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Segundo Capra 2002, o século XXI traz dois fenômenos que impactam o bem- estar e modo de vida da humanidade, sendo regidos pelas tecnologias implantadas pelo sistema capitalista de produção em escala mundial. O primeiro diz respeito à ascensão do capitalismo global com suas redes eletrônicas, financeiras e de informações; e o segundo a criação de comunidades sustentáveis baseadas na sustentabilidade da teia da vida.

Nas palavras de Capra (2002):

O chamado “mercado global” nada mais é do que uma rede de máquinas programadas para atender a um único princípio fundamental: o de que o ganhar dinheiro deve ter precedências sobre os direitos humanos, a democracia, a proteção ambiental e qualquer outro valor (CAPRA, 2002, p. 268).

Segundo o autor citado um dos maiores obstáculos à sustentabilidade é o aumento contínuo do consumo material, de tal forma que o valor central na sociedade moderna – ganhar dinheiro – anda intimamente ligado com este consumo.

Desse modo, para atingir o ideal de um projeto ecológico na sociedade moderna deve-se antes de tudo enfrentar uma questão fundamental do sistema capitalista, que não tem nada a ver com a tecnologia, mas com a política e ética, o que pressupõe uma mudança dos valores humanos e a tomada de consciência que a forma atual do capitalismo global é insustentável dos pontos de vista social e ambiental (CAPRA, 2002).

3.1 - EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE PRODUÇÃO E CONSUMO SUSTENTÁVEIS (PCS)

Aliado ao debate promovido pela conferência Rio-92, o Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas (PNUMA), em parceria com a Organização pelo Desenvolvimento Industrial das Nações Unidas (UNIDO), intensificou as discussões sobre o desenvolvimento de uma estratégia que envolva uma produção mais limpa no processo produtivo com o objetivo de melhorar a ecoeficiência ambiental11 e reduzir os riscos ao meio ambiente, definindo assim o conceito de Produção Mais Limpa (P+L),

11 A ecoeficiência é uma das principais medidas que contribuem para um futuro sustentável. Este conceito refere-se à disponibilização de bens e serviços capazes de satisfazer as necessidades humanas e proporcionar qualidade de vida sem causar impactos ambientais e gastando o mínimo dos recursos naturais não renováveis. Os produtos ecoeficientes também geram um menor volume de resíduos em seus processos produtivos, trazendo ainda mais benefícios para o planeta (DINAMICA AMBIENTAL, 13 de dezembro de 2017).

55 que, segundo o PNUMA, esta pode ser entendida sendo “a aplicação contínua de uma estratégia ambiental preventiva integrada a processos, produtos e serviços”. (NAÇÕES UNIDAS, 2019, p.4).

Para alcançar o objetivo de elaborar ciclos produtivos mais sustentáveis, foram elaborados e construídos centros nacionais de produção limpa (CNPL) em diversos países do mundo. Com base no relatório National Cleaner Production Centres: 20 years

of achievement (2015), elaborado pela Organização das Nações Unidas para o

Desenvolvimento Industrial (UNIDO), em parceria com o PNUMA, foram inaugurados, inicialmente em 1995, oito Centros Nacionais de Produção Limpa. Até o ano da publicação, os CNPL se faziam presentes em 58 países. (UNIDO/ PNUMA, 2015, p.3).

Com a interação da sociedade civil, como as ONGs, aperfeiçoamentos técnicos de produtividade, ações governamentais e pressões dos consumidores foram feitos, ampliando-se assim o conceito de P+L, tornando-o mais agregador a partir da incorporação de novos fatores como o pós-consumo e sua decomposição no meio ambiente. Com isso, formou-se a consciência de reunir a produção, oferta e demanda em torno do que veio a ser chamado de Produção e Consumo Sustentáveis (PCS), possuindo este um caráter mais delineador do ciclo completo dos produtos e interdisciplinar entre o consumidor e produtor.

Sobre a amplitude mais agregadora do PCS, o MMA ressalta que:

Trata-se da aplicação de uma abordagem integrada entre produção e consumo, com vistas à sustentabilidade, entendendo-se que há uma relação de influência e dependência recíproca entre essas duas dimensões da ação humana; a produção afeta o consumo (por exemplo, por meio de design de produtos e dos apelos do marketing). (MMA, setembro, 2010).

Ainda segundo o MMA, em parceria com o Ministério da Educação (MEC), foi elaborado em 2005, o relatório Consumo Sustentável: um manual de educação, onde se define o consumo Sustentável com aquele que:

[...] enfatiza ações coletivas e mudanças políticas, econômicas e institucionais para fazer com que os padrões e os níveis de consumo se tornem mais sustentáveis. Mais do que uma estratégia de ação a ser implementada pelos consumidores, consumo sustentável é uma meta a ser atingida. (MMA/MEC/IDEC, 2005, p.19).

Portanto, consume-se de maneira sustentável quando se tem a consciência do que o ato de consumo irresponsável pode gerar em termos externalidades negativas para o ambiente natural e social. Logo, claro estar a necessidade de envidar esforços objetivando mudar o comportamento dos seres humanos na direção do enfrentamento dos desafios gerados pelo marketing e propaganda, poder das marcas, diversificação

56 tecnológica de novos bens, nos quais geram o estímulo ao consumo permanente. Nesse contexto, autores como Portilho (2005) e Bauman (2008) difundiram o termo “sociedade de consumo” para denominar caracteristicamente o tipo sociedade moderna global, cuja valorização da vida e dos objetivos são baseadas na ostentação dos bens e serviços e no exibicionismo digital, onde se deseja alcançar o “Ter” em detrimento do “Ser”.

Para Bauman:

Uma característica marcante da sociedade contemporânea é a constante promoção de novas necessidades, o que resulta no adensamento do consumo, um fenômeno que regulamenta as ações sociais, políticas e cotidianas. (BAUMAN, 2008).

Ademais, o mundo moderno e globalizado é levado a incitar o fetichismo da mercadoria e a coisificação das pessoas, que passam a ser definidas pelo que têm ou por aquilo que podem consumir, emergindo o individualismo e a efemeridade das relações entre a sociedade. Pode-se mesmo aventar que as inovações tecnológicas estimulam o consumo, fomentando assim mais o desejo do que as necessidades reais de sobrevivência, enquanto seres humanos.

No que se refere à produção sustentável, pode-se entendê-la, segundo a conceituação presente no Processo de Marrakesh (2002), como ”a incorporação, ao longo de todo o ciclo de vida de bens e serviços, das melhores alternativas possíveis para minimizar impactos ambientais e sociais”, muito se assimilando à ideia da Produção Mias Limpa (P+L), entretanto, incorporando a necessidade de se pensar todo o ciclo produtivo por meio da ferramenta berço ao berço12, isto é, utilizar ao máximo os determinados bens sem descarta-los, ou mesmo estabelecendo o seu máximo reaproveitamento para novos produtos por meio da reciclagem, sempre levando em conta finitude dos recursos naturais.

Sendo assim, se faz necessário a busca pela complexa tarefa de promoção da mudança de comportamento com a redução do desperdício e adoção de práticas conscientes de consumo, e no amadurecimento do ser humano.

Na Conferência Rio+20 foi defendida que o consumo e a produção sustentáveis são considerados a pedra angular do desenvolvimento sustentável (SUSTAINABLE DEVELOPMENT, 2019). Logo, a sociedade do século XXI consiste em enfrentar

12

Esta ferramenta objetiva acabar com o conceito de lixo, considerando cada material dentro de um fluxo cíclico, de modo que todos os componentes de um produto são nutrientes para um novo ciclo, fazendo com que os resíduos passem a circular de forma contínua. (ABREU, 10-02-2017).

57 abertamente a mudança dos estágios de consumo e produção capazes de reduzir o fluxo de bens materiais nas fases dos ciclos de vida dos produtos e do consumo desenfreado.

Foi assim que, na referida conferência, os chefes do mundo, reunidos no Rio de Janeiro, em 2012, adotaram a estrutura decenal de programas sobre padrões de consumo e produção sustentáveis, denominado 10 Years Framework Program (10YFP), criado em 2003, na reunião realizada em Marrocos, onde se iniciou o Processo de Marrakesh.

3.2 – PROCESSO DE MARRAKESH E OS 10YFP

Sob a coordenação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas (UNDESA), o Processo de Marrakesh, aprovado em 2002, contou com a participação essencial de governos nacionais, agências de desenvolvimento, setor privado, sociedade civil e outros atores, sendo a adesão a esse processo considerada um marco para o desenvolvimento de atividades, com duração de 10 anos, capazes de conduzir à elaboração de um Plano de Ação, visando o fortalecimento de iniciativas regionais e nacionais em favor da promoção de mudanças nos padrões de consumo e produção.

Em 2007, o Brasil aderiu formalmente ao Processo de Marrakesh, comprometendo-se a elaborar seu Plano de Ação para Produção e Consumo Sustentáveis (PPCS). No ano seguinte iniciou-se construção do PPCS, sua estruturação, estratégia, prioridades, e metas, e, em 2011, houve o lançamento do Plano, que foi dividido em ciclos curtos de quatro anos para melhor implementação e controle. O Plano elenca ações estratégicas, envolvendo e valorizando a participação de todos os segmentos, ordenadas em seis prioridades que agregam ações importantes do setor produtivo e da sociedade, de modo a valorizar esforços que tenham por base o bem público, bem como os princípios da parceria e da responsabilidade compartilhada.

Segundo o MMA (2019), o plano articula as principais políticas ambientais e de desenvolvimento do País, em especial as Políticas Nacionais de Mudança do Clima e de Resíduos Sólidos e o plano Brasil Maior, auxiliando no alcance de suas metas por meio de práticas produtivas sustentáveis e da adesão do consumidor a este movimento.

Sobre o objetivo de mudar os padrões de consumo e produção sem deixar de lado a necessidade de se combater à pobreza, o PPCS sustenta que:

A mudança dos padrões de produção e consumo é um desafio gigantesco e complexo para todos os países, mas particularmente para os países em desenvolvimento, como o Brasil, que têm necessariamente como principais objetivos o combate à pobreza e a inclusão social, em um difícil contexto internacional (PPCS, 2011).

58 Para atingir os objetivos propostos no âmbito dos temas prioritários selecionados para o primeiro ciclo, são demonstrados pelo MMA (2014), os esforços do PPCS focados em seis áreas principais:

 Educação para o Consumo Sustentável;  Varejo e Consumo Sustentável;

 Aumento da reciclagem;  Compras Públicas Sustentáveis;  Construções Sustentáveis;

 Agenda Ambiental na Administração Pública – A3.

Assim, o referido plano fundamenta temas prioritários selecionados para o primeiro ciclo de implementação, tendo como metas-síntese: aumentar significativamente o número de agentes de produção que pratiquem a ecoeficiência e o fornecimento de produtos cada vez mais sustentáveis, bem como espera-se contar com um número cada vez mais expressivo de instituições e cidadãos brasileiros que pratiquem o consumo sustentável, em bases verificáveis (quantitativas e qualitativas), tendo como macrometa para 2014, no seu primeiro ciclo (2011 a 2014): “aumentar em 100% o número de consumidores conscientes no Brasil, com base em levantamento de 2010” (MMA, 2014, p. 29).

Considerando o levantamento realizado pelos institutos Akatu e Ethos (2010), no qual retrata o comportamento do consumidor através de uma série histórica, é possível constatar que, em 2010, apenas 5% dos consumidores brasileiros poderiam ser considerados “consumidores conscientes”, assim como em 2006.

Comparando-se outros resultados referentes à segmentação de consumidores de acordo com grau de assimilação do Consumo Consciente, é possível visualizar ainda que: em 2010 houve um aumento de 12 pontos percentuais, em relação a 2006, no total de consumidores classificados como “indiferentes”, passando de 25% em 2006 para 37% em 2010. A explicação pode indicar que nesse período ocorreu um crescimento do consumo da classe C, em razão do aumento da renda população, a democratização do acesso ao crédito, entre outros, o que acaba criando “um contexto social e econômico de acesso ao consumo para grandes contingentes da população no qual é mais difícil, no primeiro momento, a incorporação de comportamentos ligados a um consumo mais consciente e sustentável” (INSTITUTO AKATU/INSTUTO ETHOS, 2010, p. 9).

Nos outros dois grupos seguintes, “iniciantes” e “engajados”, o documento ressalta uma queda, em 2010 com relação a 2006, respectivamente de 7 e 5 pontos

59 percentuais, “correspondendo assim uma queda durante o período dos dois estudos aos mesmos 12 pontos percentuais de crescimentos dos “indiferentes””. (INSTITUTO AKATU/INSTUTO ETHOS, 2010, p. 9).

Realizado através de consulta à sociedade brasileira, estes institutos elaboraram uma importante base de dados para composição da meta prioritária na formação do PPCS no seu primeiro ciclo. Assim, a ideia consistiu em chegar a um percentual de 10% o número de consumidores conscientes no país, além das prioridades e macrometas, elencadas no Quadro 4 (MMA, 2014, p.29).

Prioridade Macrometa Prazo

1. Educação para o consumo sustentável

Aumentar o número de consumidores conscientes na classe C em pelo menos 50%

2014

2. Compras públicas sustentáveis

Concluir 20 processos licitatórios com critérios de sustentabilidade na administração federal

2014

3. Agenda Ambiental na Administração Pública – A3P

Instituir, em todos os órgãos da Administração Direta Pública Federal, a

responsabilidade socioambiental como estratégia

permanente

2014

4. Aumento de reciclagem de resíduos sólidos

Atingir 20% de aumento da reciclagem no país até

2015 e 25% até 2020

2015 e 2020

5. Varejo sustentável 1. Estimular que 50% do setor supermercadista incorporem práticas de PCS 2. Estimular práticas de PCS em outros 2 segmentos do varejo 2014

6. Construções sustentáveis Aumentar em 20% o desempenho ambiental das obras, a partir de índice de sustentabilidade definido por indicadores de consumo de

água, energia, geração de resíduos e compra

responsável

2020 (metas parciais a

partir de 2012)

Quadro 4 - Prioridades e Macrometas do Plano de Produção e Consumo Sustentável Brasileiro Fonte: MMA (2014, p. 29)

Esses novos padrões de produção e de consumo só podem ser viabilizados com a participação consciente e engajada dos setores privado e público, em todos os níveis, e da sociedade como um todo.

A ênfase no consumo no PPCS é notória e descrita contundentemente, por se tratar de um Plano de Ação elaborado pelo arranjo institucional do governo, mas que não tem fim em si mesmo, se propondo a mudar a cultura, o habito de consumo, os

60 valores atribuídos da sociedade a cada vez mais bens de consumo e disseminar os conceitos na base da sociedade, para que só assim se tenha o sucesso proposto pelo plano nos resultados.

A escolha destas áreas, segundo a ideia contida no PPCS, é de fundamental importância, no qual, se integradas conjuntamente, podem levar a realização de práticas mais sustentáveis de produção e consumo.

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4 - PADRÃO DE CONSUMO GLOBAL NO CONTEXTO DAS DISCUSSÕES

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