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CLASSIFICAÇÕES E MODELOS DE GESTÃO DA FORÇA DE TRABALHO

1.1 O trabalho em serviços em Smith e Mar

Com o olhar voltado para a produção de uma imensa massa de mercadorias, produzida como nunca antes nas fábricas inglesas, Karl Marx elaborou seu pensamento sobre o modo de produção capitalista tendo como base a indústria. No entanto, elaborações acerca do setor de serviços podem ser retiradas do questionamento que a economia política fazia sobre a determinação do valor das mercadorias, originando a teoria do valor-trabalho1 e a teoria do valor-utilidade2. Para efeito do presente estudo, nenhuma das duas teorias será tomada como foco de análise. Mesmo assim, faz-se necessário retomar elementos da teoria do valor-trabalho que forneçam subsídios para um estudo do trabalho em serviços.

No âmbito da teoria do valor-trabalho, o valor de uma mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho incorporada ao produto no processo de produção. No entanto, seus principais representantes, Adam Smith e Karl Marx, diferem quanto à elaboração dos conceitos de capital produtivo/improdutivo e sobre a função econômica do setor de serviços, como destaca Meirelles (2006).

A base da discussão teórica de Marx sobre o trabalho produtivo é o pensamento de Adam Smith, no sentido de demonstrar suas fragilidades e avançar na crítica ao capitalismo. Isto porque, para Smith, há uma espécie de trabalho que acrescenta valor ao objeto no qual é aplicado: o trabalho produtivo, aquele que acrescenta ao valor dos materiais que trabalha o de sua própria manutenção e o lucro do patrão, como o trabalho do manufatureiro. Conforme demonstra Smith (2003, p. 151),

O trabalho do manufatureiro fixa-se e realiza-se em algum objeto em particular ou mercadoria vendável, que perdura pelo menos algum tempo depois de passado o trabalho. É como se fosse certa quantidade de trabalho estocada e armazenada a ser empregada, se necessário, em alguma outra ocasião.

Por outro lado, há o trabalho que não tem nenhum efeito, que não acresce valor em nada, como o trabalho de um serviçal. Sendo assim,

1

Cujos principais expoentes são Adam Smith, Davida Ricardo e Karl Marx. 2

o trabalho do serviçal, ao contrário, não fixa nem se realiza em nenhum objeto em particular ou mercadoria vendável. Seus serviços, geralmente, perecem no mesmo instante de sua execução, e raramente deixam qualquer sinal ou valor atrás deles, pelo qual uma igual quantidade de serviços poderia depois proporcionar (SMITH, 2003, p. 152).

Para Smith (2003), mesmo o salário do manufatureiro sendo adiantado pelo patrão, ele não lhe custa nada, visto que o valor dos salários é restaurado com o lucro, no valor aumentado do objeto ao qual se aplicou o trabalho. Mas, a manutenção de um serviçal nunca é restaurada, pois sempre que um homem emprega mãos improdutivas, retira parte do seu capital para destiná-lo ao seu estoque reservado para consumo imediato. “Um homem enriquece empregando uma multidão de operários; e fica pobre mantendo uma multidão de serviçais” (SMITH, 2003, p. 151). Por esse motivo, os serviços pouco lucrativos, porém necessários, devem ser realizados pelo governo, financiados pelos impostos, como os serviços de defesa, administração judicial, educação e transporte.

Nem mesmo o fato de ser respeitado pela sociedade faz com que o trabalho perca seu caráter de improdutivo, por não ser fixado nem realizado em nenhum objeto permanente. Smith (2003) toma como exemplo o soberano, seus oficiais de justiça, o Exército, a Marinha, advogados, médicos e homens de letras de toda espécie, trabalhadores improdutivos mantidos por renda, basicamente pela renda da terra e pelos lucros do capital, suas principais fontes de subsistência.

Na interpretação de Meirelles (2006), Smith apresenta uma visão material do processo de valorização do capital, pois um bem só tem valor se puder ser palpável, concreto, visível e estocável. Da mesma forma que só é produtivo o trabalho que forma uma reserva de valor material e concreta, que possibilite a acumulação de riqueza. Sendo intangíveis os serviços, para Smith, além de improdutivos, são de baixa rentabilidade, uma atividade incapaz de gerar lucro.

Karl Marx altera o parâmetro de determinação do tipo de trabalho sob a ótica da interpretação que faz das relações capitalistas de produção, avançando em relação às concepções smithianas à medida que não se detém à tangibilidade do produto. Assim, considera a capacidade ou não de produzir valor excedente como fator determinante do tipo de trabalho. Dessa forma, é produtivo aquele trabalho e aquele trabalhador que produz mais-valia, o trabalhador cujo processo de trabalho é o consumo produtivo da sua força de trabalho (MARX, 1978). Nos termos do próprio Marx (1978, p. 75),

se falarmos em trabalho produtivo, falamos, pois, de trabalho socialmente determinado, de trabalho que implica relações nitidamente determinadas entre o comprador e o vendedor de trabalho. O trabalho produtivo troca-se diretamente por dinheiro enquanto capital, isto é, por dinheiro que, em si, capital, que está destinado a funcionar como capital e que, como capital, se contrapõe à força de trabalho.

É trabalho produtivo, portanto, o que transforma as condições materiais de trabalho em capital e o dono delas em capitalista (MARX, 1987). Ao passo que, para o operário, é trabalho que reproduz somente o valor da sua força de trabalho, enquanto valoriza o capital. Trabalho produtivo, pois, é aquele que remete às relações de produção nítidas do modo de produção capitalista, o que significa dizer que, de alguma forma, o processo de trabalho se torna um instrumento de valorização do capital, um processo de exploração do trabalho alheio.

Para explicar como a forma de dominação desse trabalho produtivo foi sendo modificada pelo capital no processo de acumulação, Marx elaborou os conceitos de subsunção formal e real do trabalho ao capital. Denomina de subsunção formal do

trabalho ao capital a fase em que o capital domina o processo de trabalho, mas apenas o

diferencia na forma em relação aos modos de produção anteriores. Pelo fato de ainda não se terem efetuado mudanças essenciais no processo de trabalho, o capital já dominava a forma social geral, mas os processos de trabalho permaneciam nos moldes tradicionais, apenas com mudanças na amplitude dos meios de produção e da quantidade de trabalho que o patrão dirigia (MARX, 1978).

Mesmo no ângulo dessa relação meramente formal, os meios de produção, as condições objetivas de trabalho, a saber, material de trabalho, meios de trabalho (e meios de subsistência), não se apresentam subsumidos ao trabalhador; este é que aparece a eles subsumido. Não é o trabalhador que os usa, mas eles que o usam. E são, por esse meio, capital. Capital emprega trabalho (MARX, 1987, p. 02).

A subsunção era formal também pelas relações coercitivas não se basearem mais em formas de dominação e dependência política ou religiosa, como a escravidão, servidão, vassalagem e formas patriarcais, mas na subordinação econômica, através da relação puramente monetária entre os detentores dos meios de produção e os vendedores da força de trabalho. Em toda sua simplicidade, tal relação, para Marx, já é uma perversão, personificação da coisa e coisificação da pessoa, pois o capital domina apenas pelo fato de ser capital. Nesses moldes, só se produz mais-valia por meio do

prolongamento do tempo de trabalho. Portanto, é a extração da mais-valia absoluta que está relacionada à subsunção formal do trabalho ao capital (MARX, 1987).

Como as formas de coerção se tornaram meramente econômicas, deve-se oferecer à força de trabalho melhores condições objetivas, para que, do processo de trabalho, possa ser retirada uma quantidade cada vez maior de trabalho excedente, sem que tal processo seja percebido pela massa de trabalhadores explorada. O capital, portanto, tem necessidade de transformação constante, a fim de aprimorar seu processo de valorização, como fez historicamente impondo ao trabalhador diversas formas de trabalho, como a cooperação, a manufatura e a indústria moderna e, mais tarde, com as mudanças no processo produtivo a partir da adoção de diferentes modelos de gestão, como o taylorismo, o fordismo e o toyotismo3.

Surge dessa evolução das formas de trabalho o modo de produção especificamente capitalista, quando se dá a subsunção real do trabalho ao capital. Real por haver um modo de produção tecnologicamente específico e uma metamorfose real da natureza do processo de trabalho, na qual o prolongamento da jornada de trabalho foi substituído pelo uso consciente das ciências naturais, mecânica, química e tecnologia, que assumiram o status de força produtiva do capital, aplicadas no processo de trabalho como formas de aprimoramento da produtividade. A subsunção real do trabalho ao capital não se dá apenas pelo prolongamento da jornada de trabalho, mas pela substituição do trabalho vivo pelo trabalho morto, oferecendo ao capital as condições para ampliar a produção no mesmo tempo de trabalho. Portanto, é a mais-valia relativa própria da subsunção real do trabalho ao capital (MARX, 1978).

Nessa nova fase, não é o operário individual o agente do processo de trabalho, mas uma crescente capacidade de trabalho socialmente combinada, o que representa as diversas funções que contribuem para a valorização do capital, independentemente da posição que ocupe nesse processo, se mais próxima ou distante do trabalho manual. Destarte, mais funções do processo de trabalho se incluem no conceito de capital produtivo e seus agentes como trabalhadores produtivos4.

Tal discussão apresentada por Marx para conceituar o trabalho produtivo e improdutivo, inserindo-os no âmbito das relações eminentemente capitalistas de produção, é importante para este estudo à medida que, a partir dela, o autor tece suas considerações acerca do trabalho em serviços, quando procura diferenciar o trabalho

3 Idem. 4

produtivo do trabalho assalariado, afirmando que “todo trabalhador produtivo é assalariado, mas nem todo assalariado é trabalhador produtivo” (MARX, 1978, p. 72).

Desse modo, pode acontecer que o capitalista compre trabalho para consumi-lo como valor de uso, como serviço. É consumido pelo capitalista apenas como renda e o dinheiro assume a função de meio de circulação. É M-D-M`, sendo o M` o próprio trabalho. A dissociação, para Marx, entre o trabalho produtivo e o trabalho assalariado vem do fato de que, no capitalismo, tanto a produção de mercadorias quanto a forma de trabalho assalariado se absolutizam ao passo que uma série de funções que se exerciam gratuitamente ou com o pagamento de forma indireta, como o médico e o advogado, transformam-se diretamente em trabalho assalariado.

Assim sendo, esse fenômeno, o de que com o desenvolvimento da produção capitalista todos os serviços se transformam em trabalho assalariado, e todos os seus executantes em assalariados, tendo, pois, essa característica em comum com o trabalho produtivo, leva tanto mais a confusão entre uns e outros porquanto é fenômeno característico da produção capitalista, e por ele gerado (MARX, 1978, p. 74).

O trabalho em serviço, quando não incorporado como fator vivo no processo capitalista de produção, é consumido improdutivamente, mesmo que realizado sob o trabalho assalariado. Nessa perspectiva, serviço não é, em geral, senão a expressão para o valor de uso particular do trabalho, na medida em que este não é útil como coisa, mas como atividade. Serviço, então, “é quando se compra o trabalho para consumi-lo como valor de uso” (MARX, 1978, p. 73).

Todavia, é importante destacar o seguinte aspecto do pensamento marxiano: o que constitui o valor de uso do trabalho para o capital é o fato de a mais-valia ser gerada somente na troca com o trabalho produtivo. Como resultado, a designação de um trabalho como produtivo independe do seu conteúdo indeterminado ou da sua forma particular (o trabalho concreto), ao passo que depende do fato de ser aquele trabalho que aumenta a riqueza do patrão no processo de acumulação, portanto, trabalho abstrato.

Levando-se em consideração, porém, o trabalho abstrato, no Capítulo VI Inédito, Marx (1978) afirma que um trabalho de idêntico conteúdo pode ser produtivo ou improdutivo, dependendo da forma como está subsumido ao capital.

Seu raciocínio caminha na mesma direção nos manuscritos publicados como

Teorias da Mais-valia (MARX, 1987), nos quais registrou suas considerações

dinheiro assume a função de simples meio de circulação, para trocá-lo pelo valor de uso de um trabalho, por exemplo, o trabalho de um alfaiate que costura uma calça para uso pessoal, em nada vai enriquecer o consumidor final. É uma despesa com consumo para satisfazer a uma necessidade, que só diminui sua reserva monetária. Porém, se o mesmo alfaiate for contratado por um capitalista para produzir calças e depois vendê-las, seu trabalho torna-se produtivo, visto que fornecerá mais-valia. O dinheiro adiantado assume a forma de capital5.

Deste exemplo se conclui que a mera troca de dinheiro por trabalho não transforma o dinheiro em capital, nem o trabalho em trabalho produtivo. Então, não importa o conteúdo, o caráter concreto da mercadoria. No caso do trabalho em serviços, mesmo de caráter improdutivo, paga-se apenas pela prestação de serviços, não pelo resultado que esse trabalho venha a alcançar.

Porém, para Marx, a maior parte do trabalho em serviços pouco se subsome ao capital do ponto de vista da forma. Por isso, pertence a uma forma de transição. O autor optou por fazer caso omisso do trabalho em serviço, tendo em vista que constituía magnitude insignificante se comparado ao volume da produção capitalista industrial. Mesmo que pudesse ser explorado de maneira diretamente capitalista, preferiu constituí- lo como trabalho assalariado que não é produtivo. Para Marx, a produção capitalista só se aplica de forma muito limitada na produção imaterial, na qual ainda não se concretizara a subsunção real do trabalho ao capital (MARX, 1978).

No que diz respeito aos serviços, de acordo com Meirelles (2006), Marx também avança em relação a Smith, haja vista a prioridade que dá à existência de relação capitalista de produção para determinar a atividade como produtiva ou não, independentemente da tangibilidade do produto. Porém, a autora lamenta por Marx ter dedicado pouca atenção a esse setor, conferindo-lhe importância econômica apenas quando associada diretamente ao processo de valorização do capital industrial, como os serviços de comunicação, transporte e armazenamento de mercadorias, os quais evitam a deterioração do produto e o torna acessível ao consumidor, proporcionando a realização da mais-valia e completando o ciclo de valorização do capital.

A concepção de Marx sobre o trabalho produtivo e serviços segue uma inconteste coerência com seu pensamento, que relaciona o modo de produção capitalista, considerando a subsunção real do trabalho ao capital, ao trabalho na

5 Idem.

indústria, em função da base empírica que tinha para análise, a expansão da indústria da Inglaterra do Século XIX. Esse foi o gancho utilizado por muitos teóricos para desqualificar o pensamento de Marx como válido para interpretar os contextos mais atuais, questionando, após o crescimento quantitativo do setor terciário da economia, a validade do trabalho como categoria de análise, caso de Claus Offe e dos teóricos do trabalho imaterial. Por outro lado, o pensamento marxiano foi chave para análises que possibilitam uma visão crítica do trabalho no setor de serviços ao longo da história, tais como os que serão evidenciados no decorrer deste capítulo.

Para efeito de organização do texto, a exposição do pensamento sobre serviços partirá de Braverman (1987), pelo enfoque dado à fase monopolista do início do século XX, para então evidenciar o pensamento contemporâneo da não centralidade do trabalho e do trabalho imaterial, finalizando com a respectiva crítica acerca do atual modelo de gestão empresarial.

1.2 O capital monopolista de Braverman: mercado universal, trabalhadores em