Capítulo 4. As Representações Sociais como um suporte teórico
4.1. Representações sociais e drogas
As representações sociais de professoresorientam as suas condutas em relação às
drogas e aos usuários dentro da escola. Compreendemos que essas representações estão em
fase de transformação em função das novas diretrizes da legislação educacional, que salientam
a necessidade de se discutir com os alunos os problemas que a sociedade enfrenta, e da
polêmica em voga sobre a descriminalização da maconha. Sendo as drogas uma espécie de
tabu dentro da escola, principalmente no caso da escola que será investigada, e sendo uma
problemática que vem se agravando nas últimas décadas, atingindo os jovens estudantes,
procurou-se identificar possíveis mudanças que possam estar ocorrendo nas conceções dos
professores, sobre as drogas e sobre os usuários, buscando suas dificuldades na prática
cotidiana relacionada aos problemas de consumo dentro da escola.
Para Anadón e Machado (2003), se levarmos em consideração as pesquisas que
demonstram que as transformações nas representações geram mudanças nas práticas, bem
como que as modificações que levam a alterações nas práticas sociais solicitam novos projetos
ordenadores, alterando as representações sociais sobre determinado fenômeno, acreditamos
que as representações sociais de educadores sobre as drogas subsidiam suas atitudes e suas
ações, na mesma medida em que as experiências compartilhadas no espaço escolar
possibilitam a construção de representações sociais específicas.
As drogas estão cada vez mais presentes no espaço escolar, embora provoquem o
medo dos professores e a negação da escola. É um objeto que incomoda e, de certa forma,
ameaça os educadores, porque eles não têm controlo sobre os jovens usuários, geralmente
rebeldes. Além disso, a interferência das drogas no funcionamento cerebral tem consequências
no processo de aprendizagem, o que exige o posicionamento do grupo perante elas.
uma exposição contínua desse objeto, propiciando debates em todos os segmentos da
sociedade. Quando estabelecemos uma relação entre a média e o consumo de drogas,
notamos que ocorre um verdadeiro bombardeio de notícias sobre a temática, que consideram
tanto as questões biológicas como as de foro individual e coletivo.
“Um evidente descompasso diz respeito ao conjunto de informações sobre ‘drogas
ilícitas’ – maconha, cocaína, entre outras, em comparação as lícitas – álcool e tabaco.
De um lado, a população recebe uma série de informações sobre a violência
relacionada ao tráfico e sobre os ‘perigos das drogas’ e, de outro, é alvo de
sofisticadas propagandas para estímulo de bebidas alcoólicas e de cigarros.” (Noto et
al., 2003, p. 70)
Logo, ao tratarmos de diferentes tipos de substâncias que compõe cada droga, vamos
descobrir que a média separa um lugar sob o ponto de vista da disseminação das informações,
de acordo com a licitude ou não do produto e o seu poder agravante. Situações essas que
poderão ter influência na comercialização desses produtos.
Na década de 70, a imprensa deu ênfase a um avanço do uso de cocaína, maconha,
LSD e heroína, entre estudantes Na verdade, pesquisas de epidemiologia constataram que
essa quantidade de usuários era bem pequena. Mas, anos mais tarde, quando de fato houve
um aumento bastante substancial de consumidores de drogas ilícitas, esse ocorrido
potencializou a reação da sociedade, promovendo comportamentos e manifestações mais
desesperadores do que seria de se esperar (Lacerda; Santos; Ferreira, 2013).
Para Noto et al. (2003), o fato de a imprensa ter alardeado um aumento do uso de
alguns psicotrópicos anos antes de acontecer, poderia ser encarado de várias maneiras: a
média como indutora do uso – incentivando o uso pelo excesso de informações; a média como
indicador epidemiológico – já que teria sido capaz de detetar um fenômeno antes que esse
fosse mensurado pelos serviços públicos de epidemiologia; ou um mero acaso com fatos
relativamente independentes – sem relação direta de causa-efeito, entre outras possibilidades.
Outra questão que preocupa muito é a estigmatização do usuário de drogas pela
sociedade, criando vínculos negativos para estes, comprometendo a sua educação, a sua
saúde assistida, as suas possibilidades de emprego e muito mais, dificultando o
desenvolvimento de tratamentos e ações de prevenção. Como se já não bastassem os atos
discriminatórios da sociedade para com eles, esses usuários ainda precisam lidar com os
comprometimentos sérios de ordem física (Ronzani, 2009).
Para Moscovici (1988), as representações sociais são fruto dos acordos que
estabelecemos em nossas relações com os outros e organizam o pensamento social sobre os
objetos que se inserem na comunicação cotidiana. Nesse sentido, as drogas têm diversos
estatutos, dependendo dos interesses de cada grupo social.
“E todos nós percebemos o quanto a realidade social difere, por exemplo, quanto ao
uso de drogas, dependendo de se é visto e representado como um defeito genético,
um sinal de desestruturação familiar, uma tradição cultural ou uma substância exigida
para um ritual de grupo. Resumindo, todo comportamento aparece ao mesmo tempo
como um dado e um produto de nosso modo de representá-lo.” (Moscovici, 1988,
p.214)
Os professores poderão decidir e reavaliar suas práticas a partir do confronto com suas
atuações diárias. Freire (1996, p. 24) enaltece o papel do professor afirmando que “gestos
aparentemente insignificantes dos professores podem valer como força formadora do
educando”. Devemos ressaltar que, através de sua prática docente, os professores poderão
apropriar-se de novos conhecimentos, mas que as mudanças e transformações ocorridas só
irão se concretizar assim que o professor expandir o seu conhecimento sobre a sua própria
atividade. Assim, os programas de prevenção acabam não funcionando nas escolas, porque os
professores não observam as questões psicossociais dos alunos. “Um fator de fracasso da
prevenção é aquele que considera esta atividade um evento isolado, dissociado de um
planeamento global ou integrado” (Cruz, 2002, p. 40).
A complexidade dos fatores envolvidos na produção, distribuição e negociação das
drogas determina que sejam implantadas ações que ultrapassem o âmbito da sala de aula. É
importante a execução de programas de prevenção em todos os setores da Instituição. A
finalidade da prática educativa comporta fazer com os alunos uma reflexão crítica a respeito da
sua vida. Vale lembrar que não existem modelos, mas percebe-se que são possíveis múltiplas
abordagens sobre as questões ligadas às drogas. As características encontradas em cada
comunidade, os usuários de drogas da região, tipos de drogas mais utilizadas, poderão ser
discutidas sim, dentro de sala de aula, procurando obter assim melhores resultados (Cruz,
2002, p. 40).
Além dos problemas relacionados a currículo, baixos salários e má formação do
professor, as escolas têm ainda que enfrentar as implicações com o crime organizado, quando o
assunto são os jovens na fase escolar. É notório que muitas vezes os alunos não podem
frequentar o colégio em função dos tiroteios, que acontecem próximo às suas residências ou
por causa da disputa entre as quadrilhas da região. É comum o porte de arma entre os
estudantes. São encontradas armas de fogo, facas, canivetes e até mesmo objetos de uso de
academias de artes marciais, visando o confronto direto com seus rivais. Fica claro que o valor
do professor cai em comparação com o valor oferecido pelo dinheiro fácil e pela posse de
armas (Zaluar, 2004).
Mas são os adolescentes acima de 14 anos que estão sendo assassinados. Pesquisas
no Estado do Rio de Janeiro sugerem que 50% dos homicídios de adolescentes entre 15 e 18
anos seriam atribuídos à ação de grupos de extermínio, 40% a grupos de traficantes de drogas
e 8,5% à polícia, assegurando que os homicidas não são encontrados e continuam
desconhecidos (Zaluar, 2004). O problema seria separar esses três grupos e ter a certeza de
quem são os responsáveis pelas mortes. Deparamo-nos nas ruas com policiais corruptos que
operam como grupos de extorsão e que podem ser classificados como grupos de extermínio --
quadrilhas de traficantes e assaltantes que não usam métodos diferentes daqueles usados pela
polícia.
O tráfico de drogas faz parte do cotidiano de certas escolas. Considerando relatos de
alunos, encontramos resultados sobre a presença do tráfico nas escolas (vide tabelas 1, 2 e 3 -
anexo). De acordo com os dados da pesquisa realizada pela UNESCO 2003/2004 (Abramovay,
2005) cerca de 9% dos alunos (147.467) afirmam que existe tráfico em suas escolas, mas a
maior parte dos alunos (58%) declara que não sabe se existe tráfico de drogas na escola, o que
pode sugerir a influência da lei do silêncio, ou simples medo. Dos professores, 14% do corpo
técnico-pedagógico, ou seja, professores, diretores e agentes administrativos, indica a
existência de tráfico de drogas na escola, enquanto a maioria, (64%) declara não saber,
chegando a 22% os que dizem que não há tráfico de drogas na escola. Entre os adultos, há
diferenças significativas em relação à perceção sobre o tráfico nas localidades pesquisadas.
Note-se que Porto Alegre (25%) e São Paulo (17%) se sobressaem como as localidades onde
há uma maior perceção sobre a existência de tráfico na escola. Já em Salvador, a proporção é a
mais baixa, cerca de 6%.
O jovem está sendo culpado pela violência da sociedade, esse jovem que aos poucos
vai se distanciando de sua família e da escola e passa a viver na rua, se submetendo a diversos
tipos de abusos por parte dos adultos e da própria polícia, que consomem drogas e se
envolvem com produtos roubados como forma de manter sua adição. Seriam esses
adolescentes os responsáveis pelos homicídios mais violentos ou, na realidade, eles praticam
apenas os crimes considerados de menor gravidade?
No meio desses acontecimentos está a figura do professor, impotente, doente, exausto
e despreparado para lidar com questões tão complexas e que parecem distantes de serem
resolvidas.
No documento
Marcelo Lessa Dissertação
(páginas 53-56)