Capítulo 7. Apresentação dos dados
7.2. Análise retórica das entrevistas individuais
7.2.3. O papel dos professores e da escola
A categoria ‘ações da escola e dos professores na prevenção’ compreende as ações
que os professores consideram ideais direcionadas à prevenção do consumo dos alunos, tanto
da escola como deles mesmos, assim como as falhas de ambos e as causas dessas falhas.
Comporta ainda as dificuldades apontadas por eles para se efetivar uma ação educativa eficaz
no combate às drogas na escola e na sociedade.
A análise da retórica de J sobre as ações da escola e dos professores é, de maneira
geral, fundada no real e mostra que à medida que os alunos vão se desenvolvendo, o professor
vai deixando aos poucos de se comprometer. Ocorreram casos no colégio de professores
usuários de drogas ilícitas. No caso do aluno a escola procura ajudar caso seja apanhado com
drogas, mas se acontecer com o professor ele é demitido. Professores participam pouco de
eventos no colégio em função de precisarem correr para outra escola. O que ele recebe não é o
suficiente para sustentar a família. É preciso acreditar na recuperação da pessoa humana.
O diálogo foi marcado pela tentativa de J de citar as ações da escola sobre alunos e
professores usuários. Criticou às famílias por não aceitarem os comportamentos impróprios dos
filhos. J tratou do caso de uma família, que ela chamou para conversar sobre o filho que estava
usando drogas. Colocou o caso como exemplo do que se costuma assistir nas reuniões: a falta
de aceitação dos pais em relação aos comportamentos dos filhos. Relatou que o pai olhava
para o próprio filho e dizia "É claro que ele esta andando com fulano, meu filho nunca fez isso!"
(apêndice 1, p. ii), indicando a cegueira do pai em aceitar que seu filho fosse "a laranja podre da
escola" (apêndice 1, p. iv). Em outro caso, a mãe, já sabendo que o filho era usuário e que seria
convidado a se retirar da escola, situação prevista no PPP, preferiu tirar o filho da escola. Outra
ação, em função dos seguranças terem observado traficantes nas imediações do colégio, foi a
de revistar a mochila dos alunos, mas nada foi encontrado.
No caso de professores usuários, se constatado são desligados, como ocorreu com um
professor de artes, que estava alterado e foi mandado embora por justa causa. Critica também
os professores e diz que todos estão cientes de que caso um aluno seja apanhado com drogas
deverão ser alertar a direção e o serviço de psicopedagogia da escola para que providências
sejam tomadas. Constata que os professores evitam uma aproximação maior com o aluno
quando descobrem que há envolvimento com drogas. Acredita que os professores não se
sentem preparados para lidar com a questão. Mas alega que ninguém pode dizer que a escola
não tem um psicopedagogo ativo, já que "agora eu divido com ele e traçamos juntos,
estratégias de acordo com cada caso" (apêndice 1, p. iii). Por outro lado, reconhece que o PPP
precisa ser atualizado, pois a última atualização foi em 2007, e compreende quando os
professores questionam a necessidade do aluno ter que ser expulso se for apanhado com
drogas. Os acordos de J estão resumidos no esquema abaixo.
Quadro 15. Argumentos de J
ARGUMENTOS DE J
Informou que o colégio busca parcerias para desenvolver projetos em diversas áreas,
como a implantação de um trabalho com os grupos de AA e NA no processo de saúde e
cidadania. Alega que várias tentativas foram feitas com os professores, mas eles nunca querem
dar ideias, evitam fazer qualquer comentário e não querem participar de nada. Muitos
professores trabalham em vários colégios, saindo de uma escola para outra, com o tempo muito
apertado, pois precisam sustentar a família. J quis criar eventos no sábado, mas os professores
não participam, dizem que é o único tempo para estar próximo à família. Assim, essas faltas
acabam por ser compreendidas pela direção da escola.
J diz que nas administrações anteriores nunca teve que responder sobre qualquer
questão acadêmica, estando a direção totalmente autônoma para decidir sobre questões
pedagógicas. Eles nunca queriam se envolver. Mas a atual, que assumiu há cerca de um ano,
participa de tudo, tanto o administrativo como o acadêmico, promove reuniões permanentes
com gestores e toma as medidas cabíveis para sanar problemas.
PAPEL DOS PROFESSORES E DA ESCOLA
Ações ideais e reais da escola e dos professores na prevenção do consumo dos jovens
AÇÕES IDEAIS DA ESCOLA
SEGUNDO O PPP É FALTA GRAVE PORTAR OU CONSUMIR DROGAS (verdade)
PROFESSOR QUE USA DROGAS DEVE SER MANDADO EMBORA
ESTRATÉGIAS DE PREVENÇÃO DEVERIAM SER REALIZADAS DE ACORDO COM O CASO O ALUNO MERECE UMA SEGUNDA OPORTUNIDADE
(presunções)
ACREDITA NA TRANSFORMAÇÃO DAS PESSOAS (valor)
DOS PROFESSORES
PARTICIPAÇÃO NA CONSTRUÇÃO DO PPP (valor) PROFESSORES DEVERÃO ACIONAR A DIREÇÃO E A PSICOPEDAGOGIA EM CASO DE DROGAS (presunção)
AÇÕES REAIS FALHAS DA ESCOLA
O PPP ESTÁ DESATUALIZADO DESDE 2007 (fato)
A ESCOLA NÃO FALHA SOZINHA (presunção)
FALHAS DO PROFESSOR
POUCA PARTICIPAÇÃO NAS REUNIÕES PEDAGÓGICAS
OS PROFESSORES GANHAM POUCO, TRABALHAM MUITO E O É TEMPO CURTO
(fatos)
NÃO ESTÁ PREPARADO PARA LIDAR COM DROGAS (presunção)
A análise da retórica de MA fundada no real, sobre as ações da escola e dos
professores, sinaliza para a falta de atitude e a falta de preparo do professor dentro de sala. O
professor escuta de seus alunos relatos de uso de drogas por parte de familiares. Professores
frequentam as mesmas festas que os alunos e veem alunos bebendo até cair. Convidar
usuários de drogas em recuperação para ministrar palestras informativas, poderá ajudar no
processo de informação. Na escola ninguém é obrigado a ser testado para saber se usou ou
não drogas.
O diálogo sobre as ações da escola e dos professores foi marcado pelo relato de MA,
dizendo que nunca se deparou em sala com alunos drogados e sim com situações relacionadas
a parentes que se envolveram com o tráfico de drogas ou simplesmente tornaram-se usuários
de drogas. MA passou por momentos indesejados em festas, pois alega que lá sim conviveu e
convive com alunos usuários de bebida alcoólica do 9º ano do fundamental em diante. O que
impressiona MA é que não existe uma censura para o consumo de bebida alcoólica que são
fornecidas e se apresentam das formas das mais variadas possíveis pelos responsáveis pelas
festas e ao presenciar um caso disse "A dona da casa sabia e nada fazia. Quando ela viu que o
menino estava passando muito mal, resolveu ligar para alguém ir buscar".
Conhece a política institucional da escola, mas repassa todos os casos que lá ocorrem
para a psicopedagogia. Para MA o professor precisa estar preparado para lidar com as
questões das drogas, além de considerar também uma falta de atitude da parte deles. Ressalta
que existe uma banalização sobre drogas muito grande por parte dos alunos em função da
educação recebida em casa, porque muitos estão envolvidos com drogas lícitas e ilícitas.
Palestras e seminários de conscientização para os professores poderão ajudar, mas tem
dúvidas se seriam o suficiente e diz "O que falta é trazer gente de fora com mais experiência.
Só o aprendizado com a disciplina parece não ser o suficiente" (apêndice 1, p. vi).
Quadro 16. Argumentos de MA
ARGUMENTO DE MA
AÇÕES IDEAIS DA ESCOLA
CRIAR FEIRAS OU SEMINÁRIOS COM VISTAS A UM MAIOR CONHECIMENTO E REFLEXÃO DO ALUNO
CONVIDAR MEMBROS DO AA E NA PARA DAR DEPOIMENTOS
(presunções)
DOS PROFESSORES
NINGUÉM É OBRIGADO A FAZER O TESTE NA ESCOLA (verdade)
CONSEGUE RESULTADOS COM O ALUNO PELA INSISTÊNCIA (lugar do preferível)
AÇÕES REAIS FALHAS DA ESCOLA
O PPP NÃO É LEVADO A SÉRIO (fato)
FALHAS DO PROFESSOR
FALTA ATITUDE E PREPARO DENTRO DE SALA (presunção)
PROFESSORES FREQUENTAM FESTAS COM ALUNOS
O PROFESSOR NÃO PEDE AJUDA REPASSA PARA A PSICOPEDAGOGIA TODOS
OS CASOS QUE OCORREM (fatos)
PAPEL DOS PROFESSORES E DA ESCOLA
Em relação ao PPP que diz que o aluno ou professor que for pego consumindo ou
portando drogas, deverá ser convidado a se retirar do colégio, informa que isso deverá ser
provado e ninguém é obrigado a ser testado no colégio. Para um processo de prevenção as
drogas, convidar palestrantes, usuários em recuperação para dar depoimentos de suas histórias
de vida, criar seminários ou feiras capazes de levar os alunos a um maior conhecimento e uma
reflexão sobre drogas seriam importantes. MA vai mais longe, quando revela que todos
deveriam estar engajados no processo único de prevenção as drogas e nesta ordem serem
preparados para esse grande desafio, "inicialmente só com os pais, depois, só com os filhos,
depois só com os professores e uma aberta a toda a comunidade" (apêndice 1, p. vii).
A análise da retórica de LU, fundada no real sobre as ações da escola e dos
professores considera que professores e comunidade escolar não estão preparados ainda para
lidar com a questão das drogas, principalmente se em alguns casos a própria família consome
droga na frente dos filhos. A escola procura solucionar os problemas com drogas na medida em
que eles ocorrem sem um planeamento efetivo. Assim que um aluno é suspeito de ter
consumido ou caso esteja portando qualquer tipo de droga, o professor encaminha à direção
que aplica uma suspensão e procura ligar imediatamente para o responsável vir buscar o aluno.
Todavia, a conscientização, a informação e os valores ficam para trás.
O diálogo sobre as ações da escola e dos professores foi marcado pelo relato de LU,
dizendo que sua experiência com drogas foi em decorrência de sua experiência como
professora, enquanto que na família não soube de qualquer caso relacionado a drogadição. Em
sala, LU relatou casos em que sua maior preocupação era estar ministrando aulas para alunos
que haviam consumido ou mesmo portando drogas.
Em relação às providências, caso ocorra algum caso na sala de aula seria encaminhá-
lo a direção, porém não de imediato, LU tentará se aproximar do usuário e oferecer ajuda,
porém a questão é outra, a maioria dos alunos não quer receber ajuda e muito menos passar
por um tratamento, dentro ou fora da escola. Nesse caso específico, não havia o que fazer,
porque o jovem não queria ajuda. O fato de constar no PPP que o aluno ou o professor poderá
ser convidado a se retirar da escola por qualquer envolvimento com drogas não quer dizer que
isso ocorra. Segundo LU, isso dificilmente acontece e salienta, porque o jovem não vai seguir as
normas, vai seguir seu desejo: "Não adianta, mesmo que exista alguma coisa escrita, a palavra
Quadro 17. Argumentos de LU
ARGUMENTOS DE LU
LU deixa transparecer que a escola não quer lidar com casos complexos como os de
drogadição, para que não receba retaliação de familiares de outros alunos. Acredita que
palestras de conscientização sobre drogas costumam ajudar os professores a lidar melhor com
os alunos e seus familiares. Outro ponto importante é a tentativa por parte da escola de trazer
jovens em recuperação, para darem depoimentos sobre suas histórias de vida. É fundamental
que isso ocorra várias vezes ao ano. Em relação à família LU diz ficar muito preocupada, pois
eles não dispõem de tempo para os seus filhos. Os próprios alunos relatam em sala que os pais
sentem-se cansados ou sem paciência quando chegam do trabalho. Isso acaba prejudicando
todo desenvolvimento do jovem, principalmente dentro de sala.
Por fim LU faz uma colocação surpreendente para alguns, dizendo que meninas do
ensino fundamental II estão ingerindo álcool na mesma proporção que os meninos, nas festas, e
coloca a responsabilidade disso na família, que tem dificuldade de impor limites aos seus filhos.
Faz também uma outra colocação: ‘Isso tem a ver com a liberdade que é dada dentro de casa,
liberdade essa que ele não tem condições de ter. O adolescente precisa ter limites’.
A análise da retórica de GL, fundada no real, sobre as ações da escola e dos
professores, considera que os professores ao saberem que determinado aluno é usuário de
drogas, tentará se ver livre dele de qualquer forma, já que não se sente preparado para lidar
com essas questões. O primeiro passo para o uso de outras drogas é o consumo de álcool que
vem crescendo assustadoramente. A escola deveria trazer usuários jovens em recuperação com
o intuito de mostrar um outro lado da vida sem drogas, isso poderia ajudar o jovem a se decidir,
já que ele acha que pode tudo. Deixar de pensar só em conteúdos e ampliar suas atividades
envolvendo todos os professores e as famílias dos alunos.
O diálogo sobre as ações da escola e dos professores foi marcado pelo relato de GL,
AÇÕES IDEAIS DA ESCOLA
IMPLANTAÇÃO DE UM PROJETO NA ESCOLA COM GRUPOS ANÔNIMOS (NA e AA)
EXPULSAR OS CASOS PERDIDOS (presunções)
DOS PROFESSORES
DEVE EVITAR QUE O ALUNO SE DROGUE (presunção)
SABER O QUE FAZER ANTES DE ACONTECER O PROFESSOR NÃO TEM O QUE FAZER NO
CASO DA FAMÍLIA USUÁRIA (presunções)
AÇÕES REAIS DA ESCOLA
FALTA PLANEJAMENTO PARA TOMADAS DE PROVIDÊNCIAS
(presunção) O PPP NÃO É CUMPRIDO
ALUNO QUE CONSUME OU ESTA PORTANDO DROGA É PUNIDO
(fatos)
FALTA APOIO AO ALUNO E AO FAMILIAR A ESCOLA NÃO LIDA COM DROGAS PARA EVITAR
DESAVENÇA COM OS PAIS (presunções)
DOS PROFESSORES
NÃO TEM AÇÃO PREVENTIVA (fato)
PAPEL DOS PROFESSORES E DA ESCOLA
dizendo que o álcool foi a droga de que mais ouviu falar e mesmo testemunhou muitos jovens
em festas consumindo-o em grande quantidade. Entretanto, num tom de brincadeira, escutou
alguns alunos comentando a respeito de determinadas drogas ilícitas, mas não teve a
oportunidade de conviver diretamente com nenhum caso específico. Segundo GL o professor
não está preparado para lidar com as questões que envolvem as drogas. Tem uma visão que
quase sempre é punitiva, independente de seu conhecimento. Teve a oportunidade de analisar
o PPP e acredita que caso ocorra algum problema relacionado ao professor usuário de drogas,
este não será merecedor de alguma chance, porém o aluno será um caso a ser estudado,
devido a sua complexidade do assunto para o jovem, e diz: "Se for o professor ele não deverá
trazer drogas para o ambiente de trabalho, principalmente, por ser uma pessoa esclarecida,
estudada. Mas se ele trouxer, deverá ser convidado a se retirar" (apêndice 1, p. xi).
Quadro 18. Argumentos de GL
ARGUMENTOS DE GL
Para GL uma das mais benéficas estratégias de se esclarecer e ao mesmo tempo
causar um impacto nos alunos seria a escola convidar usuários em recuperação para dar
depoimentos de suas histórias de vida e de preferência, jovens também. GL acredita que a
linguagem do jovem tem um poder reflexivo diferenciado, quando estão juntos. Quanto às ações
preventivas que poderiam afastar os jovens das drogas, GL aponta para os programas de
prevenção as drogas do Ministério da Saúde como forma de ajudar aos mais necessitados,
inclusive à família, pois muitos pais estão envolvidos com drogas.
GL relata que a escola esta envolvida hoje mais no nível de conteúdo, não se
preocupando com os espaços que poderiam ser abertos à comunidade para diversos fins. Já na
política institucional, a escola poderia realizar algumas coisas, para que as regras fossem
respeitadas, pois não é o que se vê, e tece uma consideração: "Se a gente for levar tudo à
risca, vai ser difícil; confesso que às vezes a gente vê um aluno xingando, mas você vai chamar
AÇÕES IDEAIS DA ESCOLA
RECORRER AOS PROGRAMAS DE PREVENÇÃO DO MINISTÉRIO DA SAÚDE
TRAZER USUÁRIOS JOVENS EM RECUPERAÇÃO DAR APOIO AO PROFESSOR PARA LIDAR COM
AS DROGAS
ABRIR-SE PARA A COMUNIDADE PUNIÇÃO PARA PROFESSORES USUÁRIOS SEGUNDA CHANCE PARA ALUNOS USUÁRIOS
(presunções)
DOS PROFESSORES
ATUALIZAÇÃO DO PPP
CONHECER O PROBLEMA PARA SABER LIDAR COM ALUNO USUÁRIO
(presunções)
AÇÕES REAIS DA ESCOLA
SÓ QUER FORNECER CONTEÚDO O PROFESSOR É DESRESPEITADO NÃO APÓIA O PROFESSOR PARA SE ATUALIZAR
DESVALORIZA O PROFESSOR NÃO TEM ESPAÇO PARA CRÍTICA A POLÍTICA INSTITUCIONAL NÃO FUNCIONA
O PPP NÃO AJUDA O ALUNO A ESCOLA SE FECHA À COMUNIDADE
(presunções)
DOS PROFESSORES
NÃO PARTICIPA DO PPP
NÃO CONVERSA SOBRE DROGAS COM OS ALUNOS QUER DISTÂNCIA DO ALUNO USUÁRIO
(fatos)
PAPEL DOS PROFESSORES E DA ESCOLA