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Capítulo 2: Sionismo, progresso e modernidade

2.2 Progresso sionista e modernidade

Nos discursos veiculados pelos órgãos de imprensa analisados nesta pesquisa, o sionismo foi visto como um movimento científico, racional, orientado para o futuro e fruto de uma legítima forma de experimentação social para a criação da felicidade humana na Terra. O

132 Coronel Blimp: personagem do cartunista britânico David Low, que representava o reacionarismo, o racismo e o desdém pelos valores democráticos (BBC News. Century’s best cartunist on show. Disponível em:

<http://news.bbc.co.uk/2/hi/uk_news/politics/1974819.stm> Acesso em: 6 jun. 2011).

133 A new Palestine evolved: fourteen years have changed all else, but Arab politicians are the same. The New York Times, 14 de junho de 1936, p. E7.

sionismo, enfim, foi percebido como um movimento moderno. Por outro lado, como diz Kathleen Christison (1999, p. 18), o Orientalismo nos Estados Unidos na primeira metade do século XX se fundamentava na ideia de que o Oriente não compartilhava os valores dos Estados Unidos, especialmente os valores da modernidade.

No entanto, falar de modernidade enseja muitas e variadas questões. A primeira delas se refere à própria possibilidade de conceituar o que se entende como modernidade. Com efeito, elaborar uma conceituação precisa de modernidade é uma tarefa extremamente difícil. Houve muitas e diferentes respostas à pergunta “O que é modernidade?”.

Jürgen Habermas (2002, p. 5), empreende uma tentativa de conceituar “modernização”. Para ele, o termo se refere a uma série de fatores, que não se resumem a avanços técnicos. Segundo ele, modernização

refere-se a um conjunto de processos cumulativos de reforço mútuo: à formação de capital e mobilização de recursos; ao desenvolvimento das forças produtivas e ao aumento na produtividade do trabalho; ao estabelecimento do poder político centralizado e à formação das identidades nacionais; à expansão dos direitos de participação política, das formas urbanas de vida e da formação escolar formal; à secularização de valores e normas etc.

Porém, a modernidade será entendida aqui como um valor. O termo será utilizado para fazer referência a uma percepção presente entre diferentes grupos sociais norte-americanos nas primeiras décadas do século XX que teciam louvores ao que era tido como moderno. Assim, serão apresentados nesta pesquisa valores associados à modernidade e sua utilização na interpretação da Questão da Palestina. O que será apresentado e analisado, enfim, é o discurso de modernidade.

O sionismo era louvado por ser um movimento moderno. Em todos os veículos analisados, a modernidade aparece como algo inerentemente positivo, não criticado e não explicado. O sionismo era positivo porque a modernidade era positiva.

O Christian Science Monitor elogiava os “métodos modernos” [modern methods] utilizados pelos colonos sionistas135

e por fazerem “cidades modernas nascerem da areia”136 [modern cities spring out of the sand]. Já o New York Times elogiava as “modernas instituições médicas”137

[modern medical institutions] construídas pela Hadassah.

135

Palestine is need of wider markets for citrus fruit. The Christian Science Monitor, 31 de julho de 1936, p. 11. 136 Palestine: races renew old struggle. The Christian Science Monitor, 4 de setembro de 1936, p. 1.

137 Submits Palestine data: Hadassah sends health report on Palestine to British group. The New York Times, 20 de dezembro de 1936.

Sintetizando a associação sionismo-modernidade, George Brant escreve no New York Times que o sionismo estava construindo uma “Palestina modernizada” [Palestine modernized]138.

Segundo Michael Foley (2007, p. 181), a percepção positiva da modernidade nos Estados Unidos advém do final do século XIX, quando o crescimento industrial do país fez surgir entre variados grupos na sociedade norte-americana a visão de que a transformação material da sociedade e a liberdade econômica eram características inerentes à modernidade americana e eram positivas a priori.

Porém, a modernidade, embora baseada em valores centrais, não é algo homogêneo. Para Daniel Aarão Reis, a ideia hegemônica de modernidade, que se desenvolveu a partir das revoluções inglesa, francesa e americana, era um conjunto de projetos de modernidades liberais139

e burguesas:

Na economia, o triunfo do mercado e de sua mão invisível; na política, a representação censitária, excludente, o triunfo dos proprietários; na cultura, o indivíduo livre, ou seja, as pessoas individualizadas, atomizadas, desamarradas de laços tradicionais, comunitários, societários, de antigos estatutos, que as situavam num lugar onde, quase sempre, nasciam, cresciam e morriam (REIS, 2008, p. 11).

Contudo, embora muitos concordem com essa visão de modernidade, houve propostas distintas, projetos que Reis denomina “modernidades alternativas”.

Tais projetos alternativos devem ser vistos como produtos de formulações construídas por grupos sociais distintos em tempos históricos distintos. Diante disso, a noção de modernidade que pretendo chamar atenção nesta pesquisa foi a mobilizada por discursos expressos nos cinco veículos de comunicação analisados.

Na verdade, podemos perceber uma noção de modernidade específica. Ainda que se pretendesse universal, essa noção de modernidade estava de acordo com a busca por construir uma modernidade própria às questões específicas de alguns grupos da sociedade norte- americana. Portanto, trata-se de representações culturais e sociais.

Diante disso, o conjunto de discursos analisados nesta pesquisa expressa uma ideia de modernidade de acordo com pressupostos de modernidade diversos e seguindo linhas de intercessão variadas, mas que estavam, por sua vez, diretamente envolvidos com traços de uma identidade americana se queria exaltar. Elementos como novidade, empreendedorismo,

138 BRANDT, George. Palestine modernized. The New York Times, 9 de janeiro de 1938, revista, p. XX12. 139 Deve ser ressaltado que o termo “liberal” que Daniel Aarão Reis utiliza tem o significado que o pensamento adquiriu na Europa, diferente do uso que o termo tem nos Estados Unidos. “Liberal”, nos Estados Unidos, é caracterizado, dentre outras coisas, por uma defesa da ação estatal na economia, algo que é rejeitado pelos liberais econômicos europeus. Para Flavio Limoncic (2010, p. 506), o liberalismo norte-americano é marcado “pela defesa da regulação estatal na vida econômica e social”.

ciência, trabalho árduo, ação humana transformadora da natureza e experimentação social eram entendidos como intimamente associados a uma postura moderna diante do mundo.

Evidentemente, como uma sociedade complexa, houve nos Estados Unidos movimentos que atribuíam à modernidade um valor negativo, buscando formular e afirmar suas identidades pautando-se em uma vida tradicional, fieis aos modos de vida antigos, não “conspurcados” (pelo seu ponto de vista) pela industrialização, urbanização e pela modernização. Porém, um contingente expressivo via a modernidade como algo de suma importância e extremamente positivo. E, sobretudo, via a modernidade como o critério de julgamento de sociedades distintas ou de grupos dentro da mesma sociedade, vendo o processo de modernização como uma via necessária para a felicidade humana.

Por outro lado, essas noções são não só culturais e sociais, mas também históricas. Como bem aponta Daniel Aarão Reis, os processos de modernização não são estáticos e imutáveis. Ao contrário, se destacam por sua “plasticidade” e como “conseguem se adaptar, assimilar, trocar, incorporar” tendências diversas (REIS, 2008, p. 10). Dessa forma, diferentes contextos podem ensejar diferentes formas de enxergar a modernidade.

Michael Foley (2007, p. 181) demonstra que a noção de modernidade hegemônica entre os norte-americanos no século XX se baseava em elementos herdados do século XIX. Porém, na década de 1930, esses elementos se apresentaram mesclados a outros preceitos na construção das percepções sobre modernidade. Entre variados atores sociais, uma grande influência na percepção do sionismo como um movimento moderno adveio da emergência de diferentes concepções de organização da sociedade, ocorrida em um período de grande agitação social, que os historiadores chamam de “Era Progressista”.

As primeiras décadas do século XX nos Estados Unidos são notáveis por ser um período de forte efervescência política em que variados grupos sociais buscaram saídas para pôr fim às crises causadas pelo crescimento acelerado da industrialização, da urbanização e dos conflitos sociais. Segundo Flavio Limoncic (2010, p. 505), a Era Progressista buscava “construir um grande consenso ordenador capaz de construir laços de coesão social em uma sociedade tida como fraturada pelas grandes transformações em curso”. Para Limoncic (2010, p. 505), o progressivismo encerrava uma “dimensão essencialmente conservadora”, ao buscar resgatar a “perdida harmonia e reconstruir os laços de coesão social”.

Com efeito, os apoiadores do progressivismo estavam em meio a um debate sobre o que fazer para solucionar a crise social que se apresentava no início do século XX. Não

questionavam a necessidade de ação, mas estavam divididos sobre as formas mais apropriadas para recuperar a harmonia social idealizada por eles. Conforme aponta Flavio Limoncic:

No complexo emaranhado de agendas progressistas, podem ser identificados ao menos dois grandes grupos, com diagnósticos e receituários próprios. De um lado, aqueles que creditavam a perda da harmonia social a uma crise dos chamados valores americanos, ocasionada tanto pela imigração quanto pela cidade grande. De outro, os que entendiam a crise como resultado da inadequação dos princípios do liberalismo, tanto econômico quanto político, à nova realidade da economia oligopolizada, da grande indústria e da organização científica do trabalho (LIMONCIC, 2010, p. 505).

Portanto, se os entusiastas da reforma dos valores buscavam resgatar “o mundo da cidade pequena e do pequeno proprietário branco, anglo-saxão e protestante”, outros pensavam que a sociedade norte-americana precisava não de uma reforma moral, mas uma reforma social. Assim, estes últimos pensavam que diretrizes individuais e morais não solucionariam a crise em que a sociedade estava imersa. Para eles, somente a atuação coletiva poderia resgatar a coesão social norte-americana. Diante disso, começaram a empreender esforços para uma maior atuação do Estado na vida social e econômica (LIMONCIC, 2010, p. 505-6).

Conforme aponta Faith Jaycox:

Os progressistas eram reformadores e apoiadores da reforma que empreenderam uma multiplicidade de esforços para aliviar a disfunção, a corrupção, a injustiça econômica ou o sofrimento humano que acompanharam a explosão de crescimento industrial, urbanização e novas formas de viver na América. [...] Os progressistas estavam divididos sobre vários objetivos. Mas o que os unia era sua convicção de que apenas a ação social coletiva em nome do “povo” – um grupo que eles constantemente citavam, mas nunca definiam – poderia contrabalançar o crescente aumento do poder privado. Gradualmente, muitos passaram a aceitar a ideia de que apenas um ativo e, finalmente, um ampliado governo – especialmente um ampliado governo nacional – poderia revitalizar e proteger os tradicionais valores democráticos (JAYCOX, 2005, p. viii).

Portanto, é importante assinalar que, em meio a diferentes projetos defendidos por apoiadores do progressivismo, sobressaíram as percepções que divergiam da noção de modernidade individualista oriunda do liberalismo europeu. Variados grupos passaram a afirmar que os males sociais não eram causados por falhas individuais, falta de talento ou indisposição para o trabalho, mas que eram problemas coletivos, advindos da forma como estava organizada a sociedade. E assim, defendiam uma ação estatal na resolução dos problemas sociais.

Diante disso, muitos apoiadores do progressivismo, para julgar sionistas e árabes, se pautavam em valores modernos alternativos, já que partiam do entendimento que a ação

coletiva na sociedade era uma postura não só benéfica, mas necessária. Diferenciavam-se, assim, dos valores pautados em uma visão individualista de modernidade, até então vistos por grande parte da sociedade como baluartes da modernidade norte-americana.

Porém, apesar das divergências e dos elementos variados, podemos encontrar ideias centrais e comuns a muitas formulações sobre modernidade. Como diz Daniel Aarão Reis (2008, p. 10), “ao longo do tempo, certos aspectos e valores se associaram de forma indelével aos processos de modernização, conferindo-lhes, na essencial diversidade, uma certa unidade, o que não implica uniformidade”.

Porém, diferentemente de Reis, que destaca a ciência, a liberdade de pensar e a vida urbana como nucleares à ideia de modernidade, entendo que outros componentes podem ser úteis para pensar os valores que diferentes grupos atribuem à modernidade.

Um valor central atribuído por variados projetos de modernidade é a ideia de novidade. A percepção de que a ação mais positiva do ser humano é a criação de algo novo, algo inteiramente inaudito, ao invés da prisão às tradições do passado, é uma característica fundamental para o pensamento moderno. A novidade, a capacidade do homem de criar e tirar de si aquilo que precisa para se compreender e para se projetar no tempo é um dos pilares da modernidade.

Jürgen Habermas (2002, p. 12) diz que a modernidade, ao apresentar-se como uma superação do passado, precisou tirar legitimação e critérios de validade de si mesma, sem recorrer ao passado como orientação. Ou seja, o novo, o criado, foi alçado à condição central de guia para a postura diante do mundo, enquanto o antigo perdeu preeminência.

Já Reinhart Koselleck (2006) possui uma formulação interessante para analisar esse fenômeno. Segundo ele, na modernidade, se alargou a distância entre o espaço de experiência e o horizonte de expectativa140

. O valor de um indivíduo ou de um grupo passou a ser medido segundo sua relação ao que é novo (presente/futuro) em detrimento do que é antigo (passado). A ideia de progresso material está intimamente relacionada com essa noção de novidade. Porém, a modernidade não está relacionada meramente ao progresso técnico, mas ao progresso social, que resultaria em sociedades aperfeiçoadas. Como nos diz Koselleck

140 Em Futuro passado (2006), Koselleck diz que espaço de experiência e horizonte de expectativa são categorias meta-históricas que permitem ao historiador analisar as condições de possibilidade da história. São categorias adequadas para compreender o tempo histórico por lidar com a temporalidade do homem. Para ele, a experiência é o “passado atual, no qual os acontecimentos podem ser lembrados”, sendo articulados a várias experiências alheias. A expectativa também é tanto individual como inter-pessoal e “se realiza no hoje, é futuro presente, voltado para o ainda-não, para o não experimentado, para o que apenas pode ser previsto”

(KOSELLECK, 2006, p. 309-10). Para ele, é a tensão entre experiência e expectativa que faz surgir o tempo histórico (KOSELLECK, 2006, p. 313). Assim, esse alargamento significa que a expectativa não toma mais a experiência como fundamento – os projetos para o futuro não se voltam para o passado para orientação.

(2006, p. 314-8), o horizonte de expectativa na modernidade passou por uma transformação significativa, em que a história é percebida como uma marcha permanente no caminho do progresso humano. Trata-se de uma crença secular, uma crença na perfectibilidade humana, na infinita capacidade do Homem de se superar e criar algo aperfeiçoado na Terra – ou seja, neste mundo, e não após a morte. Essa nova expectativa estava ligada ao novo espaço de experiência, em que avanços técnicos e no conhecimento eram presenciados com cada vez maior frequência. A velocidade das transformações fez surgir a noção de que a essência da humanidade era a transformação e a evolução.

E foi de acordo com esses princípios que o sionismo foi identificado nos discursos aqui analisados. É interessante notar como o sionismo era visto como um movimento moderno, que se caracterizava pela novidade. Em 15 de maio de 1936, o Christian Science Monitor diz sobre os sionistas:

A terra vibra com um espírito de entusiasmo. Tudo parece possível. Homens e mulheres diariamente veem o fruto de seu trabalho. Eles represam o Rio Jordão, e não apenas limpam a terra com a corrente que eles criam, mas a água irriga os pomares. Eles perfuram uma miríade de poços, e você ouve o som dos motores bombeando água em todas as partes em todas as horas do dia e da noite. Somente em um vale 25 novas vilas apareceram. Há 30.000 homens e mulheres em fábricas em uma área em que há 20 anos atrás era um terreno arenoso árido. Dois excelentes novos portos foram construídos. As estradas são preenchidas com o trânsito. Em todos os novos centros, a vida é barata, prazerosa, esperançosa. A chama do progresso social e da façanha está na face de qualquer pioneiro. Esta é a terra da gente comum, dos jovens em busca de um futuro.

Um espírito de igualdade, liberdade, mérito humano prevalece. Este é o tipo de sociedade que Walt Whitman poderia cantar. A Humanidade fez um novo começo. [grifos meus]141.

A reportagem parece buscar sintetizar tudo o que representa a modernidade e o progresso levado à Palestina pelos sionistas. Criação, riqueza, justiça, progresso social, controle sobre a natureza, participação política. No entanto, algo que sobressai é a ideia de um novo começo da Humanidade. Ou seja, o “pioneiro sionista” representa um tipo de ser humano novo, orientado para o futuro, uma superação do passado. O passado não o prende, não é entrave para a produção de sua própria felicidade. Somente ele detém a chave para o futuro. Não são seus pais e avós que lhe dirão o que deve fazer, mas ele mesmo, tirando de si o que precisa para seguir em frente. O homem moderno é um homem que cria suas oportunidades e, por si só, vence os desafios da natureza e dos agentes contrários ao progresso.

Essa noção se coadunava bem com a própria visão da América como um novo começo. Como vimos, os sionistas foram apresentados em muitos discursos como novos americanos, como repetidores da construção da América. Era uma visão de que ambos deixaram o continente europeu para construir algo novo em uma terra que carecia da mão humana. A similaridade entre as duas narrativas englobava ainda a superação da Europa como metáfora do presente superando o passado. Para muitos nos Estados Unidos, os sionistas estavam realizando mais uma vez o dito de Thomas Paine sobre “começar o mundo de novo” (apud DIGGINS, 1993, p. 21).

Dessa forma, o discurso assimétrico orientalista desses grupos sociais adicionou a noção temporal evolutiva na análise da Questão da Palestina. Criou-se uma escala temporal para os diferentes grupos humanos. As sociedades passaram a ser julgadas pela sua posição na “marcha da História”. Segundo essa percepção, havia sociedades orientadas para o futuro e havia sociedades “presas ao passado”. O futuro era a dimensão temporal evoluída e o passado o topos da superstição, do reacionarismo, do ultrapassado, do inferior. E, assim, a dimensão temporal a que determinada sociedade estivesse associada, diria o “estágio de civilização” em que se encontrava.

E essa concepção moderna de tempo e de história também foi um importante critério mobilizado para julgar como árabes e sionistas agiam em relação ao mundo. Por um lado, o projeto sionista era moderno, visava a “reconstrução” da Palestina, por meio do progresso, seguindo preceitos da ciência moderna – significava movimento. Por outro, a população tradicional era atrasada – sejam eles árabes (muçulmanos e cristãos) ou judeus – e se caracterizavam pela apatia, já que haviam deixado a Palestina em ruínas, a mesma Palestina dos tempos bíblicos – significava inércia.

Segundo essa percepção, os sionistas, por meio de sua ação transformadora, resgatavam a Palestina do passado e a levavam em direção ao futuro, uma visão de que a era moderna havia chegado à Palestina, levado por um grupo civilizador ocidental.

A revista Life dizia em junho de 1939, que “sob a liderança do Sr. [Chaim] Weizmann, os judeus levaram o mundo contemporâneo à Palestina”142

. Já a revista National Geographic afirmava que os sionistas estavam “vencendo o passado”143

.

Dessa forma, há uma assimetria temporal entre os dois grupos. Joseph Harrison diz no Christian Science Monitor que “é o árabe e não o judeu que lembra o Antigo Testamento”144.

142 GUNTHER, John. Chaim Weizmann: Zionist leader. Revista Life, 12 de junho de 1939, p. 62.

143 SIMPICH, Frederick ; MOORE, Robert. Bombs over Bible lands. National Geographic Magazine, agosto de 1941, p. 149.

Já a jornalista Clair Pierce, escreve no New York Times145

que os beduínos “ainda vivem no Antigo Testamento, acampando em suas tendas de pele negra no deserto e vagueando eternamente com seus rebanhos.” E analisando o movimento do comércio marítimo no Oriente Médio, ela diz que “as embarcações que chegam aos portos do Golfo Pérsico e do Mar Vermelho remontam aos tempos de Sinbad, o Marujo”. E Gene Currivan diz no New York Times que enquanto os bazares árabes fazem o relógio “retroceder séculos”, as lojas da “moderna Tel Aviv” lembram Nova York e Paris146

.

Porém, talvez nenhuma expressão seja tão vívida dessa percepção quanto a avaliação emitida pela revista Life em novembro de 1946:

O árabe da Palestina está separado do judeu da Palestina não apenas pela religião, mas pela descontinuidade [gap] de séculos. A maioria dos judeus emigrou para a Palestina saída dos países industriais modernos. Os árabes ainda estão lutando contra o medievalismo. A maioria deles cultiva como seus antepassados fizeram no passado distante. Sua vida urbana continua como na Idade Média, sobrecarregada com estritos tabus e fortes clivagens de classe. Mas estimulados pelo exemplo e pela competição dos colonos judeus, os árabes fizeram algum progresso nos últimos 20 anos ao adotarem os novos métodos de cultivo147.

Percebemos, assim, que construiu-se um par antitético que insere a diferença na história. Uma percepção que Koselleck (2006, p. 201) denominou de “não-simultaneidade de estágios culturais”. Ou seja, ao mesmo tempo em que sionistas e árabes viviam no mesmo

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