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5. Discussão

5.1. Pacu como bioindicador de contaminação aquática por endosulfan

Os alevinos de pacu se adaptaram facilmente às condições laboratoriais, permitindo a realização de testes de toxicidade em uma fase bastante jovem e, portanto, sensível da espécie. Outra facilidade encontrada no uso desta espécie foi o seu tipo de dieta, peixes onívoros, que permitiu o emprego de ração comercial, devidamente balanceada para as necessidades da espécie. Reforçando estes comentários, podem ser citadas outras pesquisas onde o Piaractus mesopotamicus foi empregado em testes de toxicidade, alcançando-se o êxito esperado (Rudnicki,

2004; Cruz, 2005; Lopes et al., 2006).

As alterações comportamentais observadas nos alevinos de pacu expostos ao endosulfan são muito semelhantes às descritas na literatura para outras espécies submetidas à intoxicação aguda por esse agrotóxico (Naqvi e Hawkins, 1988; Jonsson et al., 1992; Capkin et al., 2006; Siang et al., 2007). Essas alterações comportamentais têm sido atribuídas ao efeito neurotóxico do endosulfan, como o bloqueio da ação do neurotransmissor ácido gama-amino butírico (GABA) (Bradbury, 1991; Saleh et al., 1993; Carlson et al., 1998). No caso dos organoclorados, este bloqueio ocorre pela ligação do composto ao sítio de ligação da picrotoxina nos receptores GABAA, que são canais de cloro regulados pela ligação do GABA (Coats, 1990). Assim, com a redução do influxo de íons Cl-, o limiar para despolarização é diminuído, resultando em hiperexcitabilidade (Klemz e Assis , 2005).

Segundo Siang et al. (2007), que avaliaram o comportamento de exemplares de Monopterus albus expostos à intoxicação aguda de endosulfan, o comportamento anormal

inseticida. Esses autores discutem, ainda, que talvez o comportamento anormal após a exposição aguda seja indicativo de distúrbio do sistema nervoso central em decorrência de excesso de estimulação (Siang et al., 2007).

De fato, sabe-se que organoclorados, em geral, possuem a capacidade de interferir no acoplamento de alguns neurotransmissores em receptores específicos. Sharma (1988) avaliou o efeito do endosulfan, em várias concentrações, na atividade da ATPase em exemplares de Channa gachua. Esse autor verificou que Na+, K+ ATPase mostrou-se mais sensível que Mg2+ ATPase, no entanto ambas as atividades enzimáticas são inversamente proporcionais à concentração do inseticida, ou seja, todas as atividades avaliadas diminuem com o aumento da concentração.

Devido a acetil-colinesterase ser a enzima responsável pela degradação da acetilcolina (ACh), qualquer processo que elimina esta enzima ou inibe sua atividade na sinapse pode causar um aumento acentuado da acumulação da ACh no cérebro, o que causa um declínio no controle neural e muscular (Dutta e Arends, 2003), o que pode ter ocorrido com os alevinos de pacu expostos ao endosulfan.

Provavelmente, os comentários acima quanto à interferência do endofulfam em sinapses do sistema nervoso central, expliquem o fato de alevinos de pacu expostos ao endosulfan, nesta pesquisa, apresentarem alterações comportamentais como: agitação, perda de equilíbrio, dificuldade na movimentação opercular e controle do movimento respiratório. Finalmente, acreditamos que a severidade das alterações comportamentais descritas em pacu, mesmo que não chegue a provocar sua morte, como foi o caso de animais sobreviventes à exposição, pode impedir a captura de alimento por esses peixes ou, ainda, a fuga de predadores, o que sem dúvida traria

esse agrotóxico. De fato, Scott e Sloman (2004), em revisão sobre o efeito da intoxicação química por poluentes no comportamento de peixes, destacam que o comprometimento neurotóxico por xenobióticos torna a sobrevida de peixes intoxicados em ambiente natural bastante comprometida e, por fim, pode realmente resultar em limitação dos estoques de peixe.

Quanto à indução de mortalidade pelo endosulfan, os valores de CL50 variam na literatura, segundo a espécie avaliada, a fase de vida, e, ainda, diante de diferentes modelos de intoxicação.

Na relação tamanho/idade podem ser comentadas experiências com catfish (Heteropneustes fossillis), onde se verificou que a tolerância dos peixes expostos ao endosulfan era proporcional ao seu comprimento e peso, ou seja, quanto maior esses parâmetros, e eventualmente de idade ou fase de vida mais avançada, mais tolerantes foram os peixes ao inseticida e consequentemente mais alto o valor da CL50 (Singh e Narain, 1982). Assim, estudos como esse reforçam o emprego de alevinos como bioindicadores de contaminação aquática em peixes, pois em caso de descarga antrópica de xenobiótico, esses animais seriam os mais afetados e colocariam, assim, em risco a manutenção futura dos estoques piscícolas.

Quanto ao ensaio de intoxicação, no presente trabalho foi adotado o protocolo da exposição estática por 96 horas, em alevinos de pacu, sendo que a CL50 (96h) determinada para essa espécie (4,33µgL-1) está dentro dos padrões de suscetibilidade ao endosulfan para peixes de água doce (Murty, 1943; Ali et al., 1984 apud Capkin et al. 2006), indicando ser o pacu nessa fase de vida sensível ao endosulfan. Além disso, de acordo com a classificação da EPA (1985), as substâncias que apresentam valores de CL50 menores que 0,1mgL-1 são extremamente tóxicas para organismos aquáticos. Esse é o caso do endosulfan, como observado nesta pesquisa e também

encontrado na literatura em que os valores de CL50 para as espécies estudadas apresentaram-se abaixo de 0,1mgL-1.

Contudo, observa-se que, em geral, a aplicação de sistema semi-estático, ou mesmo de fluxo contínuo, indica valores mais baixos para CL50, em virtude da manutenção da concentração na água da substância em teste (Jonsson, 1991; Capkin et al., 2006). Particularmente, em relação ao endosulfan, há poucos e controversos relatos sobre o valor de sua meia vida na água (Guerin, 2001; Berntssen et al., 2008), sendo difícil estabelecer o intervalo ideal para a renovação desse inseticida com o intuito de manter a concentração desejada constante na água. Outro fator a ser considerado na escolha do sistema de exposição ao xenobiótico é a suscetibilidade da espécie em teste ao estresse da manipulação. Assim, levando-se em conta este último fator, e por saber que o Piaractus mesopotamicus é uma espécie agitada e agressiva, característica que inclusive o torna

interessante para atividade de pesca esportiva, optou-se pelo sistema estático de exposição ao endosulfan. Contudo, pode-se inferir, comparando-se os resultados aqui descritos com a literatura, que alevinos de pacu expostos ao endosulfan em sistemas de renovação da solução teste possivelmente apresentariam um valor de CL50 inferior ao obtido.

Finalmente, pouco se sabe sobre a sensibilidade do P. mesopotamicus, frente à ação de agrotóxicos, porém alguns poucos ensaios já realizados permitem a observação da diferença da sensibilidade dessa espécie em relação a diferentes xenobióticos. O pacu mostrou-se resistente aos inseticidas benzoiluréias diflubenzuron e teflubenzuron em sistema estático, apresentando CL50 (96h) superior a 1200mgL-1 e superior a 1000mgL-1, respectivamente (Winkaler, 2008). Quando exposto ao inseticida organofosforado triclorfon, também em sistema estático, o P.

mais sensível a esse organofosforado quando comparado com a tilápia (Oreochromis niloticus), que foi submetida a uma concentração de 0,25mgL-1 de triclorfon, sendo esta sub-letal para a espécie (Guimarães et al., 2007). Exemplares de pacu expostos ao inseticida organofosforado metil paration em sistema estático, empregando água da represa do Centro de Aquicultura da Unesp (CAUNESP/Jaboticabal), apresentaram CL50 (96h) igual a 5,15mgL-1 (Mataqueiro, 2002), mostrando-se um pouco mais sensíveis que o matrinxã (Brycon cephalus), espécie também brasileira, que apresentou CL50 (96h) de 6mgL-1 quando expostos a esse mesmo inseticida (Aguiar et al., 2004).

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