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2 ADVENTO: A RE-VELAÇÃO DO DEUS QUE VEM

2.5 A Palavra Encarnada

Em sua obra Jesus de Nazaré, História de Deus, Deus da História, Bruno Forte apresenta o programa de sua Cristologia, desenvolvendo uma reflexão “que vá

149 FORTE, B. La Parola della Fede, p. 20-21. 150 Ibidem, p. 21.

direto ao coração do Mistério cristão, ao centro vivo da ‘palavra da fé’: É Ele (Jesus Cristo) que, de fato, nós anunciamos”.151 Forte articula essa reflexão em três partes

a partir de três perguntas: Que sentido tem falar de Jesus Cristo hoje? Como esperaram, encontraram e testemunharam a Cristo aqueles que nos precederam? Como o Crucificado-Ressuscitado pode dar sentido, esperança e força aos homens de hoje, cuja cruz muitas vezes parece insuportável?152 De fato, uma teologia que não fale e não seja compreensível às pessoas de hoje, torna-se muda, da mesma forma que se torna também vazia uma teologia que não se constrói sobre uma rigorosa fidelidade aos dados da fé. Não se pode falar de êxodo como condição humana em constante autotranscendência, sem falar de advento, isto é, do advir do Deus da revelação. A teologia como história, de fato, não é senão pensamento do êxodo e do advento no mútuo encontro.

“Pensamento da vida no tempo, a teologia como história é pensamento do Eterno entrado no tempo, e, sobretudo, é pensamento do encontro entre o humano andar e o divino vir. Ela nasce da história, mas não se resolve nela: assumindo-a, a interpreta e a orienta graças ao encontro transformador com a Palavra saída do Silêncio, que vem habitar as palavras dos homens e iluminar os silêncios do ser e as interrupções dos acontecimentos históricos... Nessa perspectiva, a história é percebida como o lugar do encontro com a verdade”.153

Pensar o êxodo é pensar a história, as angústias, a busca humana pelo sentido, rumo à Pátria. Pensar o advento é pensar a revelação como dom da Palavra encarnada e silenciosa. O “já” e o “ainda não” da via dialética fazem entrever a realização da plenitude no hoje da Palavra que é o Cristo. Ele remete ao pleno cumprimento escatológico no Silêncio da Pátria.

Em se tratando da categoria advento, a unidade entre o humano e o divino em Jesus Cristo é alicerçada, segundo o Concílio de Calcedônia (451), sobre a unidade da pessoa divina, “concorrendo (cada natureza) para uma única pessoa

151 FORTE, B. La Parola della Fede, p. 66.

152 Cf. Idem. Jesus de Nazaré, História de Deus, Deus da História, p. 6. 153 FORTE, B. La Parola della Fede, p. 58.

(prósopon) e para uma única hipóstase (hipóstasis)”154: a do único Filho Unigênito,

Deus Verbo, o Senhor Jesus Cristo. O Concílio não deu explicação conceitual dos termos empregados, mas do contexto e da intenção anti-herética (contra o monofisismo de Eutiques e as posições atribuídas a Nestório), se deduz claramente que eles indicam a unidade do sujeito divino. Consubstancial ao Pai e, portanto, de natureza divina, o Verbo Divino assume a natureza humana unindo-a em si, conforme a fórmula calcedoniana: “reconhecido em duas naturezas, sem mistura nem transformação, sem divisão nem separação”.155 Jesus é o Filho de Deus, e é igualmente o homem conhecido e testemunhado pelos apóstolos, o profeta galileu, morto no lenho da cruz e ressuscitado pelo Pai no terceiro dia. Jesus de Nazaré é a Palavra, a autocomunicação divina, é o Filho que procede do Pai no seio da divindade.

“Nós confessamos também o Filho, nascido sem início antes dos séculos, da substância do Pai, e, entretanto, não criado, porque jamais nem o Pai existiu sem o Filho nem o Filho sem o Pai. Todavia, o Pai não provém do Filho como o Filho provêm do Pai, pois não foi o Pai que recebeu a geração do Filho, mas do Pai (a recebeu) o Filho. Portanto, o Filho é Deus pelo Pai; o Pai é Deus, mas não pelo Filho. Ele é o Pai do Filho, não Deus pelo Filho; este, pelo contrário, é Filho do Pai e Deus pelo Pai”.156

Neste sentido, então, a revelação é autêntica autocomunicação divina. A Palavra que se fez homem é Deus, e quem a acolhe, acolhe a Deus, o Filho e, nele, o Pai que o enviou: “Quem me acolhe, acolhe aquele me enviou” (Jo 13,20). O Filho não é o Pai, porque é gerado como Filho. Ele é a Palavra, distinta e, ao mesmo tempo, coeterna com Silêncio divino do Pai; um só Deus com ele em união com o Espírito Santo.

Jesus revelou que Deus é “Pai” num sentido inaudito. Não somente enquanto Criador, mas é eternamente Pai em relação a seu Filho único, que só é eternamente Filho em relação a seu Pai. “Ninguém conhece o Pai a não ser o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar” (Mt 11,27). É por isso que os apóstolos confessaram

154 Cf. DENZINGER, Henrich e HÜNERMANN, Peter. Enchiridion Symbolorum definitionem et declarationem de rebus fidei et morum. Bologna: Dehoniane, 1995. (DH), 302.

155 Cf. DH, 301-302. 156 DH, 526.

Jesus como o Verbo, que no início estava junto de Deus e que é Deus (cf. Jo 1,1). Ele é também a “imagem do Deus invisível” (Cl 1,15), o resplendor de sua glória e expressão do seu ser (cf. Hb 1,3).

Antes da sua Páscoa, Jesus anuncia o envio do Espírito. Ele é, assim, revelado como outra pessoa divina em relação ao Filho e ao Pai. Seu envio, após a glorificação de Jesus, revela em plenitude o Mistério da Trindade. O Espírito é mediação eterna do Amor, o vínculo entre o Amado no qual o Amante se compraz. Essa mediação, da qual não fala o credo Niceno-Constantinopolitano na sua forma original grega, é explicitada, na tradição latina, mediante o Filioque. A expressão define como, para a tradição teológica do Ocidente, o Espírito procede do diálogo entre o Pai e o Filho, entre o Amado e o Amante, como que um “nós” divino de ambos. Deste modo, o Espírito é o vínculo eterno entre o Pai e o Filho. Ele é o Silêncio do encontro que procede do Silêncio da Origem e da Palavra incriada, em forma do amor entre ambos.

A mediação eterna da Palavra – que dentro da perspectiva oriental poderia ser expressa com a fórmula per Filium – torna-se presente na história através do evento da encarnação. A Palavra da revelação é Palavra de Deus enquanto forma temporal da Palavra eterna, autocomunicação divina através da mediação espaço- temporal. Na revelação, o manifestar-se do Eterno também é retrair-se pela própria limitação da mediação terrena. Revela, velando e manifesta ocultando. A Palavra encarnada revela-se com a mediação exclusiva, o caminho único e singular pelo qual se tornou possível o acesso às profundezas inesgotáveis do Altíssimo.

“Afirmar que a pessoa divina do Verbo se apropriou da natureza humana, equivale a afirmar que ela se apropriou da capacidade de expressão identificada com o próprio ser do homem. O Verbo se fez carne significa que a palavra divina se fez palavra humana: o Filho se apropriou da capacidade de auto-revelação implantada na espiritualidade-corporeidade humana e revelou desta forma aos homens, por meio de sinais humanos, o seu mistério, isto é, o mistério pessoal intradivino”.157