando os dados censitários”. In: Revista Brasileira de Ciências

Sociais, v.16, n.46, 2000.

94 Roberto Schwarz, “Aos olhos de um velho amigo”. In: Ivana Jinkings & João Alexandre Peschanski, As utopias

de Michael Löwy: reflexões sobre um marxista insubordinado. São Paulo: Boitempo, 2007, p.155.

95 Nas palavras de Löwy: “Intransigente na discussão, Sachetta era ao mesmo tempo um espírito profundamente

democrático, que acreditava na virtude catártica da discussão [...]. Isolado, nadando contra a corrente, profeta desarmado e (quase) sem discípulos, Sacchetta não transigia com suas ideias e os princípios. Às vezes sectário, sempre sincero e coerente com suas convicções, ele aparece como uma figura original, quase única, no panorama político e intelectual dos anos 1950”. Michael Löwy, “Testemunho”, in: Hermínio Sacchetta, O caldeirão das

bruxas e outros escritos políticos. Campinas: Editora da Unicamp, 1992, p.81, 82.

96 Na realidade, Azis Simão era membro, em São Paulo, ao lado de A. Candido, Paulo Emílio Salles Gomes e

Febus Gikovate, da União Democrática Socialista (UDS), que compunha o núcleo paulista da Esquerda

Democrática, agrupamento que, em 1947, fundou o PSB. Cf. Margarida Luiza de Matos Vieira, “O Partido

Socialista Brasileiro e o marxismo (1947-1965)”, in: Marcelo Ridenti & Daniel Aarão Reis Filho (orgs.), História

Simão que Löwy fez suas primeiras incursões teóricas e investigativas sobre a consciência de classe dos trabalhadores paulistanos, tema de sua predileção e a partir do qual ele descobriria, mais tarde, através de Goldmann, a obra maior do jovem Lukács, História e Consciência de Classe.

Com a ajuda de Simão, e através do DIEESE, onde trabalhava como voluntário, Löwy fez uma pesquisa sobre a consciência de classe entre operários metalúrgicos do estado de São Paulo, distribuindo um questionário no congresso do sindicato da categoria. A ideia era aferir os diferentes níveis de consciência de classe, por meio da análise das opções políticas e sindicais dos trabalhadores (trabalhista, socialista, anarquista ou comunista). Para surpresa do jovem “pesquisador-militante”, ele foi agraciado pelo trabalho com o primeiro prêmio do “Centro de Pesquisa dos alunos de Ciências Sociais”. A síntese da pesquisa foi publicada em forma de artigo na Revista Brasileira Estudos Políticos, no começo dos anos 1960, e, mais tarde, em uma versão mais sofisticada, nos Cahiers Internationaux de Sociologie97.

A compreensão do contexto brasileiro dos anos 1950, tanto político quanto intelectual, é fundamental para se avaliar a formação do jovem Michael Löwy. Para Marcelo Ridenti, por exemplo, mais do que algum “traumatismo ético-cultural”, tal qual a Primeira Guerra para um intelectual como Lukács, foram “circunstâncias positivas que levaram parte significativa dos intelectuais brasileiros [da época] a aderir a visões de mundo marxistas”. Educada sob a vigência da constituição de 1946, e ancorada no pacto de classes dito populista, “a geração de Löwy – que chegou à universidade nos anos 1950 – foi criada em clima democrático e de esperança, apesar da Guerra Fria e das desigualdades seculares da sociedade brasileira, com as quais se esperava romper por intermédio do desenvolvimento”98. No bojo da modernização e

urbanização acelerada da sociedade brasileira, uma das mais rápidas da histórica da humanidade, a geração de Löwy vivenciou, na juventude, um dos períodos mais política e culturalmente efervescentes da história do país. Dos CPCs ao teatro de Arena, passando pelo Oficina e a Bossa Nova, até o cinema novo e o concretismo, dentre vários outros movimentos artístico-culturais, o Brasil vivia no período, como demonstrou Ridenti no livro Em busca do

97 Michael Löwy, “Opiniões e atitudes de dirigentes sindicais brasileiros”, Revista Brasileira de Estudos Políticos,

n.13, 1962; e Michael Löwy, “Structure de la conscience de classe ouvrière au Brésil”, Cahiers Internationaux de

Sociologie, vol. XLIX, 1970.

98 Marcelo Ridenti, “Romântico e errante”, in: Ivana Jinkings & João Alexandre Peschanski, As utopias de Michael

povo brasileiro99, talvez o último e mais forte sopro das vanguardas à brasileira, cuja

originalidade assentava-se na capacidade de a um só tempo apostar em utopias de futuro e resgatar aspectos do passado – não por acaso, inspirado em Löwy, Ridenti caracterizará como “romântico-revolucionária” a estrutura de sentimento (Williams) compartilhada por estes movimentos.

Ora, embora a caracterização de Marcelo Ridenti seja certeira para a compreensão dos movimentos socioculturais por ele analisados, talvez não se aplique com a mesma destreza no caso de Michael Löwy. Se a caracterização do período continua, em linhas gerais, válida, a relação que Löwy entretém com ele é bastante específica. Assim, se é verdade que o jovem Löwy compartilhou algo do clima de otimismo da época, sob o impulso da modernização desenvolvimentista, ele o fez de um horizonte muito particular, no qual a visão da época não era tão esperançosa, ao menos não antes da revolução cubana, que, tal como a revolução francesa de 1789 para os alemães, estimulou a aposta, no Brasil, de que apesar de todos os obstáculos, era possível vencer. Membro de uma pequena organização da esquerda revolucionária, que jamais ultrapassou as duas dezenas de militantes, distante tanto do reformismo nacionalista do PCB quanto do dogmatismo do trotskismo posadista dos seus amigos do POR, Löwy talvez não tenha vivenciado, ao menos não com a mesma intensidade, a atmosfera efervescente compartilhada pelos movimentos artísticos e/ou culturais que se identificavam, ainda que de forma crítica, com o pacto nacional-populista e seus possíveis desdobramentos positivos para o país – embora, evidentemente, tenha se beneficiado do contexto geral de ampliação das oportunidades para setores sociais médios com acesso à universidade.

Na ótica do próprio Michael Löwy, por exemplo, não havia de fato, nos anos 1950, “um clima de grande radicalização”. Para ele, “o clima era bem tíbio”. Na esquerda, apenas o “Partidão” era uma força organizada, enquanto os trotskistas e a LSI, juntos, pouco influíam nos debates do movimento operário. Eram “totalmente marginais”, diz ele. O que havia era um horizonte desenvolvimentista comum aos nacionalistas e aos comunistas, em especial após o giro à direita deste último, realizado pela direção do partido em 1958, com a chamada “Declaração de Março”. Havia algo de “exótico”, segundo Löwy, em participar de um “grupo

99 Marcelo Ridenti, Em busca do povo brasileiro: Artistas da revolução, do CPC à era da TV. São Paulo: Editora

Unesp, 2014. Do autor, conferir igualmente: Brasilidade revolucionária. Um século de cultura e política. São Paulo: Editora da Unesp, 2010.

luxemburguista” nesse contexto do Brasil dos anos 50, “em que predominava o nacionalismo e o stalinismo do Partidão”100.

Na USP da Maria Antônia, por sua vez, ao contrário da mitologia retrospectiva em torno da época, o clima não era de muita politização, nem mesmo no curso de Ciências sociais. Eram poucos os que realmente participavam de algo. “E esses – diz Löwy – eram vistos como curiosidades pelos outros alunos. Havia interesse político, havia interesse pela teoria marxista, mas militância política, não, era muito limitada”. Na sua turma, por exemplo, dos cerca de 25- 30 alunos, apenas ele e Francisco Weffort – além de “mais um ou dois que eram comunistas” – eram militantes políticos de fato101. Assim como em vários outros países no mesmo período, a alternativa não era das mais sedutoras para um jovem socialista antistalinista: de um lado o PCB e sua linha de aliança com a burguesia nacional e totalmente comprometida com os interesses da “pátria mãe” do socialismo (URSS); de outro, a emergência de um marxismo acadêmico renovado, mas desvinculado de toda prática política, em uma espécie de “marxismo ocidental” à brasileira.

Como vivia de perto essa irrupção de um marxismo renovado, embora circunscrito aos limites da reclusão teórica, Michael Löwy não se furtou a participar, na condição de aluno, ao lado de Roberto Schwarz, do assim chamado Seminário do Capital, em que uma plêiade de jovens professores, ademais de poucos estudantes, se reuniam quinzenalmente para ler e debater a obra magna de Karl Marx, à luz do método de explicação do texto que José Arthur Gianotti trouxera da sua temporada filosófica francesa. Dentre os participantes, pode-se destacar figuras como - além de Gianotti, que se colocava como maître à penser do grupo - os sociólogos Fernando Henrique Cardoso e Octávio Ianni, o historiador Fernando Novaes, o (futuro) economista Paul Singer, dentre outros.

Mesmo aí, entre marxistas (ou “marxólogos”, no caso de alguns), a militância de Michael Löwy não estaria isenta da suspeição, quando não da chacota, vinda daqueles para os quais o engajamento político colocaria obstáculos à seriedade da reflexão e da pesquisa acadêmicas, ainda que estas estivessem relacionadas ao marxismo ou à obra de Marx. Gianotti, por exemplo, diante dos avisos de Löwy de que não poderia comparecer à próxima sessão em

100 Michael Löwy, “A atualidade latino-americana de Rosa Luxemburgo. Entrevista concedida a Danilo César e

Isabel Loureiro”. In: Isabel Loureiro (org.), Socialismo ou barbárie. Rosa Luxemburgo no Brasil. São Paulo: Instituto Rosa Luxemburgo, 2008. pp.33-46. (p.34).

101 Ângela de Castro Gomes e Daniel Aarão Reis, “Um intelectual marxista: entrevista com Michael Löwy”.

função de alguma atividade militante, ironizava o jovem iludido: “Lá vai o escoteiro fazer a sua boa ação!”. Não surpreendentemente, tais brincadeiras irritavam “profundamente” o jovem cioso da responsabilidade militante, embora igualmente cuidadoso nos estudos, tal qual revelam os testemunhos da época.

Michael Löwy era, nesse contexto, uma figura singular, preocupado em articular reflexão intelectual e militância política, à diferença tanto das limitações teórica do PCB quanto da inapetência para a prática dos seus colegas marxistas na universidade. Movendo-se nesse terreno, ele cultivara desde então uma disposição (qualidade para alguns, deficiência para outros) em estabelecer laços com diferentes círculos políticos e/ou intelectuais: ele era um luxemburguista próximo dos trotskistas, assim como aberto às discussões com seus amigos “marxistas ocidentais” da faculdade, sem se reduzir aos limites de nenhum dos dois grupos. Sua referência principal seguia sendo Paul Singer, outro que buscara articular teoria e prática e com o qual, diria Löwy, ele “aprendeu tanto quanto na faculdade” – sem dúvida um exagero, a assertiva dá uma boa medida, porém, da escala de preocupações do jovem intelectual102.

Os principais interesses de Löwy estavam, naquela época, bem longe dos cursos da Maria Antônia - embora jamais tenha se descuidado das preocupações e da ambição acadêmica. Eles estavam, por exemplo, nos revolucionários que, das montanhas de Sierra Maestra, deram início à revolução cubana, triunfante em 1959, a qual, em especial após a radicalização

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