• Nenhum resultado encontrado

ENSINO SUPERIOR COMO NEGÓCIO: FORMAÇÃO DE OLIGOPÓLIOS, PADRÃO DE GESTÃO E IMPLICAÇÕES PARA O TRABALHO

3.3 Para além do Ministério da Educação

O apoio às instituições privadas de ensino superior conduzidas no Ministério da Educação como fração da reforma do Aparelho do Estado brasileiro dos anos 1990 vem sendo complementado pelo BNDES, através do Programa de Recuperação e Ampliação dos Meios Físicos das Instituições de Ensino Superior (Primeiro Programa IES), operado entre 1997 e 2007, fruto de um protocolo de ação conjunta BNDES/MEC, mediante o qual ao BNDES cabia analisar e homologar as operações financeiras, enquanto o MEC ficaria responsável por estabelecer prioridades e realizar acompanhamento técnico e financeiro dos projetos institucionais e de financiamento. Enfim, o projeto deveria ser aprovado pelo MEC (SÉCCA et al., 2009).

O primeiro Programa IES tinha como objetivo contribuir para o aumento do número de vagas e melhoria da qualidade do ensino superior, através da ampliação dos meios físicos e modernização das instituições. Inicialmente, o programa tinha recursos de até R$ 500 milhões, valor a ser dividido igualmente entre as instituições públicas e privadas, de acordo com previsão do BNDES. No entanto, o protocolo foi aditivado, alterando o valor total dos recursos para R$ 750 milhões, dos quais R$ 500 milhões seriam destinados a instituições privadas e R$ 250 milhões para públicas. Em 2005, já no governo Lula, os termos do programa foram alterados mais uma vez, com o limite de financiamento sendo alterado para até R$ 900 milhões, com R$ 650 milhões para privada e R$ 250 milhões para as instituições públicas, ou seja, foi elevado apenas o montante destinado às instituições privadas (SÉCCA et al., 2009).

Desse total ofertado, nos 10 anos de vigência do primeiro programa, foram contratados 61 projetos, no valor de R$ 525,7 milhões do BNDES, valor que representa 43% do total dos investimentos, sendo o restante a contrapartida das beneficiárias. Quanto à natureza dos beneficiários, foram contratados 57 projetos para instituições privadas (88%) e quatro para instituições públicas (12%). Entre as privadas, 59% são grandes empresas e, do total das 57, 29 instituições contrataram valor até R$ 10 milhões e 16 instituições contrataram mais de 10 milhões, basicamente para investimento em obras e instalações. No que se refere à distribuição geográfica, os projetos se concentraram no Sul e Sudeste do país, não havendo registro de nenhum contrato para o Nordeste (SÉCCA et al., 2009).

No que diz respeito à disparidade das operações contratadas pelos setores público e privado, a seguinte justificativa foi dada, em nota, pela Área de Inclusão Social do BNDES, em junho de 2004:

Não houve privilégio de qualquer segmento, estando o programa igualmente disponível para IES públicas e privadas. Sendo um financiamento reembolsável, entretanto, havia necessidade de o postulante apresentar situação econômico-financeira condizente com a dívida a ser assumida, demonstrando capacidade de pagamento das prestações de juros e principal do crédito. Além disso, o financiamento teve como requisito a oferta de garantias reais pelo solicitante (SÉCCA et al., 2009, p. 235).

Mesmo tendo beneficiado poucas pessoas jurídicas em relação ao número total de instituições que existem no país, para o BNDES, o “[...] programa obteve resultados na direção do cumprimento de seus objetivos” (SÉCCA et al., 2009 p. 249), pois justifica que a maioria das instituições é de grande porte, portanto, representativa em termos de matrículas.

No mesmo ano de lançamento do primeiro Programa IES, o BNDES se preocupou em realizar um estudo do mercado brasileiro de ensino superior privado, certamente oferecendo as informações necessárias para a tomada de decisão dos investidores. Nesse estudo, elaborado por técnicos do Departamento de Operações Sociais da Área de Inclusão Social do banco, Sécca & Leal (2009), foi traçada uma caracterização do ambiente competitivo, dos segmentos de clientes, as tendências de mercado, oportunidades e ameaças, com base na ferramenta das Cinco Forças de Porter85.

A delimitação do estudo no ensino superior privado foi justificada pelo fato de a ampliação da demanda ter sido atendida basicamente por este setor. O ensino público não foi incluído como concorrente das instituições privadas, em função de algumas significativas diferenças entre os dois setores, como o desenvolvimento de pesquisa e novos conhecimentos, a oferta de cursos em tempo integral ou parcial, os conceitos do Índice Geral de Cursos (IGC) maiores, além das próprias instituições privadas de capital aberto não listarem as universidades públicas como concorrentes, ou “players”, como denominados no documento (SÉCCA; LEAL, 2009).

85 Segundo a ferramenta de análise de marcado elaborada por Porter, a competição de um setor depende de cinco forças: 1) intensidade da rivalidade entre os competidores; 2) pressão de produtos substitutos; 3) ameaça de novos entrantes; 4) poder de negociação dos compradores e 5) poder de negociação dos fornecedores (PORTER, 1979 apud SÉCCA; LEAL, 2009).

O mercado de instituições privadas pode ser dividido em quatro grandes segmentos. De acordo com a análise do vice-reitor da Universidade Anhembi-Morumbi, adotada pelo estudo em foco, são estes:

a) Instituições de elite: instituições de nicho, que oferecem cursos em torno de uma mesma área e buscam excelência de ensino, com mensalidades em torno de R$ 1.500,00, como a Fundação Getúlio Vargas (FGV), o Instituto Brasileiro de Marcado de Capitais (Ibmec) e a Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM);

b) Quadrante dos sonhos: instituições de grande tradição ou sem concorrência acirrada, como as Pontifícias Universidades Católicas (PUC´s);

c) Instituições de massa: cursos populares, grandes redes de ensino, oferta de novas profissões que não existiam nas universidades públicas e de cursos de curta duração;

d) Quadrante do pesadelo: pequenas instituições, sem tradição nem escala, cobram mensalidades ainda mais baixas que as de massa (SÉCCA; LEAL, 2009).

Por tal divisão, fica claro entender como os dois primeiros segmentos alocam as instituições que formam as elites do país, enquanto os dois últimos têm como meta “prover qualificação para o mercado de trabalho e atender às expectativas de ascensão profissional e social de seus alunos” (SÉCCA; LEAL, 2009, p. 125).

Aplicando as cinco forças de Porter demonstradas inicialmente, no que diz respeito à rivalidade entre os competidores, o estudo destaca que a concorrência por alunos foi intensificada na última década. Sendo assim, a rivalidade foi considerada alta, pois “o número de players é grande, há equilíbrio entre os principais competidores em nível nacional, a taxa de crescimento do mercado diminuiu muito, e há barreiras de saída significativas” (SÉCCA; LEAL, 2009, p. 130).

Quanto à pressão de produtos substitutos, a exemplo de cursos de educação profissional, serviço militar e instituições públicas, a ameaça foi considerada muito baixa, pois há poucos substitutos e o ensino superior ainda é o sonho dos jovens brasileiros. Os cursos ofertados pelas universidades públicas foram considerados pelo estudo como um produto substituto, porém, a interação entre os mercados ainda parece ser insuficiente para afetar a rentabilidade dos grandes concorrentes, mesmo com a ampliação dos cursos noturnos e interiorização das federais (SÉCCA; LEAL, 2009).

Para os referidos autores, a ameaça de novos entrantes foi classificada como moderada, pois, por um lado, há a estratégia de diferenciação pela marca adotada por algumas instituições, mas, por outro lado, há barreiras legais que dificultam a entrada de novos concorrentes. Porém, ainda é possível ingressar no setor sem grande capital e com pequena escala.

Segundo metodologia utilizada pela análise mercadológica do BNDES, a quarta força adotada se refere aos alunos, haja vista serem eles os compradores, que tomam suas decisões a partir de critérios como localização, preço, cursos, qualidade do corpo docente, instalações, imagens da instituição, além de considerarem suas ambições no mercado de trabalho. A força dos “compradores” foi considerada moderada, pois é grande o número de instituições que competem pela preferência do aluno. Contudo, uma vez escolhida, há barreiras para mudanças, bem como o aluno tem dificuldade de se organizar para exigir custos menores das instituições (SÉCCA; LEAL, 2009).

Os fornecedores de uma instituição de ensino, por sua vez, são os docentes e os funcionários administrativos. Em média, a força desses fornecedores foi considerada como moderada. No entanto, no interior, o poder de barganha dos professores é maior, devido à baixa disponibilidade de mão-de-obra. Pela relevância para a presente pesquisa, é interessante destacar os comentários tecidos sobre o setor:

Os professores geralmente formam-se nos cursos de pós-graduação stricto sensu das maiores universidades, de forma que não são muitos os “fornecedores”. O Brasil ainda enfrenta o desafio de aumentar o número de professores com mestrado e doutorado na maior parte das IES privadas. A contribuição do professor é fundamental para qualidade do produto final (educação), e sua titulação é levada em conta no cálculo dos índices de qualidade do ensino superior pelo MEC (SÉCCA; LEAL, 2009, p. 135).

Com base nas cinco forças apontadas acima, o estudo chegou à atratividade do setor como um todo, “considerando a intensidade de cada força do modelo, o setor apresenta MÉDIA ATRATIVIDADE” (SÉCCA; LEAL, 2009, p. 139). A partir dessa conclusão, a análise aponta as oportunidades e ameaças do setor, destacando como oportunidades a expansão do crédito, o aumento das verbas de pesquisa e a baixa penetração do ensino superior no Brasil, enquanto as ameaças foram o desequilíbrio entre oferta e demanda, as aquisições estrangeiras e a crise mundial, que suscita a necessidade de auxílio governamental para as instituições privadas. Por fim, indica a educação à distância, a necessidade de prestação de contas à sociedade e a profissionalização da gestão como as principais tendências de mercado, à medida que

haverá boas oportunidades de negócios para as instituições bem posicionadas e bem administradas (SÉCCA; LEAL, 2009).

Um segundo Programa IES foi lançado com vigência entre 2009 e 2014, mantendo o mesmo público beneficiário e os mesmos objetivos, porém, elevando a dotação orçamentária para R$ 1 bilhão e a cobertura do financiamento para 100% do valor dos projetos. Passaram a ser passíveis de apoio obras civis, compra de máquinas e equipamentos novos de fabricação nacional, gastos com capacitação gerencial, aquisição de softwares, qualificação de docentes, entre outros, sendo os custos financeiros determinados pela Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), variando entre 0,9% e 4,0% ao ano. Nessa segunda versão do Programa IES, as instituições privadas, para serem beneficiadas, devem ter aderido ao Fies e Prouni.

As iniciativas do BNDES em conjunto com o MEC, seja com a oferta de linhas de financiamento ou com a análise de mercado, são ilustrativas do modo como o Estado brasileiro vem tratando o ensino superior brasileiro. Não há mais como questionar que se trata de um negócio, com seus competidores bem definidos e alocados em segmentos de mercado. Nos termos de Jacob (2010), estes competidores são movidos pela ideologia do valor econômico e fundamentados em princípios neoliberais, como flexibilidade, racionalidade, produtividade e competitividade, “[...] transformando a educação superior um negócio altamente lucrativo” (CHAVES, 2010, p. 496).

Pela pesquisa realizada junto às políticas implementadas desde o Governo Fernando Henrique Cardoso, percebe-se que se, num primeiro momento, o apoio ao ensino privado era percebido pelo sucateamento da universidade pública em detrimento da expansão do setor privado, nessa fase mais recente de oligopolização e desnacionalização do capital, o Estado associa políticas de reestruturação da universidade pública com iniciativas de apoio aos grupos educacionais. Em consequência, mantém o viés empresarial do ensino superior e reduz o espaço de crítica no setor público.

De acordo com Silva et al. (2008b), as multinacionais de serviços educacionais têm os mesmos critérios que outros investidores estrangeiros para fazer seus negócios: estabilidade econômica, legislação apropriada, normas favoráveis aos estrangeiros, igualdades de tratamento entre os setores privado e público, acesso aos financiamentos de pesquisa do Estado e facilidades de retirada do capital.

Nessa perspectiva, entende-se que as iniciativas como o Programa IES, o Fies ou o Prouni asseguram baixo risco e pouca incerteza para aqueles que pretendem investir

no segmento Novo Mercado na BM&FBOVESPA. No segundo Programa IES, por exemplo, os recursos do BNDES foram atrelados à adesão ao Fies e ao Prouni. Mais uma vez, legitimou-se a transferência de recursos públicos para a iniciativa privada seguindo a lógica concentradora do mercado financeiro: o Estado empresta ao mesmo tempo em que oferece as garantias de rentabilidade para que os recursos possam retornar ao banco. Tais recursos, porém, ficam concentrados em poucas grandes instituições e em poucas regiões do país, como foi visto, garantindo as condições de formação dos grandes grupos educacionais. Assim, o mesmo Estado que alegava incapacidade de financiamento da universidade pública assumiu a função de corrigir as imperfeições do mercado educacional, garantindo condições favoráveis para a centralização de capital no setor.

O ambiente externo, do qual se tratou até agora, certamente vem impactando a organização interna das empresas educacionais, principalmente após se lançarem no mercado de capitais, em função da necessidade de essas empresas manterem índices de confiabilidade para reter e atrair novos investidores. Dessa maneira, por se tratar de uma pesquisa no âmbito da sociologia do trabalho, que busca compreender as condições de trabalho docente em instituições privadas de ensino superior, além do comportamento macro do mercado educacional, é importante averiguar o que vem sendo pensado sobre a gestão de empresas educacionais, a fim de se perceber como esse ambiente externo altera o funcionamento interno dessas empresas e como este recai sobre o cotidiano do trabalho docente, objetivo da próxima sessão deste trabalho.