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Representações sociais e drogas

No documento Marcelo Lessa Dissertação (páginas 53-56)

Capítulo 4. As Representações Sociais como um suporte teórico

4.1. Representações sociais e drogas

As representações sociais de professoresorientam as suas condutas em relação às

drogas e aos usuários dentro da escola. Compreendemos que essas representações estão em

fase de transformação em função das novas diretrizes da legislação educacional, que salientam

a necessidade de se discutir com os alunos os problemas que a sociedade enfrenta, e da

polêmica em voga sobre a descriminalização da maconha. Sendo as drogas uma espécie de

tabu dentro da escola, principalmente no caso da escola que será investigada, e sendo uma

problemática que vem se agravando nas últimas décadas, atingindo os jovens estudantes,

procurou-se identificar possíveis mudanças que possam estar ocorrendo nas conceções dos

professores, sobre as drogas e sobre os usuários, buscando suas dificuldades na prática

cotidiana relacionada aos problemas de consumo dentro da escola.

Para Anadón e Machado (2003), se levarmos em consideração as pesquisas que

demonstram que as transformações nas representações geram mudanças nas práticas, bem

como que as modificações que levam a alterações nas práticas sociais solicitam novos projetos

ordenadores, alterando as representações sociais sobre determinado fenômeno, acreditamos

que as representações sociais de educadores sobre as drogas subsidiam suas atitudes e suas

ações, na mesma medida em que as experiências compartilhadas no espaço escolar

possibilitam a construção de representações sociais específicas.

As drogas estão cada vez mais presentes no espaço escolar, embora provoquem o

medo dos professores e a negação da escola. É um objeto que incomoda e, de certa forma,

ameaça os educadores, porque eles não têm controlo sobre os jovens usuários, geralmente

rebeldes. Além disso, a interferência das drogas no funcionamento cerebral tem consequências

no processo de aprendizagem, o que exige o posicionamento do grupo perante elas.

uma exposição contínua desse objeto, propiciando debates em todos os segmentos da

sociedade. Quando estabelecemos uma relação entre a média e o consumo de drogas,

notamos que ocorre um verdadeiro bombardeio de notícias sobre a temática, que consideram

tanto as questões biológicas como as de foro individual e coletivo.

“Um evidente descompasso diz respeito ao conjunto de informações sobre ‘drogas

ilícitas’ – maconha, cocaína, entre outras, em comparação as lícitas – álcool e tabaco.

De um lado, a população recebe uma série de informações sobre a violência

relacionada ao tráfico e sobre os ‘perigos das drogas’ e, de outro, é alvo de

sofisticadas propagandas para estímulo de bebidas alcoólicas e de cigarros.” (Noto et

al., 2003, p. 70)

Logo, ao tratarmos de diferentes tipos de substâncias que compõe cada droga, vamos

descobrir que a média separa um lugar sob o ponto de vista da disseminação das informações,

de acordo com a licitude ou não do produto e o seu poder agravante. Situações essas que

poderão ter influência na comercialização desses produtos.

Na década de 70, a imprensa deu ênfase a um avanço do uso de cocaína, maconha,

LSD e heroína, entre estudantes Na verdade, pesquisas de epidemiologia constataram que

essa quantidade de usuários era bem pequena. Mas, anos mais tarde, quando de fato houve

um aumento bastante substancial de consumidores de drogas ilícitas, esse ocorrido

potencializou a reação da sociedade, promovendo comportamentos e manifestações mais

desesperadores do que seria de se esperar (Lacerda; Santos; Ferreira, 2013).

Para Noto et al. (2003), o fato de a imprensa ter alardeado um aumento do uso de

alguns psicotrópicos anos antes de acontecer, poderia ser encarado de várias maneiras: a

média como indutora do uso – incentivando o uso pelo excesso de informações; a média como

indicador epidemiológico – já que teria sido capaz de detetar um fenômeno antes que esse

fosse mensurado pelos serviços públicos de epidemiologia; ou um mero acaso com fatos

relativamente independentes – sem relação direta de causa-efeito, entre outras possibilidades.

Outra questão que preocupa muito é a estigmatização do usuário de drogas pela

sociedade, criando vínculos negativos para estes, comprometendo a sua educação, a sua

saúde assistida, as suas possibilidades de emprego e muito mais, dificultando o

desenvolvimento de tratamentos e ações de prevenção. Como se já não bastassem os atos

discriminatórios da sociedade para com eles, esses usuários ainda precisam lidar com os

comprometimentos sérios de ordem física (Ronzani, 2009).

Para Moscovici (1988), as representações sociais são fruto dos acordos que

estabelecemos em nossas relações com os outros e organizam o pensamento social sobre os

objetos que se inserem na comunicação cotidiana. Nesse sentido, as drogas têm diversos

estatutos, dependendo dos interesses de cada grupo social.

“E todos nós percebemos o quanto a realidade social difere, por exemplo, quanto ao

uso de drogas, dependendo de se é visto e representado como um defeito genético,

um sinal de desestruturação familiar, uma tradição cultural ou uma substância exigida

para um ritual de grupo. Resumindo, todo comportamento aparece ao mesmo tempo

como um dado e um produto de nosso modo de representá-lo.” (Moscovici, 1988,

p.214)

Os professores poderão decidir e reavaliar suas práticas a partir do confronto com suas

atuações diárias. Freire (1996, p. 24) enaltece o papel do professor afirmando que “gestos

aparentemente insignificantes dos professores podem valer como força formadora do

educando”. Devemos ressaltar que, através de sua prática docente, os professores poderão

apropriar-se de novos conhecimentos, mas que as mudanças e transformações ocorridas só

irão se concretizar assim que o professor expandir o seu conhecimento sobre a sua própria

atividade. Assim, os programas de prevenção acabam não funcionando nas escolas, porque os

professores não observam as questões psicossociais dos alunos. “Um fator de fracasso da

prevenção é aquele que considera esta atividade um evento isolado, dissociado de um

planeamento global ou integrado” (Cruz, 2002, p. 40).

A complexidade dos fatores envolvidos na produção, distribuição e negociação das

drogas determina que sejam implantadas ações que ultrapassem o âmbito da sala de aula. É

importante a execução de programas de prevenção em todos os setores da Instituição. A

finalidade da prática educativa comporta fazer com os alunos uma reflexão crítica a respeito da

sua vida. Vale lembrar que não existem modelos, mas percebe-se que são possíveis múltiplas

abordagens sobre as questões ligadas às drogas. As características encontradas em cada

comunidade, os usuários de drogas da região, tipos de drogas mais utilizadas, poderão ser

discutidas sim, dentro de sala de aula, procurando obter assim melhores resultados (Cruz,

2002, p. 40).

Além dos problemas relacionados a currículo, baixos salários e má formação do

professor, as escolas têm ainda que enfrentar as implicações com o crime organizado, quando o

assunto são os jovens na fase escolar. É notório que muitas vezes os alunos não podem

frequentar o colégio em função dos tiroteios, que acontecem próximo às suas residências ou

por causa da disputa entre as quadrilhas da região. É comum o porte de arma entre os

estudantes. São encontradas armas de fogo, facas, canivetes e até mesmo objetos de uso de

academias de artes marciais, visando o confronto direto com seus rivais. Fica claro que o valor

do professor cai em comparação com o valor oferecido pelo dinheiro fácil e pela posse de

armas (Zaluar, 2004).

Mas são os adolescentes acima de 14 anos que estão sendo assassinados. Pesquisas

no Estado do Rio de Janeiro sugerem que 50% dos homicídios de adolescentes entre 15 e 18

anos seriam atribuídos à ação de grupos de extermínio, 40% a grupos de traficantes de drogas

e 8,5% à polícia, assegurando que os homicidas não são encontrados e continuam

desconhecidos (Zaluar, 2004). O problema seria separar esses três grupos e ter a certeza de

quem são os responsáveis pelas mortes. Deparamo-nos nas ruas com policiais corruptos que

operam como grupos de extorsão e que podem ser classificados como grupos de extermínio --

quadrilhas de traficantes e assaltantes que não usam métodos diferentes daqueles usados pela

polícia.

O tráfico de drogas faz parte do cotidiano de certas escolas. Considerando relatos de

alunos, encontramos resultados sobre a presença do tráfico nas escolas (vide tabelas 1, 2 e 3 -

anexo). De acordo com os dados da pesquisa realizada pela UNESCO 2003/2004 (Abramovay,

2005) cerca de 9% dos alunos (147.467) afirmam que existe tráfico em suas escolas, mas a

maior parte dos alunos (58%) declara que não sabe se existe tráfico de drogas na escola, o que

pode sugerir a influência da lei do silêncio, ou simples medo. Dos professores, 14% do corpo

técnico-pedagógico, ou seja, professores, diretores e agentes administrativos, indica a

existência de tráfico de drogas na escola, enquanto a maioria, (64%) declara não saber,

chegando a 22% os que dizem que não há tráfico de drogas na escola. Entre os adultos, há

diferenças significativas em relação à perceção sobre o tráfico nas localidades pesquisadas.

Note-se que Porto Alegre (25%) e São Paulo (17%) se sobressaem como as localidades onde

há uma maior perceção sobre a existência de tráfico na escola. Já em Salvador, a proporção é a

mais baixa, cerca de 6%.

O jovem está sendo culpado pela violência da sociedade, esse jovem que aos poucos

vai se distanciando de sua família e da escola e passa a viver na rua, se submetendo a diversos

tipos de abusos por parte dos adultos e da própria polícia, que consomem drogas e se

envolvem com produtos roubados como forma de manter sua adição. Seriam esses

adolescentes os responsáveis pelos homicídios mais violentos ou, na realidade, eles praticam

apenas os crimes considerados de menor gravidade?

No meio desses acontecimentos está a figura do professor, impotente, doente, exausto

e despreparado para lidar com questões tão complexas e que parecem distantes de serem

resolvidas.

No documento Marcelo Lessa Dissertação (páginas 53-56)