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1 INTRODUÇÃO

1.8 Papel da seipina nas alterações na homeostase redox e do RE

Além dos moduladores plasmáticos das alterações na homeostase redox e do RE, modificações em proteínas intracelulares também podem ter influência nesses mecanismos. Recentemente, Sánchez-Iglesias mostrou que a transcrição de BSCL2 se correlacionava significativamente com a transcrição de enzimas do sistema antioxidante, num modelo experimental de autópsias de regiões específicas do tecido nervoso humano. Além disso, concluiu que a superexpressão de BSCL2 em cultura de células SH-SY5Y1 aumentava a transcrição de genes importantes para a defesa antioxidante. Todavia, o que ainda não está claro é: i) se a presença de seipina auxiliaria na proteção antioxidante, já que essa proteína poderia ajudar direta ou indiretamente na expressão das enzimas antioxidantes como efeito; ou ii) se a presença de seipina teria um papel pró-oxidante, estimulando uma resposta antioxidante que culminaria na expressão das enzimas antioxidantes como consequência (SÁNCHEZ-IGLESIAS et al., 2018). Caso a função canônica de seipina esteja relacionada com expressão de proteínas do sistema antioxidante numa relação tecido-independente (proposição “i”), é possível inferir que as mutações de perda de função no seu gene seriam importantes para gerar estresse nessas células por culminar em disfunções na atividade de enzimas antioxidantes.

Embora a possibilidade acima descrita ainda precise de mais estudos para confirmação, alguns trabalhos já encontraram situações em que há a propensão para alterações na homeostase redox em pessoas com lipodistrofias. Em uma portadora

de mutação em BSCL2, marcadores de danos mitocondriais secundários foram encontrados na urina (JENINGA et al., 2011). Da mesma forma, já foi visto que, em pessoas com lipodistrofias, a fosforilação oxidativa estaria disfuncional (SLEIGH et al., 2012). Mesmo que esses achados sejam clássicos precursores de alterações na homeostase redox em pessoas com lipodistrofias, ainda não é possível afirmar que a disfunção de seipina poderia ser a sua causa elicitatória de forma suficiente e direta.

Seipina, por ser uma proteína do RE, contribui direta ou indiretamente para a homeostase dessa organela. Contudo, não é possível dizer que a ausência de sua função, nem a presença de mutações que impeçam seu correto dobramento estão sempre associadas com a UPR. A Tabela 2 resume os principais trabalhos que se propuseram a estudar a expressão quantitativa e qualitativa de seipina e sua relação com o estresse do RE. Em situações de diminuição quantitativa na expressão de seipina (silenciamento ou nocauteamento gênico), observa-se que 50% dos trabalhos demonstram positividade para o disparo da UPR (BI et al., 2014; LIU et al., 2014; LOUNIS et al., 2017; ZOWALATY et al., 2017), enquanto que os outros 50% não apresentaram esse mecanismo (CHEN et al., 2012; WANG et al., 2016, 2018; ZHOU et al., 2014). Por conseguinte, mais estudos são necessários para demonstrar os padrões de montagem da UPR secundários à ausência de seipina em diferentes tecidos.

Ademais, em situações de alterações qualitativas em seipina (mutações que alteram o dobramento dessa proteína), o estresse do RE também não é encontrado em todos os artigos. As mutações N88S e S90L são exemplos que não afetam a função de seipina, porém seu dobramento comprometido é suficiente para gerar estresse do RE (ITO et al., 2007). Elas são diferentes da R96H, na qual nem a função de seipina é comprometida, nem as modificações no dobramento proteico são suficientes para a geração do estresse do RE (HSIAO et al., 2016). Por outro lado, a mutação de A212P tanto compromete a função, como o correto dobramento de seipina, gerando estresse do RE (QIU et al., 2013).

Nesse ponto, é importante ressaltar que o estudo de Ito e colaboradores em 2008 (ITO et al., 2008) tentou observar um padrão de como as alterações qualitativas de seipina poderiam gerar estresse do RE. Esses pesquisadores expressaram vários tipos de seipina em células humanas HeLa e traçaram quais seriam suas sequências aminoacídicas essenciais para geração de UPR. Suas principais evidências apontaram que a primeira região transmembrânica de seipina seria essencial para sua

Tabela 2 – Modulação da expressão de seipina e sua relação com o estresse do RE.

Modelo Detalhamento Alteração Local de

alteraçãoa Tipo de alteraçãob Gerou estresse do RE? Referência Tecido epitelial Células epiteliais alveolares da glândula mamária de camundongos

Nocauteamento Sistêmico Quantitativa Sim (ZOWALATY

et al., 2017)

Tecido

adiposo Drosophila Nocauteamento Sistêmico Quantitativa Sim

(BI et al., 2014) Tecido

adiposo Camundongos Nocauteamento

Tecido-

específico Quantitativa Sim

(LIU et al., 2014) Cultura

de células

HepG22 Silenciamento Célula-

específica Quantitativa Sim

(LOUNIS et al., 2017) Tecido nervoso Hipocampo e córtex cerebral de camundongos Nocauteamento Tecido-

específico Quantitativa Não

(ZHOU et al., 2014) Tecido nervoso Substância nigra de camundongos Nocauteamento Tecido-

específico Quantitativa Não

(WANG et al., 2018) Cultura de células MEF3 estimuladas

para diferenciação Nocauteamento

Célula-

específica Quantitativa Não

(CHEN et al., 2012) Cultura

de células

Sum1594 Nocauteamento Célula-

específica Quantitativa Não

(WANG et al., 2016) Cultura

de células

Huh-75 Superexpressão Célula-

específica Quantitativa Não

(CLÉMENT et al., 2013) Cultura de células HeLa6 e N2a7, validado em outros modelos N88S ou S90L Célula-

específica Qualitativa Sim

(ITO; SUZUKI, 2007) Cultura de células 3T3-L18 A212P Célula-

específica Qualitativa Sim

(QIU et al., 2013) Cultura de células Linhagem primária de pré- adipócitos humanos R329X Célula-

específica Qualitativa Sim

(GUILLÉN- NAVARRO et al., 2013) Cultura de células HEK2939 R96H Célula-

específica Qualitativa Não

(HSIAO et al., 2016) Fonte: autoria própria, com base nas referências citadas. aAlterações específicas: somente no modelo

celular/tecidual estudado; Alterações sistêmicas: para todo o organismo; bAlterações qualitativas: mutações qual

alteram o dobramento dessa proteína; alterações quantitativas: silenciamento/nocauteamento gênico vs superexpressão.

2 Linhagem de câncer hepático de humanos;

3 Linhagem de fibroblastos embrionários de camundongos;

4 Linhagem de célula tronco mesenquimal de câncer de mama de humanos; 5 Linhagem de hepatócito derivado de carcinoma de humanos;

6 Linhagem de células epiteliais derivadas de câncer cervical de humanos; 7 Linhagem de células de neuroblastoma de camundongos;

8 Linhagem de pré-adipócitos de camundongos;

retenção no RE e que ambos os domínios transmembrânicos seriam críticos para a ativação da UPR. Por fim, mostraram que seipinas mutantes mal formadas sem os domínios transmembranares não poderiam se acumular no RE e ativar a UPR (ITO et al., 2008).

Além disso, embora seja um importante inibidor da adipogênese, o estresse do RE não está significativamente ligado à perda do tecido adipocitário em pessoas com a LGC do tipo 2. Isso já foi visto em células 3T3-L1 ativadas para diferenciação adipocitária na presença das seipinas mutantes N88S e S90L, proteínas mal dobradas que são comprovadamente geradoras desse estresse (QIU et al., 2013; RAKOCEVIC- STOJANOVIC et al., 2010). Nesse sentido, o estudo de mutações em BSCL2 como geradoras do estresse do RE é importante, não como proposição de mecanismo que explique o comprometimento da adipogênese, mas sim para investigação de um possível agravamento do estresse secundário à própria lipodistrofia. Nesse contexto, o estudo da rs786205071 é pioneiro na busca de relações entre essa variante no genoma e a expressão fenotípica de marcadores das alterações na homeostase redox e do RE.

1.9 A importância do estudo das alterações na homeostase redox e do RE nas

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