4.3 UNIDADE TEMÁTICA 2
4.3.5 Papel do Aluno
Essa categoria se origina, pois, ao analisar as entrevistas, nota-se a incidência de
sentenças que remetem ao papel a ser desempenhado pelo aluno, aprendiz no contexto das
práticas formativas na APS. Compartilham-se algumas expectativas citadas pelos preceptores
com relação ao desempenho, ao perfil do acadêmico, futuro profissional.
“[...] eles [alunos] vêm, praticamente todos eles trabalham em outro emprego né.
Então eles vêm muito cansados, ahãn tem alguns que vem ... até quase dormindo, porque
trabalham na noite né, [...], mas assim, eu acho que ele vem muito cansado, eu falei com a
professora sobre isso, eu acho que eles estão aproveitando pouco esse estágio, alguns alunos
né, alguns deles, não todos né, aproveitando pouco o estágio devido a isso.” (P3)
Na presente investigação, os profissionais de saúde preceptores que acompanham os
acadêmicos nas unidades de saúde SUS, esses por sua vez, são procedentes de IES instaladas
no próprio município, ou seja, escolas de nível superior de caráter privado. Contudo, frente a
essa característica, também compreende o grupo de estudantes, o perfil de
estudante-trabalhador, que por sua vez, utiliza do trabalho como fonte de receita para custear a sua
formação.
Nessa perspectiva, convém destacar quanto ao perfil dos estudantes, manifestado
através da experiência dos sujeitos participantes da pesquisa, os quais evocam sobre como
lidar com os diferentes tipos de alunos no serviço e seus múltiplos interesses. É conveniente
ressaltar sobre a significância do termo estágio, que, segundo Cunha (2012, p.268) é
“derivado do latim stagium, palavra com origem etimológica de aprendizado”.
“[...] chega no final, por exemplo, tem uma aluna agora que está chegando no final
do semestre, ela acha que o trabalho dela é fazer um banner ... e eu fico muito triste de estar
acabando o semestre e ela não ter conseguido vê toda a complexidade no atendimento da
atenção primária, [...] Ela fica ... preocupada em terminar a carga horária né, fazer um
banner e ter uma nota.” (P9)
“A gente sempre fica por perto. Ela é bem, uma aluna bem boa. Isso também ...
influência [...] Às vezes, a gente tem aluno que não tá com muita vontade de ou não
tá...onde... não está né [...] onde ele gostaria de estar.” (P10)
“Porque nem sempre a gente vai receber estrelinha. Porque que nem eu te falei.
Noventa por cento, noventa e nove por cento foram pessoas né, comprometidas, etc. Mas, ás
vezes, a gente vai receber uma… Que nem essa menina que veio com essa dificuldade [...].”
(P1)
Enfatiza-se que, ao contrário do operário de uma indústria, o professor (educador)
“não trabalha apenas com um „objeto‟, ele trabalha com sujeitos e em função de um projeto:
transformar os alunos, educá-los e instruí-los” (TARDIF, 2012, p.13). Partindo dessa citação,
cabe a reflexão acerca das atividades de ensino-aprendizagem envoltas pela preceptoria, que
condizem com a educação de adultos, fundamentalmente seres humanos com as suas culturas,
as suas crenças, suas experiências, seus interesses e seus conhecimentos pregressos e que
requerem competências, habilidades, atitudes e manejo do preceptor enquanto educador nesse
processo.
Diante das expressões contidas nas falas e consoante com as ideias de Zabalza (2014,
p.115), “fazer as práticas não é sair da universidade para fazer qualquer coisa. É continuar
aprendendo num contexto não acadêmico”. Nesse sentido, é importante que tanto o aluno
quanto o preceptor tenham consciência do propósito do estágio e o seu papel nesse contexto.
No entanto, entende-se a priori a necessidade de se conhecer o projeto da disciplina de
estágio, como também como melhorar a integração entre os envolvidos.
Os semestres finais dos cursos de graduação geralmente são períodos dedicados aos
últimos estágios, aos trabalhos de conclusão de curso e por vezes, algumas disciplinas que
exigem, entre outras coisas, dedicação do aprendiz. Nesse sentido, a motivação do aluno
torna-se um elemento essencial, papel do aluno, para o desempenho de tais atividades.
Corroborando com o exposto, para Pozo (2002) a aprendizagem requer altas doses de
motivação, “mover-se para” a aprendizagem, no entanto, exige um certo movimento para
mudar.
Nesse contexto dos estágios, é premente que o preceptor conheça as expectativas do
educando quanto ao estágio, como também a sua história pregressa, as necessidades de
aprendizagem emergentes, os objetivos dos estágios, de modo a realizar um planejamento
conjunto das ações a serem desempenhadas, de maneira a tornar o estágio atrativo para o
aprendiz, como também para o educador (preceptor). Entretanto, considera-se que somente a
aplicação de novas estratégias de ensino não garante que o aluno realmente aprenderá o novo
conteúdo. Para que isso aconteça, são necessários dois requisitos: disposição para aprender
(motivação) e que o conteúdo abordado seja interessante/significante (Mello et al., 2014).
Em seguimento ao exposto, imagina-se como um dos desafios da prática do preceptor,
o compreender, o trabalhar com esses múltiplos interesses dos alunos manifestados no
decorrer das vivências de estágio. Baseado nas ideias de Zabalza (2014, p.256), “é provável
que nem tudo o que se faz no centro de estágios desperte o mesmo interesse por parte dos
estudantes”.
“Os desafios... é tu te organizar com uma pessoa que às vezes é bem diferente de ti, e
ver o que que ela tem de expectativas, que às vezes é diferente da tua, e tu tem que estar
contribuindo com esse processo né, esse processo de frustração como eu te disse também,
né?” (P16)
Por meio da fala do preceptor deduz-se que “saber se adaptar a eles não é nada fácil”
ZABALZA (2014, p.256). Frente a isso, quanto aos subsídios que o profissional de saúde
pode estar utilizando com a finalidade de instrumentalizar essa prática, acredita-se que
programas de formação pedagógica direcionadas aos preceptores é uma possibilidade de dar
conta dessa necessidade, como também uma maneira de qualificar a aproximação, o vínculo
entre os envolvidos (IES, preceptores e alunos).
Nessa conjuntura, para Correa et al. (2015) há necessidade de que os profissionais de
saúde que atuam como preceptores tenham competência didático-pedagógica para
desenvolver essa função. Na prática, porém, o que se verifica é o contrário: eles dominam os
saberes profissionais, mas não os saberes pedagógicos, necessários para a organização de
ações formativas. Diante dessa realidade, utilizam-se as palavras de Zabalza (2014), em que
considera a paciência como uma das qualidades fundamentais de um bom preceptor.
Nesse momento, entende-se que ambas as competências técnico/científica e
pedagógica são imprescindíveis para a prática educativa, para preceptoria de qualidade. Nesse
estudo, por meio das entrevistas, entende-se que a significância atribuída a ambas é
semelhante, para tanto, enfatiza-se a necessidade de formação pedagógica. Um dos
argumentos para essa asserção se atribui ao fato de que 62,3% (n=33) dos participantes
informaram não ter tido esta formação em seu currículo.
Outro aspecto citado pelos preceptores relaciona-se ao papel do aluno e à questão da
autonomia nas práticas dos serviços SUS.
“Sozinha, sozinha não, eu sempre dou uma supervisionada né?!” (P10)
Nesse aspecto, caracteriza-se também como função do preceptor, a responsabilidade
legal por aquele aluno/aprendiz no momento das práticas. Para tanto, considera-se relevante
que a relação estabelecida entre preceptor-aluno, seja permeada por laços de confiança,
responsabilidade e ética. Dessa forma, temas acerca de autonomia, de liberdade também
emergem na obra de Freire (2014), quando menciona que o educando que exercita sua
liberdade ficará tão mais livre, quanto mais eticamente assumir a responsabilidade em suas
ações.
Legitimando a obra de Freire, a fala do preceptor idealiza a autonomia como uma
estratégia de ensino aprendizagem, nos cenários de prática da AB.
“[...] uma certa possibilidade, dele caminhar um pouco sozinho, assim que ele possa
ter a experiência assim como se ele fosse, já o profissional formado, naquele momento, ele
poder atuar assim ... fazer uma anamnese bem feita e olha muitas vezes, a gente fica assim
muito feliz de ver como ... até o próprio paciente ele valoriza e acredita nesse já futuro
profissional [...].” (P4)
Diante do relato do preceptor, infere-se a oportunidade de deixar o aluno vivenciar tal
prática, como profissional de saúde num cenário real. Nesse sentido, consoante com Campos
et al. (2001), a experiência nos cenários de prática proporciona ao aluno lidar com problemas
reais, assumindo responsabilidades como agente prestador de cuidados, compatíveis com o
seu grau de autonomia.
Diante dessas considerações, entende-se como fundamental a articulação entre os
conhecimentos teóricos que o aluno aprendeu nas disciplinas em sala de aula, com a
experiência prática, de modo a confrontar as situações vivenciadas com a recuperação dos
conteúdos. Nessa conjuntura, atribui-se ao preceptor o papel de estimulador desse processo,
de forma a oportunizar aos alunos sentirem-se “capazes de enfrentar os desafios da profissão
cujo caráter prático eles estão conhecendo em primeira mão, durante o estágio” (ZABALZA,
2014, p. 255).
Com relação às atribuições do aprendiz nos campos de prática SUS, a fala do
preceptor manifesta a importância de esclarecer, explicitar sobre o papel a ser
desenvolvido, para a equipe de saúde do serviço, o qual o aluno está vinculado.
“[...] a presença do estagiário assim, às vezes, a equipe confunde achando que é uma
mão de obra barata né e não é por aí. Que a equipe tem que entender o que que o estagiário
está fazendo aqui, o que que ele pode estar ajudando, [...], mas não é trabalho [ênfase do
entrevistado] dele, [risos] isso tem que ficar bem claro né, cada um com suas atribuições,
com suas funções, com suas responsabilidades.” (P9)
Convém ressaltar sobre a inserção do aluno nos serviços de saúde e as diversas
possibilidades de interpretação sobre suas atribuições no contexto das práticas. Como
mencionado, pode haver certa confusão ao entender que a presença do aluno é sinônimo de
“mais um” na equipe, como mão-de-obra para atender as demandas dos serviços.
Ao relacionar o papel do aluno como mão de obra às ideias de Zabalza (2014, p. 219),
ratifica-se que a pressão do cotidiano dos serviços é inevitável, mas entende-se que não será
necessariamente prejudicial, a não ser que “tal implicação leva à realização de tarefas
marginais ou alheias a seu perfil profissional”. Nesse sentido, entende-se como elementar
retomar as questões do caráter formativo do estágio, consoante o previsto nos projetos das
disciplinas das instituições de ensino, bem como aproximar as ações de supervisão entre
preceptor e professor.
No contexto das práticas de estágio e da atuação dos alunos, entende-se que alguns
currículos da área da saúde contemplam intervenções a serem realizadas nos campos de
prática, como parte integrante da disciplina de estágio. No presente estudo, as falas dos
participantes denotam as intervenções implementadas junto aos serviços de saúde.
“Você reflete com ele [aluno] todas as demandas e juntos, é claro, vê o que, o que é
viável e indicado pra intervenção, mas primando sempre pela autonomia do aluno.” (P8)
“[...] as intervenções sempre [ênfase do entrevistado] de acordo com a necessidade
do serviço, não dá [risos] pra tu ter uma intervenção né....” (P16)
“[...] tu pode pedir um trabalho, dizer ah um mural ou um trabalho para desenvolver
um folder, alguma coisa a gente pode também, além do atendimento ali de elas estarem junto,
presente ali no atendimento...” (P17)
“Que daí, geralmente eles vêm já com uma ... uma proposta já de trabalho, com o
método, né da própria universidade.” (P11)
As falas traduzem as características que compõem o processo das intervenções. Nesse
sentido, pode-se inferir diferentes abordagens com os alunos, no âmbito das intervenções,
umas um tanto quanto relacionais, com base no diálogo, na problematização da realidade e
consoantes com as necessidades do serviço. Outras, de cunho tradicional, análogas ao modelo
diretivo, em respeito a um comando a ser seguido.
No que concerne às intervenções, os relatos dos preceptores apontam-nas como
contribuições que o aluno agrega ao serviço de saúde.
“[...] para o serviço que eles estão passando, deixar, como se diz, uma herança....”
(P6)
“Ah, elas [alunas] agregam alguma coisa, sim, de bom no serviço, elas têm que fazer
atuação na área de educação, na área de gestão, então, elas sempre trazem [ênfase do
entrevistado] alguma coisa, a gente cria junto[...] Esse é lado muito bom.” (P13)
Essas concepções evocam aspectos positivos da presença da academia nas unidades
de saúde. Tais concepções são equivalentes ao estudo de Forte et al. (2015) com profissionais
cirurgiões dentistas preceptores, que consideram que o aluno potencializa as ações da unidade
de saúde da família, bem como dos profissionais pela diversificação das práticas.
Nesse sentido, é oportuno salientar que o papel do aluno descrito nesse capítulo
infere-se sob o olhar, as vivências do preceptor nesinfere-se contexto. Para tanto, emerge inquietações
acerca da temática, no ímpeto de conhecer o que pensam os alunos sobre suas atribuições.
Nesse sentido, é imperativa a realização de estudos aprofundados sobre o assunto.
No documento
UNIVERSIDADE FEDERAL DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DE PORTO ALEGRE UFCSPA PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO ENSINO NA SAÚDE
(páginas 119-124)