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Você pensa O Bradesco completa 156 

No documento 2009GrazielaThaisBaggioPivetta (páginas 157-163)

3.2 Adentrando nas análises 96 

3.2.2 A constituição do segundo recorte: produtos de uso não exclusivo da mulher 138 

3.2.2.3 Você pensa O Bradesco completa 156 

Em toda formação social, projeções estabelecem a relação entre as situações concretas da realidade cotidiana e as representações imaginárias dessas situações no interior do discurso. Os publicitários, ao produzirem seus anúncios, dizem de uma determinada posição social, porém, muitas vezes, sua “voz” é/está abafada pela voz do anunciante. Ele (o anunciante), por meio do briefing e de pesquisas de marketing, antecipa ao(s) criador(es) o que deve ser abordado para que, quando o anúncio chegar ao sujeito- leitor(a), a significação e/ou o entendimento seja convertido em desejo/necessidade e, em seguida, na ação/atitude de compra/aquisição do produto ou do serviço, daí o sujeito- leitor(a) passa à posição de sujeito-consumidor(a). Segundo Orlandi, “faz parte da estratégia discursiva prever, situar-se no lugar do ouvinte, antecipando representações, a

partir de seu próprio lugar de locutor, o que regula a possibilidade de respostas, o escopo do discurso.” (1996b, p. 26).

O discurso publicitário estampado na contracapa da Revista Época, em julho de 2006, é um dos tantos anúncios que cercam diariamente os leitores e, a partir deles, o sujeito interpreta e atribui sentidos, embora o sentido pareça estar já-aí evidenciado, refletindo-se como natural.

Por ser presença constante na vida das pessoas, a publicidade contribui para a naturalização de determinados sentidos. E é isso que, em um primeiro momento, o DP do Bradesco (anexo G) sugere: uma situação cotidiana normal. Tal efeito de evidência acontece na/pela materialidade não-verbal. Duas mulheres de frente para o sujeito-leitor(a), sem que seus rostos estejam visíveis, sobem ou descem pela escada rolante. Pelas sacolas nas mãos, parecem estar fazendo compras. Interpretação/descrição essa realizada referente à metade superior da página, já que a imagem das mulheres se localiza neste espaço. Eis que, por meio de “gestos de leitura” (PÊCHEUX, 1994a, p. 57, grifo do autor), os sentidos passam a aflorar até mesmo no silêncio.

Ao olhar uma escada rolante, logo vem à memória do sujeito-leitor(a) a imagem de um shopping center, de um hipermercado ou mesmo de um conjunto de lojas. As condições de produção, referidas no DP através do lugar em que os sujeitos-modelo se encontram, confirmam que se trata de um lugar em que há a possibilidade de fazer compras e de freqüentar outros lugares, como bancos, praças de alimentação, cinemas,... Chegamos a essa interpretação devido ao trabalho da ideologia que, neste DP, se cumpriu por produzir evidências por meio da materialidade não-verbal, reiterando o sentido do pré-construído de que são as mulheres que gostam de fazer compras, de passear nas lojas ou de sair em companhia de uma amiga para ir ao shopping.

De outro lado, a imagem do DP em análise também pode ser relacionada ao mundo agitado e ao turbilhão de mudanças originárias da tão comentada pós-modernidade. Dito de outra forma, é o mesmo que falar na dupla ou até mesmo na tripla jornada desempenhada pelo sujeito-mulher nas diferentes posições que ocupa. Fazer compras atualmente não é mais, como em outras épocas, apenas sinônimo de lazer, em que muitas mulheres só saíam de casa para ir ao mercado (e à igreja) e estes eram os passeios permitidos. Hoje, para muitas mulheres, ir às compras é obrigação, tarefa, e mais um compromisso a ser cumprido. Mas, independente do significado que ir às compras tem hoje, ou no passado, e da posição que ambas as mulheres ocupem no anúncio, seja de dona-de-casa que vai fazer compras para a família, de profissional que aproveita o tempo de folga dos compromissos

de trabalho para ir às compras, ou mesmo ocupando a posição de consumista, o que se reforça, neste DP, é a idéia de que a mulher é quem compra e quem (mais) faz uso do Cartão. E, para confirmar que é a mulher quem gasta, o DP não trouxe a imagem de uma mulher, mas de duas. Com essa imagem, fica reforçado que são todas as mulheres que gastam. O modo de dizer e, principalmente, de representar a imagem feminina leva o sujeito a pensar no entrelaçamento da FD consumista com a FD mercadológica, determinando que a interpretação ultrapasse a simples e “desinteressada” oferta do Cartão e produza sentidos que liguem imaginariamente mulher e consumo, mulher e gastar dinheiro.

Na imagem, enquanto a mulher da direita possui, além da bolsa pessoal, sacolas de variados tamanhos, de possíveis compras, a mulher que está situada à esquerda possui apenas uma sacola/pasta na mão, segurando-a na frente de seu corpo. O sujeito-leitor(a) tem a visão da sacola em formato retangular como se fosse algo que tivesse sido descolado/retirado, ou mesmo que esteja faltando para completar a frente (parte principal) da bolsa que o sujeito-modelo da esquerda segura. O sujeito é induzido a pensar que o principal, a parte mais bonita da bolsa não está aí. Mas o que falta? Pelo formato, falta o cartão de crédito Bradesco. É ele quem “cola” na bolsa da mulher (ou das mulheres). No anúncio há um jogo entre a materialidade não-verbal e a verbal, ou seja, entre a seqüência verbal Você pensa (representada pelo espaço em branco da sacola) e o Bradesco completa. Neste caso, o verbal e o não-verbal interagem, fazendo o imaginário do leitor(a) formular/produzir uma variedade de opções que podem ser completadas, caso o sujeito- leitor solicite ao Bradesco o Cartão de crédito. De todo modo, a posição de destaque da bolsa em relação ao corpo da mulher vem produzir um efeito de sentido de que aparecer nas/pelas ruas e/ou em shoppings fazendo compras é sinônimo de poder aquisitivo, de

status, nesse caso, representado pelas muitas sacolas de compras. Fica claro, por meio das palavras de Foucault que, se o poder “[...] apenas se exercesse de um modo negativo, ele seria muito frágil. Se ele é forte, porque produz efeitos positivos a nível do desejo – como se começa a conhecer − e também a nível do saber.” (2000, p. 148).

Os efeitos de sentidos também são construídos culturalmente, restando ao indivíduo, ao ser interpelado ideologicamente, aderir/acatar uma visão de mundo, constituindo-se num sujeito que, muito mais do que fala para expressar seus anseios, é falado. Assim se desenrola a história do sujeito-mulher. Uma história construída a partir da tessitura de muitos fios que se amarram, se cruzam, se distinguem, tecendo caminhos com um único objetivo: conquistar uma ou várias posições na sociedade em que vive, sem

culpas, uma vez que “ela não consegue ainda se sentir digna quando atende a seus próprios anseios.” (ORLANDI, 1996b, p. 41).

Abaixo da imagem, o não-verbal e o verbal “se unem”. A partir dessa união, outros sentidos surgirão no gesto de interpretação da publicidade. Até então, detivemo-nos apenas na imagem das mulheres com as sacolas de compras, mas, daqui em diante, a parte que nomeamos como inferior será interpretada em consonância com a anterior, isto é, com a parte que ocupa a metade superior da contracapa.

A imagem do cartão Bradesco Master Card International ocupa, estrategicamente, o centro da página. Ele é visualizado primeiro, produzindo, assim, com o sujeito-leitor(a) uma relação de identificação, pois, nos dias atuais, o cartão de crédito é tido como objeto de desejo, o qual teoricamente promete “preencher” a falta do sujeito-desejante. E a própria sociedade capitalista induz o sujeito a pensar que, com o cartão, estará completo.

Além disso, o cartão chama a atenção por ter nas suas bordas, ou ao seu redor, um papel branco, que são as bordas irregulares que se encaixam na parte frontal da sacola que o sujeito-mulher carrega/segura, a qual está localizada horizontalmente na mesma direção do cartão, como se o leitor estivesse diante de um quebra-cabeça, logo, é só montar/colar “as peças” para que o sentido de que com o cartão Bradesco tudo fica(rá) completo se torne ainda mais óbvio. O DP quer mostrar/convencer que o que falta (talvez na vida do sujeito), conforme perguntado acima é colar/encaixar o cartão na parte em branco que está incompleta, esperando “preenchimento”, sem identificação da sacola, para, desse modo, o sujeito-consumidor(a), “estar habilitado” a comprar o que quiser. A imagem do cartão não remete apenas ao poder de compra, mas a tudo que pode ser comprado com ele. E, assim, o imaginário do sujeito é povoado por uma diversidade de produtos e até mesmo por serviços que qualquer sujeito-mulher compraria ou pensaria em comprar ao entrar em um shopping. O DP em questão quer que o sujeito-leitor(a) pense que, ao encaixar o cartão na parte frontal da bolsa, a sua mão ficaria como a do sujeito-modelo da direita: cheia de sacolas de compras, ou então, sugere ao leitor que, de posse do cartão Bradesco, o seu único trabalho seria desejar/pensar em compras futuras, já que, com esse cartão, é só pensar que o

Bradesco completa.

O branco da bolsa remete à noção de silêncio, mas um silêncio que movimenta o imaginário e faz interpretar, juntamente com a imagem do cartão, que aquele espaço não seria apenas para colar o cartão, mas serve para pontuar/relacionar tudo o que se pode comprar quando se tem o Bradesco Master Card International. Ou ainda, tudo que poderia estar dentro da bolsa, caso o cartão fosse visto como parte do modelo da própria bolsa. É

via imaginário que o sujeito se relaciona com a realidade, logo, é pela linguagem que essa relação é mediada enquanto campo simbólico.

Para completar o raciocínio ou o entendimento a respeito da imagem, a qual consegue ser eficiente, seduzindo o sujeito, trazemos, nesse momento, os quatro enunciados que compõem a parte verbal ou as marcas lingüísticas da publicidade. Mas antes de falarmos das seqüências verbais, queremos afirmar que é na junção de ambas as materialidades que a FD mercadológica se faz presente, ressaltando tanto pela imagem quanto pelos enunciados a seguir que se deve adquirir o Cartão.

Inicialmente, o enunciado Você pensa, escrito em vermelho, aparece abaixo do cartão, na seqüência e na mesma linha, agora na cor preta, aparece o enunciado O cartão

Bradesco completa. Faz-se necessário atentar para o fato de que o enunciado citado produz sentido somente considerando as condições de produção, ou seja, o contexto sócio- histórico em que aparece. Devido a isso, a interpretação, que é construção de sentidos, se dá neste e em outros DPs pelo efeito ideológico, pois, ao mesmo tempo em que o sujeito interpreta, ele nega a interpretação como tal, resultando em sentidos que se apresentam como universais e “inéditos”. Logo, interpretação é ideologia, que determina o sentido por um ato particular do sujeito na produção imaginária. No entanto, a interpretação aparecerá como necessária, atribuindo sentidos (já) fixos às palavras.

A esse respeito, exemplificamos destacando o sentido da palavra completa no/do enunciado. A palavra está carregada de significação, ou seja, o sentido que se quer evidenciar se direciona para a proposta de um Banco que ajuda, realiza, auxilia seu cliente. Para isso (para ter essa ajuda), basta ter o cartão Bradesco e tudo ficará completo, pronto, resolvido, tanto para o sujeito quanto para o Banco e para quem elaborou este DP. Atentando para a diagramação dos elementos que compõe a página, destacamos ainda que a palavra completa é a última palavra da frase e, por estar no fim, está na direção vertical das sacolas do sujeito-modelo da direita, resultando na associação da palavra (completa) com fazer/concluir as compras.

Abaixo não poderia faltar a ordem, ou melhor, as ordens do anúncio, pois, através dos dois enunciados que seguem, os verbos no imperativo indicam, em consonância com as imagens (sujeito-mulher e cartão Bradesco), a necessidade de se ter um cartão, dizendo:

Peça já o seu cartão, em tom acinzentado; ao lado, separado por uma linha vertical vermelha em letras menores, a segunda ordem: Procure uma Agência Bradesco; e, por fim, uma espécie de sugestão ao leitor(a) para que ele(a) não desista, caso não consiga o Cartão através das formas anteriores: ou acesse www.bradesco.com.br, frase estrategicamente

diagramada em fonte reduzida, para que o sujeito que se deteve na publicidade pare e leia atentamente o que está escrito. Técnica característica adotada em muitos DPs a fim de chamar a atenção do sujeito-leitor(a), muito embora os criadores corram o risco de que tal informação não seja sequer visualizada.

A primeira seqüência (peça já o seu cartão) pode ser relacionada com a imagem do sujeito-mulher que carrega a sacola sem identificação, com a parte em branco, em que parece faltar algo, talvez o cartão. Interpretamos dessa maneira, pois tanto a imagem do sujeito-modelo quanto a seqüência discursiva estão, assim como outros elementos deste anúncio, na mesma direção, o que vem confirmar que o que falta é o cartão Bradesco. É como se o cartão completasse, preenchesse a falta do sujeito. No entanto, outra relação que se pode fazer é do sujeito-modelo da direita com suas sacolas e com a seqüência, procure

uma Agência Bradesco ou acesse www.bradesco.com.br, uma vez que ambos (imagem e

seqüência) estão também na mesma direção. Logo, o sujeito é induzido a pensar que o sujeito-modelo localizado na direita já fez contato com a Agência Bradesco ou com o site e já possui o cartão, por isso das três sacolas de compras em sua mão.

Para evidenciar quem se deve procurar, caso necessite/deseje o cartão, há, no rodapé da página, uma faixa vermelha e, sobreposta a essa faixa, o nome Bradesco, escrito em letras brancas, unidas à parte da palavra completo (mpleto), escrito em letras pretas. Na junção de ambas as palavras (Bradesco e completo), é construída uma nova palavra, Bradescompleto, isto é, a sílaba “co”, por fazer parte das duas palavras, acaba unindo-as, formando uma única palavra que ganha destaque também neste DP pelo tamanho da letra, a qual é maior do tamanho “normal” para chamar a atenção do leitor. Apenas uma observação: a logomarca também serve de slogan e é apresentada pelo DP do Bradesco em diferentes mídias. E, por isso, Bradescompleto já virou símbolo cristalizado na memória coletiva pela incessante repetição midiática.

Para terminar, no canto direito do rodapé, aparece o logotipo dos Cartões da empresa, lembrando que o sujeito-leitor(a), na posição de cliente e que almeja um cartão, deve buscar ou se dirigir diretamente ao setor de Cartões do Bradesco. Forma encontrada para dizer que, ao buscar um cartão, o atendimento será rápido e direcionado, sem que o cliente tenha que esperar em filas para ter o serviço que necessita e, assim, desconstruindo o pré-construído de que ir a agências bancárias é sinônimo de longa espera. Falamos acima dos leitores(as), clientes em potencial do Banco que desejam o Cartão, porém é preciso fazer uma ressalva e dizer que, além dos leitores(as) que podem vir a se tornar clientes do Banco a partir do anúncio, há também leitores(as) que, por já possuírem o serviço de

Cartão do Bradesco, se identificam com este DP no momento em que o visualizam. E, dessa forma, circula o sentido de que quem tem o Cartão se identifica com o anúncio, reforçando a idéia do sujeito se sentir completo.

Após as reflexões acima, salientamos que entrar no ciclo da aquisição e do consumo de bens e serviços não é apenas estar rodeados de objetos que satisfaçam necessidades e facilitam a vida enquanto sujeitos de uma sociedade capitalista, mas é, sobretudo, solidificar um modo de ser que valoriza o ser humano pelo que tem (pelos cartões de crédito que tem) e não pelo que é. Baudrillard declara que “através da publicidade que em si já constitui um serviço social, todos os produtos se apresentam como serviços, todos os processos econômicos reais se encenam e reinterpretam socialmente como efeitos de dominação, de conforto pessoal e de relação afetiva” (1995, p. 175), (a)parecendo sempre como benéfico e desinteressado, mas buscando a identificação do sujeito-leitor(a) que, com o tempo, passa(rá) a ocupar a posição de sujeito-cliente do Banco.

Assim, este DP (como os outros do segundo recorte) merece uma atenção especial no que se refere ao fio condutor do trabalho, ou seja, a como a imagem da mulher é representada nos DPs. Não sendo um produto direcionado para mulher, que imagem da mulher é representada nesta publicidade? Por que da associação do cartão com a imagem da mulher? “Avaliamos” que a imagem feminina está neste anúncio por haver um sentido cristalizado de que a mulher é consumista, de que ela é quem gasta dinheiro, ela é quem compra tudo que aparece pela frente, em suma, ela é quem “vive” comprando e gastando e, por isso, a posição-sujeito ocupada pelas mulheres protagonistas do anúncio é de mulher consumista, de quem gosta de gastar, de comprar, enfim, de utilizar o Cartão de crédito. Por esse motivo, a mulher é vista como cliente potencial para o Banco, pois faz/fará mais uso do Cartão, determinando e influenciando as compras da família. Para o Banco, não interessa somente o quanto ela compra/gasta, mas principalmente o quanto ela usa o Cartão Bradesco.

No documento 2009GrazielaThaisBaggioPivetta (páginas 157-163)