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2. SPECT em sincronismo com o sinal do electrocardiograma Gated-SPECT

2.5. Quantificação da função do miocárdio do ventrículo esquerdo

2.5.4. Parâmetros funcionais do miocárdio do Ventrículo Esquerdo

Os estudos de Gated-SPECT permitem-nos, através dos softwares anteriormente referidos, obter parâmetros quantitativos da função global do miocárdio - FEVE, VTD, VTS - bem como parâmetros quantitativos da função regional do miocárdio - o movi- mento e o espessamento sistólico do VE (3-4).

2.5.4.1. Parâmetros quantitativos da função global do miocárdio

A quantificação da FEVE nos estudos de Gated-SPECT faz-se usualmente com recurso a métodos baseados nos volumes, em vez de métodos baseados nas contagens. Em particular, a curva tempo-volume permite a identificação dos volumes das cavidades do VE no fim de diástole e no fim da sístole (c.f. figura 23).

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A FEVE é a fracção do VTD expulsa pelo VE durante a sístole, i.e. igual ao VTS do VE a dividir pelo volume no fim da diástole ventricular:

FEVE = (VTD –VTS)/VTD

A FEVE é ainda expressa como a percentagem do VTD ejectado durante a sístole, pelo que a expressão acima será representada como:

FEVE% = (VTD –VTS)/VTD x 100

Figura 23. Os volumes das extremidades do endocárdio e do plano valvular no fim da diástole (coluna de esquerda) e fim de sístole (coluna do meio) correspondem ao ponto mais alto e mais baixo na curva tempo volume desenhada a preto, a partir da qual é determinada a FEVE%. Imagem Gentilmente cedida pelo HPP - MM – software QGS/QPS.

Assume-se, contudo, na presente dissertação que, por uma questão de ser a sigla mais vulgarmente, aceite na bibliografia, usar-se-á FEVE, mas considerando que o que se está a representar é a FEVE em percentagem.

De acordo com vários estudos publicados (124-128), a determinação da FEVE tem encontrado bons resultados em termos de concordância entre as técnicas de imagem Gated-SPECT e as técnicas de imagem consideradas como sendo o modelo padrão (e.i. Ressonância Magnética, Angiografia de Radionuclídeos, Ecocardigrama).

Existem no entanto, alguns factores que poderão interferir de forma negativa na quantificação dos parâmetros globais do miocárdio. São exemplos:

- Estudos em pacientes que possuam contracções ventriculares prematuras e fibrilha- ção auricular. Nestas situações e sempre que o miocárdio tiver um batimento rítmico  a 80% o exame poderá ser considerado, podendo ter que adequar a janela de aceitação aos batimentos cardíacos (c.f. sub-ponto 2.2.1). Sempre que a frequência de contracções prematuras, for superior a 20%, e atendendo a que existe uma deformação da curva tempo-volume, deve-se considerar se os parâmetros funcionais obtidos são fidedignos.

- O número de intervalos em que se encontra dividido o ciclo cardíaco e que corres- ponde, ao número de imagens adquiridas por ciclo cardíaco. Como já referido anterior- mente (c.f. ponto 2.2.) este pode variar entre 8, 16 e 32 projecções. Segundo estudos desenvolvidos (123) o ciclo cardíaco dividido em 16 projecções exige ao software uma

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maior capacidade de armazenamento de dados, maior tempo de processamento e pode resultar em imagens com um número de contagens inaceitavelmente baixo. No entanto, e apesar de os Serviços de Medicina Nuclear em Portugal, geralmente usarem nos estu- dos Gated-SPECT as aquisições com o ciclo cardíaco dividido em 8 projecções, várias investigações (129-132) têm demonstrado que 16 projecções por ciclo permitem obter estimativas mais precisas da FEVE, visto que conseguem obter uma imagem do fim da sístole mais precisa. Por outro lado, a divisão do ciclo em 8 projecções é considerada como não sendo ideal na avaliação da função diastólica (129-132).

- Estudos em pacientes com o miocárdio pequeno. A exactidão das medidas quantita- tivas, da FEVE depende do tamanho real do VE bem como da sua dimensão reconstruí- da. Tem sido demonstrado na literatura (9,133-136) que a resolução relativamente baixa de imagens em Cardiologia Nuclear pode levar à obliteração ou a aparente redução da cavidade do VE em pacientes com ventrículos pequenos, particularmente na fase de sístole, sendo o resultado final da FEVE super-estimada.

Como tal, é razoável presumir que o uso de zoom durante a aquisição ou até mesmo durante a reconstrução das imagens de ventrículos esquerdos pequenos, poderá diminuir a super-estimação da FEVE (123,133,136,137). Uma proposta de melhoria nesta da técnica de imagem, seria realizar sempre uma aquisição planar antes da aquisição tomo- gráfica afim de, avaliar o tamanho do coração e, em consequência, escolher o zoom apropriado (137).

- Os movimentos voluntários e involuntários do paciente também podem interferir negativamente na quantificação da FEVE e dos volumes (69,138-139) como referido no ponto 2.4.8.2.

Como descrito anteriormente, os limites dos volumes VTD e VTS e da FEVE são calculados, automaticamente por softwares bem validados. É geralmente aceite em Car- diologia que uma FEVE  50% é considerada normal e inferior a 50% é considerado anormal (140-141). No entanto, como anteriormente se descreveu, as medidas quantita- tivas da FEVE nos estudos Gated-SPECT dependem de uma série de factores.

Assim, é essencial definir para estudos de Gated-SPECT limites de normalidade para os valores da FEVE e dos volumes do VE. De acordo com as guidelines da EANM (29), usando o software QGS com o ciclo cardíaco dividido em 8 projecções, são recomenda- dos de acordo com o sexo, como limites da normalidade os valores apresentados na tabela 4.

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Tabela 4. Referência aos limites da normalidade dos parâmetros de avaliação global do miocárdio, nos estudos de Gated-SPECT (usando o software QGS; ciclo cardíaco dividido em 8 frames; radiofármacos marcados com agentes tecneciados). Tabela adaptada de Hesse B et. al. (29).

FEVE – % fracção de ejecção ventricular esquerda; VTD – Volume Teledistólico; VTS – volume Telesis- tólico; VIVTS – VTS indexado de acordo com a superfície corporal do paciente; VIVTD – VTD indexado de acordo com a superfície corporal do paciente;

2.5.4.2. Parâmetros quantitativos da função regional do VE do miocárdio

A função regional do miocárdio pode ser quantificada, medindo o movimento ou a espessura de parede ou a combinação de ambas. Todas estas aproximações são total- mente automáticas, ou semi-automáticas mas, permitem a possibilidade da interven ção manual.

A avaliação da função regional desempenha um papel importante na aplicação clíni- ca, visto que permite a visualização do movimento e do espessamento da parede do miocárdio ajudando na redução do grau de incerteza na interpretação dos estudos de Gated-SPECT do miocárdio. No entanto não existe presentemente consenso sobre se o foco principal da avaliação funcional regional se deve centrar na motilidade ou no espessamento da parede do VE do miocárdio, embora o primeiro parâmetro tenha sido mais usado pelos Cardiologistas em conjugação com os estudos de avaliação do pool sanguíneo, enquanto o último é especialmente adequado para estudar o efeito de volume parcial nos estudos de Gated-SPECT.

Segundo defende Germano (123), ambos os parâmetros são importantes, quer na ava- liação visual, quer na avaliação quantitativa das imagens.

Assim, como auxílio na avaliação das imagens dos estudos de Gated-SPECT, a moti- lidade da parede do miocárdio pode se classificada como: Normal – sempre que esta é normal; Hipocinética – se a motilidade estiver diminuída; Acinética – quando existe ausência de motilidade e Discinética – quando não existe parede do miocárdio, logo não existe motilidade (29).

O espessamento da parede do miocárdio que é baseado no aumento de contagens por pixel, entre as fases de sístole e diástole é, portanto, melhor visualizado quando se usam

Sexo FEVE VTD (mL) VTS (mL) VIVTD (mL/m2) VIVTS (mL/ m2) Feminino/Masculino 50/45 100/142 42/65 56/70 25/32

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escalas de cores coloridas. Este parâmetro funcional pode ser classificado como: nor- mal, reduzido ou ausente (29).

Existem, no entanto, algumas considerações técnicas que importa referir: nos estudos de Gated-SPECT a quantificação e validação de medidas de função regional do miocár- dio são mais exigentes comparativamente às medidas de função global do miocárdio, isto porque, o espessamento não pode ser derivado de forma precisa somente a partir das medidas de mudança de espessura do VE na fase de diástole e de sístole (48).

Muitas abordagens de quantificação da função regional dependem, em certa medida, do efeito de volume parcial que relaciona o aumento aparente da densidade de conta- gens no miocárdio na diástole e na sístole com o aumento da espessura do miocárdio

(118).

Outros desafios técnicos, na avaliação destes parâmetros, carecem de mudança e de melhoramento dos softwares usados, nomeadamente, ao nível da rotação, da translação do coração como também da escolha apropriada do sistema de referência nos estudos de Gated-SPECT não são tidos em conta pelos algoritmos usados para quantificar a função regional do miocárdio (142).

Contudo, e apesar de algumas limitações anteriormente referidas, é possível, com o recurso a esta técnica de imagem, proceder à quantificação destes parâmetros funcio- nais, tanto em termos de medidas absolutas, como em termos de medidas semi- quantitativas. Em termos de medidas quantitativas absolutas da motilidade e espessa- mento do miocárdio, importa salientar que existem diferentes estudos desenvolvidos nesta área (143-145), no entanto ainda carecem de mais investigações.

Os autores (143-145) que investigaram diferentes algoritmos na avaliação quantitati- va da função regional do miocárdio em imagens de Gated-SPECT de pacientes normais, concluíram que existem não uniformidades em termos de motilidade e espessamento, ao nível, dos diferentes segmentos da região apical, média e basal do miocárdio (c.f. figura 24).

Figura 24.Variações circunferenciais no VE do miocárdio normal ao nível da região distal, média e

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As avaliações semi-quantitativas dos parâmetros de função regional do miocárdio são baseadas em avaliações visuais segmentares. O modelo de divisão do miocárdio em 17 ou 20 segmentos, já anteriormente referido (c.f. sub-ponto 2.4.5), é frequentemente usado nestas avaliações, sendo posteriormente atribuído a cada segmento um score que poderá variar entre 0 a 5 na avaliação semi-quantitativa da motilidade do miocárdio e de 0 a 3 na avaliação semi-quantitativa do espessamento do miocárdio.