• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 1: representações de sionistas e árabes nos Estados Unidos

1.3 Palestina simbólica

Todo o conjunto de interpretações sobre o sionismo e sobre os árabes nos faz perceber que a Palestina era um lugar importantíssimo para os norte-americanos. Evidentemente, o que ocorria na Palestina adquiria grande relevo nos Estados Unidos por seu caráter simbólico, devido às ligações religiosas estabelecidas pela maioria cristã da sociedade norte-americana.

A colonização sionista fazia emergir interpretações simbólicas e históricas significativas no imaginário norte-americano. Afinal, a Palestina era a “Terra Santa”, local de milagres e maravilhas, o lugar onde, segundo a tradição cristã, Jesus nasceu, cresceu, pregou, morreu e ressuscitou e onde profetas hebreus caminharam e pregaram.

O jornalista R. H. Markham chama a Palestina “a mais sagrada de todas as terras”76

. E em artigo escrito em julho de 193877

, em meio à Grande Revolta Árabe na Palestina (1936- 39)78

, Marjorie Shuler79

a chama de “solo sagrado”. Ela fala com ar de melancolia da

76 MARKHAM, R. H. Zion shall be lifted up. The Christian Science Monitor, 12 de dezembro de 1939, p. 4. 77 SHULER, Marjorie. Contrasts in Palestine: kindliness and warfare. The Christian Science Monitor, 20 de julho de 1938, p. 3.

78 A Grande Revolta Árabe será analisada mais detidamente no tópico 2.1. 79

Marjorie Shuler foi editora assistente do Christian Science Monitor e uma líder feminista norte-americana que lutava pelo direito das mulheres de votar (escreveu em 1918 um livro chamado “Manual do voto feminino”). Foi a primeira mulher a realizar uma volta ao mundo a bordo de um avião, entre maio de 1938 e junho de 1939. Ela visitou diversos lugares, entre os quais a Palestina. Round-the-World Flights: Marjorie Shuler, 1st women to fly

violência e afirma nutrir “uma esperança de que a Palestina possa ter de volta a tranquilidade, a serenidade, a paz silenciosa que foi ensinada e praticada pelo Grande Mestre que andou pelas margens do Mar da Galiléia”.

As manifestações acima foram escritas no Christian Science Monitor, um periódico ligado a um grupo cristão que, como esperado, vê a Palestina como um lugar sagrado. No entanto, este periódico – ao contrário do que diziam os críticos – não foi criado como um jornal religioso e, nas décadas de 1930 e 1940, sua credibilidade era imensa, visto como veículo de comunicação de credibilidade e dedicado às reportagens gerais. Não era um jornal cujo objetivo era divulgar atividades da religião ou buscar adeptos.

Além disso, todos os jornais se referiam à Palestina como “Terra Santa”. Não se tratava apenas de estratégia linguística jornalística ou uma forma de redigir com o objetivo de evitar a repetição do nome próprio “Palestina”, mas de uma percepção da ligação da tradição judaico-cristã com o lugar. Na verdade, tratava-se de uma ligação principalmente com o cristianismo, mesmo em reportagens de um jornal como o New York Times, um periódico de propriedade de uma família judia.

Alguns episódios demonstram a percepção da ligação entre o passado bíblico e o presente da Palestina. No final de 1938, quando a Grã-Bretanha adotou uma postura ativa para conter os rebeldes árabes que haviam ocupado diversas cidades, os jornais e revistas contaram a movimentação militar britânica mesclando narrativas bíblicas e históricas. Tal forma narrativa aproximava o leitor dos acontecimentos, já que essas lutas ocorriam em lugares extremamente simbólicos para os norte-americanos.

Em setembro de 1938, o correspondente do New York Times na Palestina Joseph Levy (um judeu) apresentou a tomada de Belém pelos revoltosos da seguinte forma: “O Governo da Palestina foi forçado a abandonar Belém, o lugar de nascimento de Cristo, e deixá-la à mercê dos terroristas” [grifo meu]80

.

Da mesma forma, em outubro de 1938, tropas britânicas entraram na Cidade Velha de Jerusalém, que havia sido tomada dias antes por rebeldes árabes. O New York Times dizia: “Tropas britânicas entraram e efetivamente ocuparam a Cidade Velha de Jerusalém nas primeiras horas do dia, fazendo aproximadamente a vigésima oitava captura da cidade desde a histórica tomada do Rei David”81

.

completely RTW as a passenger. Disponível em: <http://www.wingnet.org/rtw/RTW002II.HTM> Acesso em: 25 set. 2011.

80 LEVY, Joseph. Arab rebel gangs seize Bethlehem. The New York Times, 18 de setembro de 1938, p. 29. 81 British clear out Jerusalem area. The New York Times, 20 de outubro de 1938.

Já a revista Time contou a tomada de Jerusalém da seguinte forma:

A antiga cidade murada de Jerusalém, governada durante 30 séculos por Jebuseus, Hebreus, Gregos, Romanos, Cristãos, Persas, Árabes, Turcos e Britânicos, caiu novamente na última semana. Foi a última de uma longa lista de ocupações de Jerusalém desde o tempo em que as poderosas forças do Rei David, ganhando entrada através dos canais da cidade, tomou a praça forte dos Jebuseus no século XI antes de Cristo82.

A cobertura da imprensa seguiu a mesma atitude quanto à entrada dos britânicos em Jericó, em novembro de 1938. O acontecimento ganhou um espaço na capa do jornal New York Times. A manchete da notícia diz: “Jericó cai novamente, desta vez para a Grã-Bretanha: árabes são derrotados na cena da aclamação de Josué”83

. Percebe-se que um evento narrado na Bíblia assume posição central na avaliação do que ocorria. A notícia faz referência à passagem bíblica (Josué, 6: 1-16), em que Josué lidera os hebreus em sua chegada a Jericó, então uma cidade da terra de Canaã, e que por meio do soar de trombetas, derrubou as muralhas da cidade.

A notícia permanece dando destaque à comparação entre eventos similares em diferentes tempos históricos: “O som estrondoso dos rasantes dos aviões da Real Força Aérea (e não as trombetas de Josué) proclamou outra captura de Jericó ocorrida hoje, desta vez pela infantaria dos esplêndidos Coldstream Guards britânicos”. E mais à frente, diz que “o primeiro sinal do ataque veio quando seis aviões apareceram por sobre o Monte da Tentação de Cristo [grifo meu]”.

Meses depois, há uma charge do New York Times mostrando um tanque, em que se lê “Grã-Bretanha”, destruindo uma muralha e entrando em Jericó, cuja legenda diz: “sem o benefício das trombetas” (figura 4, abaixo).

As referências bíblicas são utilizadas também na caracterização dos lugares e de grupos humanos. Na revista Life, em 24 de outubro de 1938 vemos a abordagem de Nazaré da seguinte forma: “onde Jesus viveu: Jesus Cristo passou sua infância aqui, em Nazaré, uma localidade no cruzamento para o norte da Palestina”84

. Logo adiante, a matéria diz que “judeus e árabes afirmam ser descendentes de Abraão”. E, por fim, o autor apresenta fotografias de dois líderes árabes, Fawzi el Kawokji e o Mufti Hajj Amin al-Husseini, com o título “os filhos de Ismael vão à guerra”85

.

82 Palestine: fall. Time Magazine, 31 de outubro de 1938. 83

Jericho falls again, this time to British: Arabs routed at scene of Jushua’s feat. The New York Times, 14 de novembro de 1938, p. 1

84 Nazareth in Galilee. Life Magazine, 24 de outubro de 1938, p.43.

Figura 4

The New York Times, 5 de março de 1939

Mas talvez nenhuma caracterização da Palestina traga o simbolismo cristão de forma tão forte quanto as reportagens sobre o Natal. Em 193786

e 193887

, a escritora Madeleine Miller88

escreveu dois artigos sobre o Natal para o New York Times, enfatizando o caráter cristão da Palestina. Ela diz em 25 de dezembro de 1938:

Pastores ainda vigiam seus rebanhos nas encostas acidentadas abaixo de Belém da Judeia, “permanecendo em campo” durante a noite, exatamente como faziam os pastores de tempos atrás, que viram “o anjo do Senhor” e ouviram a primeira mensagem de Natal. Séculos não mudaram muito a cena pastoril ou os modos de vida na pequena cidade onde Cristo nasceu.

Mais adiante, a autora menciona partes da Bíblia e apresenta o evento da Natividade segundo os Evangelhos, tecendo uma ligação de Belém com o cristianismo. Porém, trata-se de

86 MILLER, Madeleine S. Still over Bethlehem the silent stars go by. The New York Times, 19 de dezembro de 1937, revista, p. 4.

87 ______. Keeping watch over Bethlehem. The New York Times, 25 de dezembro de 1938, p. 6. 88

Autora de vários livros sobre a Bíblia, a Palestina e sobre o Cristianismo. Livros: Footprints in Palestine (1936); The Merchant of the Mûristân and other Palestine folks (1927); The Journey of Christ child (1937) Harper’s Encyclopedia of Bible Life (editor, 1944); Harper’s Bible Dictionary (1952); Church Pageantry (1924); The Children’s crusade (1919) e outros.

uma ligação com o cristianismo ocidental, pois aos cristãos árabes é negada a inclusão na narrativa. Diz Miller:

Os pastores que hoje vigiam seus rebanhos sobre o solo áspero abaixo da cidade de Belém, evitando os vinhedos em terraços e os bem cultivados campos de grãos e vegetais, são pastores árabes, alguns deles estão entre os 70.000 árabes cristãos do país. Muitos deles têm uma percepção sonhadora [dreamy awareness] de sua descendência dos observadores do Natal e têm um orgulho místico nisso.

Os cristãos árabes são vistos como externos à narrativa bíblica, para a qual a antiga Belém era a “verdadeira cidade do nascimento de Jesus”, estando ligada apenas aos judeus e aos primeiros cristãos (que eram judeus). Embora sejam cristãos, os pastores árabes do século XX são vistos como estrangeiros na terra em que vivem por serem árabes, pessoas que chegaram depois da cidade ter tido seu auge, ao receber o nascimento de Jesus. De acordo com a narrativa de Madeleine Miller, os árabes vieram e se apossaram demograficamente de uma cidade que era cristã. E assim, para ela, os árabes não poderiam se apossar também simbolicamente de Belém, mesmo que esses árabes fossem cristãos, já que professavam um tipo diferente de cristianismo – o cristianismo oriental, supersticioso e primitivo.

Logo depois, a autora diz que havia muitos pastores judeus na Palestina, mas nenhum em Belém, “a despeito de suas associações com David, Ruth e Raquel”, por conta de “ataques terroristas”. A narrativa de Miller sugere que os judeus teriam mais direito de estar em Belém, mas que, por causa da revolta, não poderiam estar lá. Dessa forma, os árabes aparecem como usurpadores da terra, em uma narrativa judaico-cristã ocidental evolutiva que remonta a milênios.

No Natal de 1938, a escritora Nancy Barnhart89

, escrevendo para o Christian Science Monitor, também apresentou a cidade de Belém:

Belém: nem tanto um nome quanto uma fragrância, um entoar de sinos, um sorriso angelical. Belém: cantada, entoada, falada e venerada através dos retumbantes éons, aos mais distantes confins do pensamento; estrela iluminada que faz vir à vista tudo que é mais tenro e agradável nas nações que seu raio de luz alcança.

E, no entanto, na Palestina existe hoje a cidade que é chamada Belém. [...] Dos confins da Terra, viajantes retornam a este ponto onde a estrela brilhou naquela noite memorável. É verdade que muito pouco da antiga cidade pode ser visto hoje, talvez uns poucos prédios dignos de veneração, talvez a caverna ou gruta aqui na Igreja da Natividade, que é mostrada para os visitantes como o autêntico estábulo onde o Cristo criança deitou-se. Mas da gruta apenas o vago desenho da forma pode ser visto, tão coberta que está com mármore, prata e pedras preciosas, com

89 Escritora de várias obras sobre a Bíblia. Viajou pela Palestina nas décadas de 1930 e 1940. Sua mais

conhecida obra é um livro infantil (belamente ilustrado pela própria autora) de introdução à Bíblia, The Lord is my Shepherd (O Senhor é meu Pastor), publicado em 1949.

lâmpadas cor-de-rubi dependuradas continuamente queimando, e mantidas por várias seitas cristãs de todas as partes do mundo90.

Percebe-se nitidamente que Barnhart se refere à existência de uma cidade “que é chamada Belém”. Ou seja, a Belém de hoje não é a Belém dos tempos de Jesus. Pode parecer paradoxal que, ao mesmo tempo em que é dito que a cidade se mantém como “há séculos”, há uma outra fala que afirma que “muito pouco resta” da Belém de Jesus. A percepção, na verdade, é que Belém é uma cidade antiga para os padrões ocidentais, suas casas são precárias, suas ruas são tortuosas e sua população vive de acordo com hábitos que não são os praticados na Europa e nos Estados Unidos. Mas, ao mesmo tempo, não é mais a cidade como Jesus a viu ao nascer.

É curioso, ademais, notar que a autora duvida da autenticidade da igreja como local onde Jesus nasceu e, criticando as práticas das Igrejas Católica e Ortodoxa, as “seitas”, menciona os ornamentos que, segundo sua percepção, apagaram os traços do “verdadeiro” local de nascimento de Jesus.

Depois, Barnhart descreve as hospedarias, onde conviviam animais e seres humanos na Antiguidade e que “ainda podem ser vistas na Palestina”. A autora então fala de uma casa em Belém:

Certamente foi em uma dessas casas que viveu Jessé, o Belemita, quando Samuel veio para ungir um rei para Israel, e encontrou Davi. [...]

E nesse simples vilarejo apareceu o “mais justo dentre dez mil, a brilhante e matinal estrela”, cujo reino é um reino eterno, e cuja abundância e substância é maior do que as dos mais ricos do mundo.

Nitidamente percebe-se que a autora refere-se a Belém como lugar simbólico judeu (Davi) e cristão (nascimento de Jesus, estrela do Natal). Assim como na reportagem de Madeleine Miller, Belém é despojada de seu valor cotidiano para os árabes para adquirir um valor histórico, místico e simbólico para desfrute dos cristãos ocidentais.

Contudo, o fato que não poderia ser negado é que havia árabes circulando, morando e vivendo suas vidas na cidade. As reportagens em geral expressam certa tensão ao tentar lidar com essa dualidade de Belém. A figura apresentada para ilustrar a matéria de Madeleine Miller para o New York Times, no Natal de 1937, diz muito bem sobre essa tensão (figura 5).

90 BARNHART, Nancy. O, Little town of Bethlehem. The Christian Science Monitor, 19 de dezembro de 1938, p. 20.

Figura 5

The New York Times, 19 de dezembro de 1937.

Vê-se que há a tentativa de enfatizar a cidade como um lugar eminentemente cristão. Porém, o lugar é caracterizado por traços de um mundo diferente. O sino proeminente indica a importância de Belém em um contexto natalino. A igreja assume posição importante na imagem, está no centro da figura. Mas os habitantes não são como “nós”. Professam outra religião e são parte de um grupo humano diferente. O camelo no centro da imagem é uma clara referência à população árabe. As vestimentas dos transeuntes também servem para deixar claro que o lugar é habitado por árabes.

Há uma tensão entre o presente desconfortável e o passado sagrado. Todo o simbolismo da Palestina é associado às suas origens judaico-cristãs da Antiguidade. Assim, a relação dos judeus e dos cristãos com a “Terra Santa” aparece de forma realçada, enquanto a presença dos muçulmanos é sempre indicada como se estivessem desvirtuando os lugares sagrados judaico-cristãos. Os muçulmanos aparecem nas análises como intrusos na “Terra Santa”.

Em edição de 28 de novembro de 1938, a revista Life apresentou um grande mapa de Jerusalém. O título é: “Em Jerusalém, a cidade mais sagrada do mundo, cristãos, judeus e

muçulmanos lutam”. A legenda do mapa começa dizendo: “Esta é Jerusalém, a cidade mais sagrada do mundo. Seu nome significa ‘legado de paz’ [...] Hoje, como sempre, ela herda tudo menos paz”. E depois de apresentar todos os nomes da cidade ao longo da história, a revista diz: “A Cidade Velha, contudo, é a Sião do Rei David”91

.

A revista apresenta os habitantes de Jerusalém, enfatizando o simbolismo da cidade para cristãos e judeus. As ligações dos muçulmanos com a cidade são fracamente indicadas. O Domo da Rocha aparece como sendo construído “no lugar onde Salomão construiu seu Templo, há 3.000 anos atrás, 50 anos após seu pai David ter capturado a cidade dos Jebuseus”. O templo muçulmano é submerso na história simbólica judaico-cristã. A matéria parece sugerir que o templo está ocupando o lugar de um templo mais autêntico. O valor de Jerusalém para os muçulmanos é submerso no valor que tem para o Ocidente. Os cruzados têm mais espaço nessa narrativa do que os muçulmanos, mesmo tendo ocupado a Palestina por muito menos tempo. O rei cruzado Godfrey de Boullon tem seu quinhão na narrativa sobre a cidade: “uma rua ainda marca a memória do grande Cruzado do século XI Godfrey de Boullon”.

Em 25 de dezembro de 1938, em reportagem do New York Times, o autor lamenta que o Natal daquele ano seria “o terceiro Natal triste (cheerless) sucessivo devido à insegurança geral”92

. Da mesma forma, em 24 de dezembro de 1938, uma matéria do Christian Science Monitor lamenta: “Guerra e rebelião suplantaram a paz e a boa vontade na terra do nascimento de Jesus”93

.

A violência era ruim para a economia e para as pessoas que tinham o lugar como importante referência religiosa. Tal qual a economia, o caráter espiritual da Palestina estava sendo prejudicado pela “política”, pela violência dos “terroristas”. As representações da Palestina em meio à violência eram construídas por meio de discursos marcados por lamentações pelo fato dos árabes atrapalharem os usos espirituais de cidades importantes para o cristianismo. As reportagens desconsideravam o valor cotidiano de Jerusalém, Belém, Jericó e Hebron, apresentando essas cidades por meio do significado atribuído pela sociedade norte- americana e pelo Ocidente cristão. Esse discurso retirava dos habitantes da Palestina seu direito de circular, transitar, usar essas cidades de acordo com suas necessidades. Tal discurso,

91

In Jerusalem, world’s holiest city, Christian, Jew and Moslem fight. Life Magazine, 28 de novembro de 1938, p. 22-3.

92 Palestine troubled at Christmas time. The New York Times, 25 de dezembro de 1938, p. 13.

no dizer de Kathleen Christison (1999, p. 21), constituiu-se como uma “despossessão simbólica” da população árabe da Palestina.

Em relação à revolta árabe, o direito dos árabes de reivindicar as cidades como suas e de utilizá-las como espaço de resistência era subjugado em nome do direito do Ocidente cristão em fruir o caráter simbólico da Palestina. Era uma percepção que se limitava ao consumo que o Ocidente fazia da Palestina.

Portanto, a vida de seus habitantes tinha menos importância que seu caráter histórico e simbólico, cujos elementos eram também definidores de uma identidade norte-americana, ligada a crenças e a narrativas judaico-cristãs que envolviam aquelas cidades. A visão orientalista da Palestina percebia as cidades bíblicas como submersas em um presente oriental (muçulmano, judeu ou cristão) que escondia a “natureza verdadeira” da Palestina, a do passado, aquela que foi o solo pisado por Abraão, Josué, David, Salomão e Jesus e que evoluiu até chegar às formas mais perfeitas do cristianismo ocidental.

Na verdade, há uma tensão entre o antigo e o novo. Os habitantes da Palestina, árabes e judeus, eram inseridos nas narrativas com desdém ou complacência, sob o aspecto positivo ou negativo, mas sempre como inferiores. As figuras dos pastores, dos beduínos, dos comerciantes em suas rotas pelo deserto, dos rabinos ortodoxos, dos samaritanos sempre suscitavam admiração, mas sempre colocados em uma narrativa em que ocupavam um estágio distante da civilização. Eram admirados, vistos positivamente, por trazerem à mente os personagens de tempos longínquos, de tempos em que as figuras bíblicas andavam por essas terras.

Por outro lado, em certas circunstâncias, a percepção era negativa, e pesava sobre eles a acusação de que em dois mil anos não haviam inovado e haviam deixado a Palestina ficar em ruínas, um deserto sem vida. Nesse sentido, os sionistas eram os redentores da Palestina. Enquanto nos tempos de Jesus, as cidades da Palestina eram centros religiosos, políticos e econômicos localizados em uma província do Império Romano, na década de 1930 era um “país” atrasado, pauperizado, sem importância no interior do Império Britânico, a não ser pela sua posição estratégica.

Essa tensão entre o passado e o presente se resolve pela modernidade, que une o antigo e o novo e dá novo sentido ao passado. Por isso, tão importantes eram os trabalhos arqueológicos. Os jornais e as revistas tratavam as escavações arqueológicas como procedimentos de fazer vir à luz a “verdadeira Palestina”, a Palestina dos “tempos de Jesus”.

Além disso, a arqueologia na Palestina era vista como comprovação de acontecimentos, lugares ou pessoas citadas na Bíblia. Era uma especialidade chamada de “arqueologia bíblica” 94

.

Como vemos na reportagem do Christian Science Monitor intitulada “registro da Terra Santa”:

Recentemente, muitos volumes têm sido publicados sobre a arqueologia palestina, que naturalmente têm um apelo mais amplo para o público em geral do que qualquer outro esforço arqueológico, pois pode lançar luz sobre o maior de todos os livros, a Bíblia95.

Em dezembro de 1938, Frederick Simpich escreveu na revista National Geographic sobre as “novas provas da história do antigo testamento”. Segundo ele, “visitantes, estudantes e arqueólogos ainda infestam as cenas dos eventos bíblicos e outros sítios famosos da

Documentos relacionados