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CAPÍTULO 2 – PERFIL DAS SOLICITAÇÕES DE REFÚGIO

2.3 DADOS DA INSTITUIÇÃO REFERENTES ÀS SOLICITAÇÕES DE REFÚGIO

2.3.3 País de origem

No que tange aos Estados de procedência dos/as solicitantes de refúgio e refugiados/as por motivos de orientação sexual que se cadastraram na Instituição, tem-se que a grande maioria é do continente africano: 95%, com destaque para Nigéria (42%) e Camarões (17%).

93% 7%

Solicitantes de refúgio Refugiados/as reconhecidos/as

Gráfico 4. País de origem de solicitantes e refugiados/as por motivos de orientação sexual

Fonte: Dados da Instituição tabulados por Vítor Lopes Andrade, 2016

Em relação aos solicitantes e refugiados do gênero masculino, salientam-se os provenientes da Nigéria (46%), de Camarões (12%), Serra Leoa (8%), Gana (7%) e República Democrática do Congo (6%).

42% 17% 7% 7% 5% 5% 3% 9% 5% Nigéria Camarões Gana Serra Leoa República Democrática do Congo Togo Angola Outros países da África Outros

Gráfico 5. País de origem de solicitantes e refugiados por motivos de orientação sexual do gênero masculino

Fonte: Dados da Instituição tabulados por Vítor Lopes Andrade, 2016

No que diz respeito às solicitantes e refugiadas do gênero feminino, todas eram provenientes de países africanos, sendo 52% de Camarões, 14% da Nigéria, 10% de Gana e 10% de Angola.

46% 12% 8% 7% 6% 4% 3% 9% 5% Nigéria Camarões Serra Leoa Gana República Democrática do Congo Togo Angola

Outros países da África

Gráfico 6. País de origem de solicitantes e refugiadas por motivos de orientação sexual do gênero feminino

Fonte: Dados da Instituição tabulados por Vítor Lopes Andrade, 2016

De acordo com os dados oficiais do CONARE – Tabela 2 –, do total acumulado de solicitantes de refúgio no período 2010-2015 a maioria tinha como origem países da África (Senegal, Nigéria, Angola, República Democrática do Congo, Gana). Através dos dados gerais da Instituição – Tabela 8 –, viu-se que das cinco nacionalidades com maior número de solicitantes que lá se registraram, quatro eram da África (Nigéria, República Democrática do Congo, Angola, Guiné-Bissau). Assim, percebe-se que as informações referentes ao país de origem das pessoas que solicitaram o refúgio por motivos de orientação sexual e se cadastraram na Instituição está em consonância com os dados oficiais do CONARE e com os dados gerais da Instituição: se os/as africanos/as são os/as que mais requerem o refúgio no Brasil, é de se esperar que entre eles/as haja o maior número de pessoas não-heterossexuais, por razões quantitativas (quanto maior um grupo, maior a probabilidade de que haja indivíduos não-heterossexuais). Ademais, dos 75 Estados que criminalizam atos sexuais consentidos entre adultos/as do mesmo sexo, 34 são da África. Apenas 20 países africanos não condenam esses atos sexuais (CARROLL, 2016).

Entretanto, faz-se necessário ressaltar o que foi discutido anteriormente: no geral quando existe(m) outro(s) motivo(s) para solicitar

52% 14% 10% 10% 14% Camarões Nigéria Gana Angola Outros países da África

o refúgio, não se comenta sobre a sexualidade. Assim, nacionais do Iraque, Síria e Palestina, por exemplo, presentes em números consideráveis no Brasil, por terem outras razões (políticas e sociais) para pedir refúgio, podem não mencionar suas sexualidades.

Além disso, há outras duas hipóteses para o porquê a quantidade de nacionais de outras regiões, como Oriente Médio e Ásia, corresponde somente a 5% dos dados da Instituição. A primeira é que possivelmente existem outras rotas migratórias no que se refere a esses/as sujeitos/as. Por exemplo, pessoas não-heterossexuais originárias da Rússia, do Iraque e do Irã podem tender a migrar para países da Europa a fim de solicitar o refúgio, devido à proximidade geográfica. Não há como se confirmar essa hipótese, no entanto, uma vez que os dados acerca de solicitantes e refugiados/as por motivos de orientação sexual ao redor do mundo são escassos ou praticamente inexistentes.

A segunda hipótese é que os/as nacionais de regiões como Oriente Médio e Ásia recorram menos à Instituição do que as pessoas provenientes da África. Pode ser que haja uma rede de contatos e organizações maior e mais bem organizada em relação aos árabes, por exemplo, na cidade de São Paulo, do que em comparação aos africanos/as, fazendo com que àqueles/as se dirijam menos à Instituição. Desse modo, os números de africanos/as solicitantes de refúgio por orientação sexual podem ser mais altos na Instituição porque mais africanos/as solicitantes de refúgio no geral se cadastraram lá. De qualquer forma, a partir de conversas informais com funcionários/as do governo brasileiro ligados/as ao CONARE, parece ser mesmo maior, no Brasil, o número de solicitações feitas por africanos/as baseadas em perseguição por orientação sexual.

Várias são as formas de preconceito, discriminação e violência dirigidos às pessoas que destoam da norma social heterossexual em diversos países da África. Segundo o relatório “Realities and Rights of Gender Non-Conforming People and People Who Engage in Same-Sex Relations in Africa. A Civil Society Report”38, as violações vêm tanto de instituições públicas – o sistema criminal de justiça e a polícia, os serviços de saúde e educação –, como acontecem no mercado de trabalho e nas próprias famílias e comunidades.

      

38 Disponível em: https://www.oursplatform.org/wp-content/uploads/CAL- AMSHER-Realities-and-Rights-of-Gender-Non-Conforming-People-who- Engage-in-Same-Sex-Sexual-Relations-in-Africa-CS-report.pdf Acesso em: 21 dez. 2016.

In some cases, when LGBTI individuals go to the police to report incidences of rights violations whether related to their status as LGBTI individuals or not, they are instead detained for their perceived or real sexual orientation and/or gender identity. As a result, LGBTI individuals who are victims of human rights violations, whether related to sexual orientation and gender identity and expression or not, generally fear to report these violations to the police […].39 Segundo outro relatório – “Violence Based on Perceived or Real Sexual Orientation and Gender Identity in Africa40” –, são quatro as principais formas de violações enfrentadas pelas pessoas não- heterossexuais em muitos países africanos: prisão e detenção arbitrárias; violência física, incluindo estupro e assassinato; assédio e ameaças; e extorsão e chantagem41. O mesmo documento aponta para três causas que acentuam a hostilidade contra as pessoas que fogem ao padrão da heteronormatividade: o posicionamento negativo da mídia, que muitas vezes divulga, por exemplo, fotos, nomes completos e endereços de pessoas que são acusadas de serem gays, lésbicas ou bissexuais a fim de que sejam perseguidas; a incitação à violência por parte de líderes políticos; e a criminalização de condutas afetivas e/ou sexuais envolvendo pessoas do mesmo sexo.

Líderes políticos de alguns Estados africanos têm se utilizado do discurso de que os desejos e práticas afetivos e/ou eróticos por pessoas do mesmo sexo são importações do Ocidente, não sendo, portanto, tipicamente africanos (HASKINS, 2014; JARK, 2015). De acordo com Susan Haskins (2014, p. 399), a condenação e a difamação da homossexualidade proporciona a esses líderes um bode expiatório para todos os problemas da sociedade. Na Nigéria, por exemplo, políticos se utilizaram desta retórica da homossexualidade como não-africana para unir cristãos e muçulmanos em um ódio comum, especialmente antes das eleições (HASKINS, 2014, p. 400).

       39 Idem, p. 9.

40 Disponível em: http://www.cal.org.za/wp-content/uploads/2013/07/English- SOGI-Booklet.small_.pdf Acesso em: 21 dez. 2016.

41 Especificamente em relação à extorsão e chantagem, ver: “Nowhere to Turn: Blackmail and Extortion of LGBT People in Sub-Saharian Africa”, disponível em: http://www.iglhrc.org/sites/default/files/484-1.pdf Acesso em: 21 dez. 2016.

African leaders, are suggesting that same-sex desire is unAfrican, and did not exist here until it was imported from the West. This allows these African leaders to blame the West for their societies’ ills, and makes their people hostile to Western calls for their leaders to support gay rights, as they believe the West is trying to encourage homosexuality, and thereby perverting and endangering African children (HASKINS, 2014, p. 400-401).

Jark (2015) indica que expressões sexuais diferentes do que se entende como heterossexualidade existiram e não eram combatidas ou criminalizadas na África pré-colonial – pelo contrário, essa pluralidade de sexualidades e identidades de gênero estavam integradas na sociedade – como, por exemplo, entre os grupos Igbo, Hausa, Yoruba, Ekiti, Bunu e Yagba no contexto nigeriano. Desse modo, percebe-se que os desejos e as práticas sexuais entre pessoas do mesmo sexo são também africanos e não uma importação do Ocidente.

O discurso de que as práticas não-heterossexuais são influência ocidental não é propagado apenas por líderes políticos, mas consideravelmente aceito pela sociedade: de acordo com uma pesquisa divulgada no relatório “State-Sponsored Homophobia” (CARROLL, 2016), tanto em Gana como na Nigéria 38% dos/as entrevistados/as afirmaram concordar fortemente com a proposição de que o desejo por pessoas do mesmo sexo é um fenômeno ocidental. Soma-se a essa ideia, em diversos países da África, a concepção de que essas condutas são contrárias à religião, em especial ao Cristianismo. Acontece que as religiões cristãs sim, no caso africano, são importações do Ocidente, uma vez que foram levadas e impostas pelos colonizadores (HASKINS, 2014; JARK, 2015).

Além dos discursos políticos e religiosos de combate àqueles/as que possuem desejos e/ou práticas afetivas/sexuais em relação a pessoas do mesmo sexo, ademais das discriminações e perseguições promovidas pelas instituições públicas, pelo ambiente de trabalho e pelas próprias famílias, em muitos Estados a lei criminaliza os atos sexuais consentidos entre adultos/as do mesmo sexo. Atualmente são 75 os países que condenam legalmente as práticas sexuais consentidas entre homens, sendo que 45 deles criminalizam também os atos entre mulheres

(CARROLL, 2016). Dos 75 Estados, 34 são africanos42 (sendo que 24 deles condenam as relações entre mulheres); 23 são asiáticos (em 13 a legislação se aplica a mulheres); 11 americanos (6 para mulheres); e 7 na Oceania (2 para mulheres). Destaca-se, entretanto, que não é uma condição necessária para a concessão de refúgio o fato de o país de origem criminalizar as relações consentidas entre adultos/as do mesmo sexo, conforme será discutido no Capítulo 4.

Vejamos o que postulam as legislações nos Estados dos quais provêm o maior número de solicitações de refúgio por motivos de orientação sexual em São Paulo de acordo com os dados da Instituição.

Na Nigéria, o Criminal Code Act, Chapter 77, Laws of the Federation of Nigeria 1990 declara na Seção 214 que:

Any person who-

(1) has carnal knowledge of any person against the order of nature; or

(2) has carnal knowledge of an animal; or

(3) permits a male person to have carnal knowledge of him or her against the order of nature;

is guilty of a felony, and is liable to imprisonment for fourteen years. (CARROLL, 2016, p. 78, grifos meus).

Na Seção seguinte (215) está disposto que “any person who attempts to commit any of the offences defined in the last preceding section is guilty of a felony, and is liable to imprisonment for seven years. The offender cannot be arrested without warrant.” (CARROLL, 2016, p. 79). E na Seção 217:

Any male person who, whether in public or private, commits any act of gross indecency with another male person, or procures another male person to commit any act of gross indecency with him, or attempts to procure the commission of any such act       

42 São eles: Argélia, Angola, Botswana, Burundi, Camarões, Comores, Eritreia, Etiópia, Gâmbia, Gana, Guiné, Quénia, Libéria, Líbia, Malawi, Mauritânia, Maurício, Marrocos, Namíbia, Nigéria, Senegal, Seychelles, Serra Leoa, Somália, Sudão do Sul, Sudão, Suazilândia, Tanzânia, Togo, Tunísia, Uganda, Zâmbia e Zimbabwe. O 34º país é o Egito, no qual as relações sexuais consentidas entre pessoas adultas do mesmo sexo em âmbito privado não são proibidas, mas outras leis (como a de combate à prostituição, por exemplo) têm sido usadas para aprisionar homens gays nos últimos anos (CARROLL, 2016).

by any male person with himself or with another male person, whether in public or private, is guilty of a felony, and is liable to imprisonment for three years. The offender cannot be arrested without warrant (CARROLL, 2016, p. 79, grifos meus). Em 12 estados do nordeste da Nigéria em que se aplica a lei islâmica Sharia há a pena de morte para atos sexuais entre homens e punição com chibatas e/ou prisão para mulheres que tenham práticas sexuais com outras mulheres. Ademais, em 2014 foi aprovado o The Same-Sex Marriage (Prohibition) Act, postulando que o casamento ou união civil entre pessoas do mesmo sexo é proibido na Nigéria e mesmo se realizado no exterior não terá validade no país; os clubes, sociedades e associações gays passam a ser ilegais; ficam também proibidas as demonstrações públicas de afeto entre pessoas do mesmo sexo (CARROLL, 2016, p. 79).

Em Camarões, o artigo 347 do Código Penal declara que: “whoever has sexual relations with a person of the same sex shall be punished with imprisonment from six months to five years and fine of from 20,000 to 200,000 francs” (CARROLL, 2016, p. 61).

Em Gana, a Seção 104 do Criminal Code, sanciona que: (1) Whoever has unnatural carnal knowledge— (a) of any person of the age of sixteen years or over without his consent shall be guilty of a first degree felony and shall be liable on conviction to imprisonment for a term of not less than five years and not more than twenty-five years; or

(b) of any person of sixteen years or over with his consent is guilty of a misdemeanour; or

(c) of any animal is guilty of a misdemeanour. (2) Unnatural carnal knowledge is sexual intercourse with a person in an unnatural manner or with an animal. (CARROLL, 2016, p. 68, grifos meus).

Em Serra Leoa, de acordo com a Seção 61 do Offences against the Person Act 1861, o crime de “sodomia” pode receber prisão perpétua: “[...] criminalises buggery and bestiality, with a penalty of life imprisonment, and not less than 10 years” (CARROLL, 2016, p. 82, grifos meus). Na República Democrática do Congo, apesar de todas as

outras formas de violência e discriminação mencionadas acima, a homofobia não é institucionalizada pelo Estado através de leis.

Em Togo, o artigo 88 do Código Penal postula que “impudent acts or crimes against nature with an individual of the same sex are punished with imprisonment from one to three years and 100,000- 500,000 franc in fine” (CARROLL, 2016, p. 88, grifos meus). Em Angola os artigos 70 e 71 do Código Penal sancionam como medida de segurança, entre outras coisas, o internamento em casa de correção (hospício) de 6 meses a 3 anos àqueles e àquelas que “habitualmente pratiquem atos contra a natureza” (CARROLL, 2016, p. 58, grifos meus).

Não se deve cair no binarismo Civilização X Barbárie no que diz respeito à criminalização dos atos consentidos entre adultos/as do mesmo sexo, indicando os países africanos mencionados acima como sendo o mais alto grau de barbárie, uma vez que essas leis são, na verdade, herança colonial: “sodomy laws throughout Asia and sub-Saharan Africa have consistently been colonial impositions. No ‘native’ ever participated in their making” (HUMAN RIGHTS WATCH, 2008, p. 10). Desse modo, conforme afirma Jark: “os colonizadores não introduziram a homossexualidade em África [...]. O que os europeus introduziram nesse continente foi a intolerância à homossexualidade e seus sistemas de vigilância, fiscalização e regulação a fim de tentar suprimi-la” (2015, p. 66)43.

As leis coloniais mais fortemente estabelecidas contra atos sexuais envolvendo pessoas do mesmo sexo foram impostas pelos britânicos e podem ser encontradas ainda hoje nos códigos penais de muitos de seus antigos domínios (HASKINS, 2014, p. 395), como a Nigéria. De acordo com a Human Rights Watch (2008, p. 5), mais da metade dos países que possuem essas legislações foram colônias britânicas. Mas não foi só o Reino Unido que exportou suas normas homofóbicas: a França também impôs suas leis contra a “sodomia” em Camarões, por exemplo, bem como o Código Penal angolano é fruto do colonialismo português.

As antigas metrópoles descriminalizaram as relações entre pessoas do mesmo sexo (a Inglaterra, por exemplo, fez isso em 1967), mas a maior parte das ex-colônias não modificou seus códigos penais:

      

43 A esse respeito, ver também: “¿Qué introdujo occidente en África: la homosexualidad o la homofobia?”, disponível em: http://elpais.com/elpais/2014/10/23/planeta_futuro/1414056971_933400.html?r el=mas. Acesso em: 02 jan. 2017.

Britain imposed legislation on its African colonies to regulate what was considered to be immoral sexual behaviour. Although it changed its own laws concerning same-sex acts, most colonies had already achieved independence by this time and, as such, their systems of law either petrified or moved in a different direction without any influence from later reforms in Britain (HASKINS, 2014, p. 402). Susan Haskins (2014) evidencia que essas leis em países africanos são resquícios coloniais, mas que, na verdade, a origem de tais normas remonta a antiga Roma. Naquele contexto, os papeis de gênero estavam fortemente atrelados ao status social. Aos homens que possuíam uma alta posição social lhes era permitido penetrar outros/as, fossem mulheres, crianças ou escravos/as. Não havia preconceito em relação ao que era o objeto de penetração ou de prazer; entretanto, um homem de classe alta que escolhesse ou permitisse ser penetrado era malvisto pela sociedade por estar em uma posição de subordinação, uma posição de mulher (HASKINS, 2004, p. 403). Assim, a Lex Scantinia (século I ou II AC) estabelecia que alguns atos sexuais eram apropriados, enquanto outros eram inapropriados, a depender do status social e do gênero de quem os praticava (HASKINS, 2014, p. 404). Nesse contexto, o crime não consistia especifica e exclusivamente em relação a atos sexuais entre homens; o que era proibido era uma interação entre status social/posição no ato sexual/papel de gênero e o ato sexual em si (HASKINS, 2014, p. 404).

No século III, entretanto, com a conversão do imperador Constantino ao Cristianismo, passa-se a adotar um posicionamento mais conservador no que diz respeito aos atos sexuais, em especial às práticas que não tinham como propósito a procriação, como o intercurso sexual entre dois homens (HASKINS, 2014, p. 405). O Código Teodosiano 9.7.6 (ano 438) se referia ao “costume vergonhoso” que alguns homens possuíam ao exercer um papel passivo, como uma mulher, durante o ato sexual (HASKINS, 2014, p. 406). Por fim, Justiniano, no ano 538, introduz uma lei na qual se faz referência a homens agindo contra naturam (HASKINS, 2014, p. 407). Portanto, uma prática sexual (a penetração anal de um homem) discriminada socialmente passa a ser vista como “antinatural” a partir deste momento.

Foram as legislações romanas que influenciaram a criminalização dos atos sexuais entre homens na Inglaterra e em outras ex-metrópoles, condenação que foi posteriormente imposta às colônias.

Assim, “against the order of nature” (lei nigeriana), “unnatural carnal knowledge” (lei ganense), “acts against nature” (lei de Togo) e “atos contra a natureza” (lei de Angola) têm como origem o contra naturam sancionado por Justiniano. “Contra a natureza” não é precisamente definido nestas legislações44, apesar de majoritariamente se interpretar como referência à penetração anal (sendo, portanto, em teoria aplicável não só a prática sexual anal entre homens, mas também entre um homem e uma mulher). O significado pode ser mais amplo, no entanto, e considerar como antinatural todos os atos sexuais que não visam à procriação. Nesse sentido, o sexo oral pode ser tido como não-natural (HUMAN RIGHTS WATCH, 2008). Entretanto, se o sexo oral entre pessoas de sexo oposto não é considerado como antinatural, então é incoerente criminalizar essa prática quando realizada por duas pessoas do mesmo sexo: “if heterosexual oral sex could be legally seen as natural in itself – despite its lack of any connection to ‘having children’ – there was no coherent basis for calling oral sex between two men ‘unnatural’” (HUMAN RIGHTS WATCH, 2008, p. 43). Percebe-se, portanto, que em última instância a consideração acerca de ser um ato natural ou não depende do que se entende como sendo moralmente aceitável em dado contexto social:

“Against the order of nature” and “act of gross indecency” are not defined by the law. This means that the judge was left to interpret whatever act he disapproved of as “against the order of nature” or amounting to “gross indecency”. Consequently, it can be seen that both concepts are based on the acts of the people to be punished and the assumption that those acts contravene the judge’s understanding of sexual and gender roles. The essentialist word “nature” is once again being used to refer to socially-defined gender and sex roles (HASKINS, 2014, p. 409).

Importa salientar que as leis derivadas do colonialismo não fazem distinção entre atos cometidos por pessoas do mesmo sexo com ou