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Paráfrase e polissemia 37 

No documento 2009GrazielaThaisBaggioPivetta (páginas 38-43)

1.2 Refletindo sobre o objeto de análise: o discurso publicitário 27 

1.2.1 Paráfrase e polissemia 37 

Nos primeiros tempos da AD, mais precisamente na AAD/69, o dispositivo inicial tinha nas noções de efeito metafórico e de paráfrase as questões mais produtivas analiticamente. Em AD, a paráfrase é definida de modo diferente ao da Lingüística, assim como a metáfora tem uma definição que também difere dos Estudos Literários ou da Retórica. Ambos os conceitos estabelecem relações com a história, com o modo de

funcionamento do sistema, com o equívoco e com a ideologia. No início da AAD/69, a paráfrase foi pouco estudada em si mesmo. Era vista como a possibilidade de substituição de segmentos num contexto, estabelecendo uma relação de sinonímia entre esses elementos.

O próprio Pêcheux, juntamente com Fuchs (1975), entendia que as relações de substituição que constituíam a paráfrase não podiam reduzir-se à simples equivalência lexical, levando-o a distinguir dois tipos de substituição: as simétricas e as orientadas. Nas substituições simétricas, a “equivalência é produzida no próprio processo, sem ser referível a um efeito de tipo dicionário” (PÊCHEUX e FUCHS, 1997, p. 212), ou seja, um elemento é contextualmente sinônimo de outro. Já, na segunda, nas orientadas, os substituíveis não são equivalentes, mas é possível deduzir um do outro.

É ainda em Pêcheux e Fuchs (1975) que a noção de paráfrase vem associada à noção de produção de sentido. Conforme os autores, “a produção de sentido é estritamente indissociável da relação de paráfrase entre seqüências tais que a família parafrástica destas seqüências constitui o que se poderia chamar a ‘matriz de sentido’.” (1997, p. 169). O sentido só ganha espaço na materialidade discursiva na medida em que a seqüência é pertencente necessariamente a esta ou aquela FD. Dito de outro modo, uma seqüência necessariamente precisa pertencer a uma FD para ser dotada de sentido.

É no texto Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio (1975) que Pêcheux desenvolve estes aspectos, ao discutir as relações entre semântica e processo discursivo. Neste ponto, o sentido é desvinculado de sua literalidade. As palavras não têm um sentido próprio ou que esteja colado nas coisas, mas seu sentido se constitui em cada FD e na relação assumida por tais palavras com outras palavras da mesma (ou de outra) FD. Logo, a expressão processo discursivo passa a designar o sistema de substituições e paráfrases que envolvem elementos lingüísticos de uma FD determinada.

Para Pêcheux, a paráfrase é uma das principais questões lingüísticas de que se ocupa a Análise do Discurso. O projeto da AD consiste em problematizar questões, contribuindo com os lingüistas que se preocupam em estudar o suporte lingüístico dos processos sócio-históricos. Mediante isso, Pêcheux desenvolve um estudo voltado à repetição na discursividade, mais precisamente sobre a paráfrase. Para ele, os sentidos não são dados a priori, mas são históricos e socialmente constituídos e devem ser referidos às condições em que foram produzidos, além de outros discursos através de uma concepção heterogênea de linguagem. Os indivíduos tomam o turno da fala, retomando, sem se dar

conta, enunciados que são da ordem do já-dito. A repetição que acontece e que faz parte de todo e qualquer discurso é constitutiva do próprio discurso.

Para este estudo, a produção de sentidos que o discurso publicitário suscita é fundamental para as reflexões que integrarão as análises, uma vez que a imagem, assim como o enunciado, não é origem em si mesma, pois é composta heterogeneamente, mantendo relações com outras imagens. Por isso, também, não interessa apenas abordar aqui a repetição que se dá somente no nível lingüístico, mas sim e, principalmente, a repetição no nível discursivo, possibilitando a reflexão a respeito das condições sócio- históricas e ideológicas. Logo, interessa-nos a repetição vertical − do interdiscurso – mas sem ignorar seqüências discursivas e elementos encontrados na repetição horizontal, no intradiscurso, pois é através delas que teremos as pistas para atingir o interdiscurso, uma vez que é somente neste nível que se pode considerar a memória discursiva.

Por meio do conceito de memória discursiva, trazemos para o trabalho a reflexão proposta por Grantham em sua dissertação de mestrado. Para a autora,

é a repetição ou o apagamento dos elementos de saber de uma FD, isto é, dos enunciados, que aponta para a memória discursiva. Assim, é na relação do interdiscurso com o intradiscurso, na articulação de enunciado com enunciação, que se dá o efeito de memória em um discurso particular, pois uma formulação- origem é reatualizada em uma conjuntura específica. A FD, tendo redes de formulações em seu interior, quando constitui seu saber próprio, constitui a memória discursiva. (1996, p. 39).

O conceito de memória discursiva precisa ser abordado quando se trata da repetição atrelada ao sentido, seja ela no nível do intra e/ou do interdiscurso. Nas reformulações de enunciados na perspectiva vertical, jogamos com a afirmativa ou com a negativa de saber para se chegar ao sentido. Por outro lado, tal jogo não será possível quando se está no nível do intradiscurso. Por meio da espessura dos discursos, as formulações-origem percorrem um trajeto que remete, ao mesmo tempo, à memória e ao esquecimento. É por isso que falamos em dispersão, a qual é claramente definida nas palavras de Grigoletto como “processo que, através da repetição de enunciados, nos auxilia na produção de sentido.” (2003, p. 120). Em síntese, então, que a repetição leva à dispersão por trabalhar constantemente a memória e o esquecimento.

A partir deste momento, trazemos as reflexões de Orlandi que trabalha a noção de paráfrase em contraponto com outro processo, que é a polissemia. Enquanto a paráfrase é

entendida como a produção de diferentes formulações de um mesmo dizer, é o primado do mesmo, a polissemia é a ruptura com um dizer estabilizado e, para a autora citada, “é justamente a simultaneidade de movimentos distintos de sentidos no mesmo objeto simbólico” (2001a, p. 38), ou o primado da diferença.

Em Orlandi (2001a), há a distinção de três modos de repetição: empírica, formal e histórica. As marcas que aparecem em qualquer discurso oferecem/fornecem as pistas, no caso do DP, de como proceder à análise, uma vez que esse movimento triplo pode ser identificado no corpus escolhido.

Na primeira forma de repetição, a empírica, o exercício mnemônico não historiciza o dito/visto, ou seja, só repete. A publicidade pode ser pensada por sua retomada de sentidos, como por exemplo, os sentidos de sensualidade, gingado e beleza relacionados à mulher brasileira.

No segundo modo, há um avanço, embora pouco significativo. Queremos dizer que não há mais apenas retomada ou reiteração, mas deslocamento. Em outras palavras, ditas por Orlandi, “é um outro modo de dizer o mesmo” (2001a, p. 54) ou o que ela chama de

repetição formal. Na publicidade, seria o que entendemos por estereótipo (chavão, clichê), ou seja, a produção e o exercício do dizer sem historicizar, construindo uma paráfrase relativa.

A última forma de repetição, e que interessa para o analista de discurso, embora ele não descarte as anteriores, é aquela em que se pode pensar a publicidade como retorno a determinados sentidos. Trata-se da repetição histórica, de um dizer entre outros, de fazer fluir sentidos outros, trabalhando o equívoco e, novamente, tendo a ilusão de preencher o espaço marcado pela incompletude, atravessando as evidências do imaginário.

É nessa tensão entre o mesmo e o diferente que Orlandi afirma que “a separação entre paráfrase e polissemia não é clara nem permanente.” (1996a, p. 93). É o lugar do deslocamento de sentido(s), do estável e do instável. A esse respeito, frisamos, mais uma vez através do dizer dessa autora, que

os processos parafrásticos são aqueles pelos quais em todo dizer há sempre algo que se mantém, isto é, o dizível, a memória. A paráfrase representa assim o retorno aos mesmos espaços do dizer. [...]. A paráfrase está do lado da estabilização. Ao passo que, na polissemia, o que temos é deslocamento, ruptura de processos de significação. Ela joga com o equívoco. (ORLANDI, 2001a, p. 36).

É, então, a articulação do processo parafrástico com o processo polissêmico que (des)organiza o jogo entre o mesmo e o diferente, multiplicando sentidos, pois é nesse jogo que está a base da tipologia dos discursos. Para Orlandi (1996b), tipo é entendido em relação a outros discursos como, por exemplo, o científico, o jornalístico, etc. E é por meio da tipologia que a autora percebe que há algo por trás da possível neutralidade percebida nos discursos. Então, define fundamentalmente três tipos de discurso: o polêmico, o lúdico e o autoritário. A maneira de saber e distinguir a qual desses tipos um discurso pertence se dá na relação existente entre os interlocutores e as condições de produção.

O discurso polêmico é aquele em que os interlocutores tentam direcionar o sentido, por isso, a polissemia é controlada. Não se descarta, então, que esse discurso esteja intrinsecamente ligado ao discurso publicitário, assim como o discurso autoritário. Dessa forma, dizemos que há o atravessamento de mais de um tipo de discurso quando se fala em discurso publicitário, uma vez que pensar em anúncios publicitários impressos, ou mesmo em comerciais da mídia eletrônica, é pensar em discursos que são alvos de contestação, isto é, de polêmica, e é por isso que o interlocutor tende a direcionar o sentido, tendo a ilusão de controlá-lo. O discurso lúdico, por sua vez, tende para a total polissemia. E o discurso autoritário tem relação com o tipo de discurso que escolhemos para analisar e, ao contrário do anterior, esse tende para a paráfrase, buscando conter a polissemia e, assim, impor um só sentido que deva ser acatado como verdadeiro e único.

Nas análises, mostra(re)mos que os sentidos se constroem no movimento de/entre ambos os processos. Em AD, o sentido é visto de modo diferente. Não se trabalha com o sentido de novo ou de velho, pois preferimos falar em deslocamento, transformação dos processos de significação. Dessa forma, entendemos a noção de polissemia enquanto processo e espaço de disputa que converge para o rompimento. Compreendemos que o rompimento faz parte do discurso, e é este deslocamento na rede de filiações (memória) que dá a possibilidade de, a cada gesto de interpretação, outros efeitos de sentidos serem produzidos, embora a ilusão de transparência da linguagem, fornecida pelas evidências ideológicas, apagam o caráter material do sentido. De acordo com Orlandi, “o gesto de interpretação vem carregado de uma memória (de uma filiação) que, no entanto, aparece negada, como se o sentido surgisse ali mesmo.” (1996a, p. 92).

É no jogo entre o garantido e o que tem de se garantir que não consideramos o discurso como mera transmissão de informação, mas, como já viemos afirmando, enquanto efeito de sentido entre os sujeitos participantes da interlocução. Discursivamente, o funcionamento da linguagem não tem limites/barreiras, o mesmo e o diferente interagem

numa constante tensão, como forças que trabalham continuamente o dizer. Daí os sentidos e os sujeitos serem considerados múltiplos, pois, se não fossem, não haveria a necessidade do dizer.

Então, cabe-nos afirmar que, através da relação das noções de paráfrase e polissemia, juntamente com o modo de funcionamento da Análise do Discurso, ou seja, ligando o que está sedimentado/estabilizado e o que é/está sujeito ao equívoco no movimento ou, como diria Pêcheux (1983), no batimento da descrição e da interpretação, é que chegaremos aos processos de significação do corpus de análise.

Esses dois processos andam juntos e é impossível separá-los quando pensamos discursivamente a linguagem. Então, é no retorno ao mesmo dizer ou no deslocamento de um dizer cristalizado que a publicidade tenta persuadir o público-alvo. Persuasão e manipulação são os assuntos abordados no item seguinte.

No documento 2009GrazielaThaisBaggioPivetta (páginas 38-43)