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5.3 Sexualidade e relações de gênero na escola

5.3.3 Parâmetros Curriculares Nacionais

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), por meio do tema transversal

orientação sexual, é um documento que dá legitimidade para que o (a) professor (a) trabalhe

com sexualidade e relações de gênero em sala de aula. Neste documento, é enfatizada a necessidade de se trabalhar sexualidade em seus diversos aspectos, o social, o psíquico e o biológico, com o objetivo de se fornecer uma visão pluralista da sexualidade, bem como sanar a ocorrência de gravidez indesejada, doenças sexualmente transmissíveis e abuso sexual (BRASIL, 1997).

No entanto, apesar de ser uma ferramenta a favor do (a) professor (a) para o trabalho pedagógico de sexualidade e relações de gênero na escola, observamos que somente uma professora, Luísa, diz que leu o tema transversal orientação sexual, o que nos indica que essas educadoras desconhecem o conteúdo deste documento:

O único que eu conheço é o PCN de 1ª à 4ª série, que tem o tema sobre orientação sexual né, sexualidade, alguma coisa assim. Mas, esse é o único que eu conheço (Luísa).

Eu sei que tem um dos PCN que fala, que tem um. Mas, eu não li, não li sobre isso ainda porque eu consegui o bloquinho esses dias. Mas, não, não sei (Ana).

O PCN, acho que deve ter alguma coisa no PCN. Mas, eu não tenho contato, nunca tive essa curiosidade de entrar, de ver se tem mesmo (Mariana).

Olha, para te falar a verdade eu não sei te falar. Eu acho que é, é falha minha que já comecei a trabalhar ainda não ter lido nenhum desses documentos. Eu já li alguns volumes do PCN, né. Mas, esse aí de orientação sexual, o de saúde, se não me engano, ainda não li, mas falta (Mônica).

Não, porque onde eu leciono nós não utilizamos os PCN. Nós temos uma autonomia para elaborar o nosso, a nossa, as nossas expectativas de ensino e aprendizagem e as nossas expectativas sobre as áreas de conhecimento. Então, nós não utilizamos os PCN (Carmem).

Eu acho que os PCN dão uma, uma, um referencial, uma coisa superficial né. Daria sim alguns subsídios para tratar, mas aí dependeria de cada professor, se vai ficar naquilo mesmo ou então em outras questões que surgem em sala de aula, se as crianças forem mais curiosas, querem saber mais, ai daria para aprofundar um pouco mais. Os PCNs acho que são uma base (Michele).

O desconhecimento dos PCNs e, conseqüentemente, do tema transversal orientação

sexual faz com que essas professoras se sintam inseguras em trabalhar pedagogicamente a

sexualidade e as relações de gênero com seus (as) alunos (as). Além de não sentirem confiança neste documento, enquanto suporte que confirma o trabalho destas temáticas na escola, algumas professoras afirmam que só o conteúdo deste documento não é suficiente para subsidiar o ensino de sexualidade e relações de gênero.

Nas falas que se seguem, notamos a grande preocupação de algumas educadoras quanto ao desconhecimento da sexualidade e relações de gênero e a insegurança em se trabalhar com um documento que pouco detalha como se deve proceder no trabalho dessas temáticas:

[...] na parte das doenças sexualmente transmissíveis né, elas estão lá né, são apresentadas (no PCN), mas eu nem sei como explicar, como acontece. Não sei não, eu não sei trabalhar, eu não saberia trabalhar porque o PCN fala muito sobre isso né de não ter preconceitos quanto às pessoas que contraem a doença. Mas, eu acho que não fala como deve ser trabalhada essa questão do preconceito e essa questão de você se prevenir. Eu acho que ele não trabalha muito com isso (Luisa).

[...] acho que você só se sente segura quando você conhece o assunto né, que você entende sobre ele, que você, no caso conhece esse documento.

Teria que ter um estudo muito, estudar realmente o documento para ta fazendo esse trabalho né (Júlia).

Eu acho que não, não, não. Eu acho que é pouco, eu acho, não sei assim, não sei se o PCN é suficiente para trabalhar com orientação sexual, não sei (Mariana).

[...] eu acho que segura totalmente não porque eu acho que ele não é o único material que se a gente tem que se pautar né. E eu acho que esse assunto, que esse assunto de orientação sexual, assim como o de higiene, a gente tem que pensar em documentos relacionados na área da saúde né. Ou mesmo dúvidas com o com pessoas da área da saúde para não passar nenhuma informação errada ou que às vezes cause dupla interpretação para os alunos né. Tem que ter muita clareza nesse tipo de assunto (Mônica).

Nestes discursos, notamos que a orientação sexual é enfatizada como um tema da área da saúde, o que nos remete ao tratamento da sexualidade como um tema de viés, sobretudo, biológico. Além disso, podemos observar que é um tema que deve ser tratado com cuidado, já que é considerado como um assunto privado e íntimo. No entanto, deve ser trabalhado para sanar os problemas que decorrem da prática sexual sem responsabilidade. Portanto, verificamos que o exercício da sexualidade, como diz Michel Foucault (1988), é controlado pelo fato de ser constantemente discursado, ou seja, falar de sexo é controlar sua prática. Essa idéia pode ser confirmada com o próprio surgimento dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) nos anos 80 e 90, os quais, como afirma Ana Cláudia Bortolozzi Maia (2004), surgem em decorrência do advento da AIDS e do aumento da gravidez na adolescência. Além do tema orientação sexual, outros também emergem, como exemplo, Ética, Pluralidade Cultural, Meio Ambiente e Saúde. Esses temas de preocupação social recebem o nome de Temas Transversais, os quais devem ser trabalhados juntamente com o ensino dos conteúdos escolares. Deste modo,

Os PCNs são constituídos por um conjunto de propostas educativas, publicadas pelo Ministério da Educação e do Desporto que visam ‘apontar metas de qualidade que ajudem o aluno a enfrentar o mundo atual como cidadão participativo, reflexivo e autônomo, conhecedor de seus direitos e deveres’ (BRASIL, 1997, p. 02 apud MAIA, 2004, p. 164).

Enquanto proposta do governo, os PCNs não constituem um material de apoio, o que pressupõe que os (as) professores (as) devam buscar informações sobre esses temas em outras fontes. No entanto, essa iniciativa esbarra na falta de formação dos (as) educadores (as) quanto ao trabalho pedagógico da sexualidade e relações de gênero em sala de aula, como também com suas dificuldades subjetivas para o tratamento destes temas. É neste contexto que até há o reconhecimento da importância do trabalho destas temáticas na escola, porém a

existência de questões anteriores ao ato de orientar sexualmente predominam, o que muitas vezes são interpretadas como um simples desinteresse do (a) professor (a). Assim,

A introdução do Tema Transversal Orientação Sexual é um passo importante nas nossas escolas, mas não surtirá efeito se não conseguir sensibilizar professores e professoras sobre a importância de se preparem para esta nova e importantíssima função, a função de orientar sexualmente (SILVA, 2003, p. 308).

O desconhecimento dos PCNs por essas professoras, portanto, geram inseguranças quanto ao trabalho da orientação sexual na escola. Desta forma, ao invés de ser trabalhada em suas diversas vertentes, a social, a psíquica e a biológica e em consonância com os outros conteúdos, a sexualidade e igualmente as relações de gênero caem no esquecimento. Ou então, se trabalhados são enfatizados como prioridade das áreas de Ciências e Educação Física, com ênfase na aprendizagem de doenças e da reprodução humana.