2.1 A PRECEPTORIA NA ATENÇÃO BÁSICA
2.1.2 Preceptor: Origem e Significados
Questões relacionadas ao processo de cuidar, formar pessoas com habilidades mínimas
necessárias para o cuidado da população, são preocupações antigas (e ao mesmo tempo tão
atuais) existentes desde o início da história da humanidade. Nas tribos primitivas, a exemplo
cita Macedo (1999), os candidatos a pajés eram cuidadosamente selecionados e treinados
tutorialmente nas práticas pertinentes, de maneira informal. A partir do exemplo citado,
pode-se realizar a pode-seguinte analogia ao pensar que nos tempos remotos já havia correlação entre o
8 Com o intuito de proporcionar melhor visibilidade dos movimentos na figura, optou-se por inserir na parte superior da linha do tempo, os movimentos locais (Brasil) e na parte inferior os movimentos de caráter internacional. Destaca-se a Rede UNIDA, como Instituição Brasileira, porém com inferências internacionais, motivo esse, de ser alocada abaixo da linha.
tutor da tribo (no caso o profissional de saúde formado, conhecimento teórico e prático) e os
candidatos a pajé (no caso os estudantes), em uma relação de ensino-aprendizagem.
Posto que, no período que antecede o surgimento das universidades medievais, o
aprendizado dos estudantes estava intimamente relacionado à prática, o aprendiz (médico)
seguia os passos do mestre (pessoa com experiência), como ajudante e depois estava apto para
atuar de maneira autônoma (LAMPERT, 2009). A aprendizagem baseava-se na observação do
trabalho do preceptor (médico experiente/veterano) e na reprodução de seus atos, atitudes e
procedimentos. Com o advento do saber científico, no final do século XIX, evidenciou-se a
necessidade das práticas “profissionais” estarem vinculadas às escolas formadoras, ou seja, às
práticas de ensino.
Nesse sentido, no Brasil a partir da promulgação das DCN no ano de 2001, são muitas
as orientações e os pressupostos que orientam as IES, quanto à elaboração de seus currículos,
baseados em uma formação sólida do profissional de saúde e consoante com os princípios e
diretrizes do SUS. Os estágios, entendidos como foco desse estudo, compõem parte dos
currículos universitários, assim considerados como importante etapa na formação dos futuros
profissionais, através dos quais a aprendizagem ocorre em cenários reais de prática.
Na relação de ensino-aprendizagem em cenários de prática, entre profissional da saúde
e o estudante, a designação dada àquele que desempenha suas atividades como educador,
possui diferentes denominações, tais como: preceptor, mentor, tutor e supervisor (BOTTI,
2009). Nesse sentido, Botti (2009) emprega diferentes nomenclaturas para fins de designar a
função do profissional mais experiente que auxilia na formação médica durante a residência.
Quanto à aplicabilidade dessas terminologias, entende-se que pode ser empreendido
no universo de formação da graduação e pelos diferentes cursos da área da saúde. De acordo
com o estudo proposto por Botti (2009), sintetizam-se os seguintes conceitos: Mentor -
profissional da saúde responsável pelo auxílio e orientação pessoal fora do ambiente
hospitalar, isento a responsabilidade de avaliar. Supervisor - profissional de saúde com a
função de melhorar o nível de qualidade da atuação profissional, sendo importante, tanto para
o próprio profissional, como também para o usuário do serviço de saúde. Possui a atribuição
de avaliar o desempenho do estudante. Tutor - o profissional de saúde com características de
atuação em ambientes acadêmicos, que orienta a formação de profissionais. Já para a
na teoria como na prática, com atuação em diferentes níveis de atenção à saúde. Ainda nesse
contexto, refere que:
O preceptor assume vários papéis nesse processo de formação [...] mostra o caminho, serve como guia. Outras, estimula o raciocínio e a postura ativa do residente. Muitas vezes planeja, controla o processo de aprendizagem e analisa o desempenho. Mas também aconselha, usando de sua experiência, cuidando do crescimento profissional e pessoal do jovem médico (BOTTI, 2009, p.88).
Tais denominações merecem melhor detalhamento e atenção quanto ao seu emprego
na prática. Vislumbra-se a necessidade de analisar o contexto de ensino-aprendizagem e
adequar as terminologias consoantes aos currículos universitários e às exigências das práticas
em serviço.
Nesse sentido, convém resgatar a origem da palavra preceptor, derivada do latim
Praeceptor- ̅ris, que se refere a “aquele que ministra preceitos ou instruções” (CUNHA,
2012, p.516). Destaca-se o papel fundamental do preceptor em serviço para os estudantes, ou
seja, na apropriação de competências para a vida profissional, incluindo conhecimentos,
habilidades e atitudes (BARRETO, 2011).
Ainda há de se considerar outras definições de preceptoria. Entre as atribuições do
preceptor, além de aplicar a teoria na prática, a função “se caracteriza pelo exercício de uma
prática clínica que levanta problemas e provoca a busca de explicações ou soluções”
(MISSAKA, RIBEIRO, 2011, p 305). Nessa perspectiva, o preceptor evoca problematizar a
realidade junto com os estudantes, refletir sobre a prática considerando o conhecimento prévio
do aprendiz e a necessidade do embasamento teórico, de modo a gerar um novo
conhecimento, visando tornar o processo de ensino-aprendizagem prazeroso e significativo.
Entende-se que os preceptores desempenham um importante papel na formação dos
profissionais de saúde, por meio do “exemplo prático de suas ações no serviço, seja pela
supervisão/orientação dedicada aos alunos, aos especializandos e aos residentes em estágio
nas unidades de saúde” (RIBEIRO, 2011, p.6). No entanto, o profissional de saúde no
dia-a-dia da preceptoria, utiliza “meios” que subsidia-a-diam sua prática pedagógica com os alunos. Um
desses “meios” pode ser a aprendizagem pelo exemplo, ou como explica Schön (2000), o
processo de aprender através do “demonstrar, imitar”, onde o estudante constrói e testa, em
suas próprias ações na realidade viva, as características essenciais da ação que observou num
processo construtivo de reflexão-na-ação.
Nessa conjuntura, em relação aos processos de ensino-aprendizagem é oportuno
salientar a potencial influência do preceptor (educador) no aprendizado dos estudantes nos
campos de prática. Consoante com Freire (2014) os gestos, as atitudes, por vezes até
despercebidos do educador, têm repercussão no universo dos educandos.
Ainda, em relação às atividades de preceptoria nos cenários vivos da prática, Ribeiro
(2011, p.6) ratifica a exigência do “acréscimo de uma formação/aculturação pedagógica para
além das funções técnicas que lhe são atribuídas”. Ao considerar que os serviços SUS são
compreendidos como campos de prática para o ensino e a pesquisa em saúde, nesse sentido,
acredita-se necessária e importante a instrumentalização do trabalhador da saúde para um
olhar com foco nas ações de ensino na saúde, para além de funções técnicas/assistenciais que
lhes são de competência.
Sob a perspectiva do ensino, Botti (2009, p.8) destaca a importância do preceptor na
atribuição de educador, “no sentido de oferecer ao aprendiz ambiente que lhe permitam
construir e reconstruir conhecimentos, trilhando um caminho para formar pessoas ativas na
sociedade”. Nessa lógica, considera-se pertinente que o preceptor utilize subsídios,
ferramentas/metodologias no seu cotidiano com os alunos, de modo a incentivar o
protagonismo desses nas práticas em saúde, sendo esses corresponsáveis pelo seu
aprendizado.
Quanto às concepções do vocábulo preceptoria, refere-se que esse é, pela primeira vez,
utilizado na publicação das novas DCNs para o curso da medicina, no ano de 2014. E com
referência aos estágios, essa diretriz descreve que “a preceptoria exercida por profissionais do
serviço de saúde terá supervisão de docentes próprios da Instituição de Educação Superior
(IES)”(BRASIL, 2014a, p.11). Entende-se por função da supervisão (IES) verificar/
acompanhar como os processos de ensino-aprendizagem se efetivam nos contextos reais de
modo a fomentar a integração ensino-serviço e qualificar as atividades formativas.
Na conjuntura do processo de ensino-aprendizagem, para Oliveira e Daher (2016,
p.123) “o preceptor, profissional do serviço, assume, nesse paradigma, papel de construtor de
vínculo e articulador do encontro entre o ensino e o serviço”. Acrescenta-se para além do
citado, o papel do preceptor no ímpeto da construção da articulação
ensino-serviço-comunidade, ideário conquistado por meio do movimento UNI, em meados dos anos 90 na
América Latina, inclusive no Brasil (Figura 2).
Cabe destacar, que para fins do exercício da preceptoria nas Residências em Área
Profissional da Saúde, há a exigência de formação/especialização acadêmica ou em área
profissional ou experiência de no mínimo, três anos na área profissional correspondente
(FAJARDO, CECCIM, 2010). Tais requisitos, instituídos formalmente, aplicam-se
especificamente aos preceptores das residências. Sendo assim, constata-se deficiente a
existência de legislações que versem sobre as atividades de preceptoria em outros contextos,
inclusive destinadas aos estudantes dos cursos de graduação.
Figura 2 - Inserção do preceptor na articulação entre as dimensões ensino-serviço-comunidade
Fonte: O autor (2016)
Corroborando com o citado, Soares et al. (2013, p.14) ressaltam que inexiste “uma
regulamentação que pudesse solidificar essa prática dentro do sistema, permanecendo
fragilizada a relação entre instituição de ensino e profissionais da rede”. De modo similar, na
perspectiva de Missaka e Ribeiro entende-se que:
A função do preceptor, suas intervenções e seus atributos não ficam bem definidos até mesmo em documentos oficiais, e uma melhor fundamentação desses aspectos poderia contribuir para a construção da regulamentação e prática dessa função (MISSAKA, RIBEIRO, 2011, p.305).